domingo, 7 de junho de 2020

Governo entre desespero e bravatas

Almir M. Quites


"Eu sou a Constituição", disse o Presidente Bolsonaro. Assim brandiu toda sua prepotência e cinismo. Esta frase é incompatível com o cargo de Presidente da República que ele ocupa.

"Quem manda sou eu!", bradou o Presidente Bolsonaro em outra ocasião. Ele ainda não percebeu que a República brasileira elegeu um Presidente, não um ditador, um déspota.

Ele não sabe liderar, mas quer comandar, como um militar comanda a tropa. Assim, o presidente se comporta como se ainda estivéssemos no século XIX, sob a Constituição de 1824, e ele fosse "O Imperador"!

No tempo da monarquia, a pessoa do imperador era inviolável e sagrada, não se sujeitava à qualquer tipo de responsabilização. Não respondia pelos seus atos. Suas palavras tinham força de Lei. Este tempo passou há 2 séculos!

Bolsonaro acredita que é um imperador. Sente-se como o dono da República, quer ter poderes imperiais, convoca manifestações contra os outros Poderes em plena vigência da CoViD-19 (em 19/04/2020) e, como se fosse um bipolar que não admite a sua doença, logo em seguida, nega o que fez.

Também nega que tenha feito apologia da ditadura militar, apenas mandou os quartéis comemorarem o 31 de março como se fosse data comemorativa nacional.

"Acabou, porra!" Esta frase de Bolsonaro, indigna de um Presidente, pronunciada na porta do Palácio da Alvorada, mostra bem seu desespero e seu destempero.
 
Ele se sente impotente, açoitado por uma tempestade dupla, uma que açoitou um Brasil economicamente arruinado, desde 2015, e outra a "gripezinha" que arrasou o mundo. Estas puzeram a nu o pandemônio do governo federal. Este pandemônio não tem nada a ver com a pandemia. Já existia antes dela. É que Bolsonaro e seus ministros, com exceção de uns três ou quatro, não têm a mínima condição de entender o que está acontecendo, nem têm competência para os cargos que ocupam. Foi o que constatei com muita clareza no início de 2019, quando analisei os discursos de posse dos ministros. Veja aqui: REVELADORES DISCURSOS DE POSSE (janeiro de 2019).

Bolsonaro pensava que administrar um país fosse o mesmo que administrar um quartel. Então, como não entendia de economia, pôs tudo nas mãos do Ministro Paulo Guedes e ficou perambulando, todos os dias, expressando toscamente o que queria que acontecesse, como se tudo que dissesse fosse "a palavra do Imperador", uma ordem que deveria ser imediatamente obedecida por seus súditos. No inicio, Paulo Guedes percebeu que precisava administrar o governo, tentou ser o chefe dos demais ministros mesmo sem poder contar com a autoridade institucional do cargo de Presidente. Não conseguiu!

Num quartel pode ser assim, mas num país...?! Não, um país é muito mais complexo e exige consensos muito bem alinhavados com os demais poderes, em seus objetivos e estratégias. O estudo das soluções é muito mais importante do que a presteza em resolver problemas do cotidiano.  

Bolsonaro zanzava por aí fazendo bravatas, como fazia na campanha eleitoral. Sua única preocupação passou a ser a sua própria reeleição, em 2022. Usava, abusava e ainda usa e abusa do cargo de Presidente do nosso país para fazer sua própria campanha eleitoral, exageradamente antecipada. Isto é tipicamente um crime, mas as Instituições do Brasil geralmente são lenientes com os presidentes. Sempre paira no ar um temor de "agravar a crise"!

A máquina de criação e propulsão de "fake news", que elegeu Bolsonaro, continuou ativa, agora, muito provavelmente, abastecida com recursos públicos. Sua ligação com as milícias do Rio continuou forte, cobrando dele o controle sobre a Polícia Federal. 

Incapaz de lidar com estas malandrices às claras, devido à exposição que um Presidente tem, o Presidente gerou mais duas dificuldades para si: um inquérito sobre sua interferência na Polícia Federal e outro sobre a máquina de "fake news" montada por seus adeptos dentro e fora do Palácio Presidencial. Duas gravíssimas ilegalidades. 

Antes, no início do mandato, Bolsonaro queria ser engraçado, amado e temido. Agora, quanto mais envolto em suas próprias trapalhadas, mais ele sente necessidade de se mostrar temido. O importante agora é ser temido! Para isso, ele sempre dobra a aposta! Ele blefa porque nem na manga há cartas! Então tenta mostrar poder por meio das "fake news", falsas notícias para apregoar seus poderes como o intrépido caçador de bandidos, os quais, na sua imaginação são todos petistas, comunistas e "esquerdopatas"! Para ele e também para seus seguidores fanáticos, petistas, comunistas e "esquerdopatas" são todos os que discordam dele. Só mesmo fanáticos podem engolir isto, principalmente depois que transformou seu ministro Sérgio Moro (o avalista da continuidade do combate à corrupção) num inimigo.

Ao contrário do que amiúde dizem, Bolsonaro não decidiu governar com o apoio de bancadas temáticas no Congresso. Isto foi o que lhe restou, devido à sua incompetência. É notório que ele não conseguiu estabelecer acordos, consensos, porque é incapaz de manter um diálogo inteligente, circunspecto e fecundo com quem quer que seja! Agora ele precisa comprar apoios no Congresso, pagando à vista e antecipadamente. Claro, no desfecho, quem paga a conta é o povo. 

Bolsonaro levanta a voz e diz que tem "a espada", isto é, o apoio dos militares. Ele ameaça a nação sugerindo que não vai se sujeitar aos outros dois Poderes da República, ao STF e ao Congresso, porque dispõe do apoio das Forças Armadas. Estes outros dois poderes deveriam convocá-lo para depor, porque esta ameaça é grave e se constitui em crime de responsabilidade. Mas as nossas instituições são lenientes em relação aos Presidentes. 

Logo depois, seu filho Eduardo, que é Deputado Federal, avisa que seu pai já perdeu a paciência! Ele avisa que haverá uma ruptura institucional, que "não é questão de se, mas de quando acontecerá". Quando? Imediatamente? Daqui a alguns anos ou daqui a um século? Palavras vagas que fazem parte do blefe. Os robôs bolsonaristas das redes sociais respondem disparando mensagens que dizem ter chegado a hora de usar o artigo 142 da Constituição Federal que, segundo eles, autoriza as Forças Armadas a fazer uma Intervenção no Governo Federal. 

Bobice! Como se a Constituição, por este artigo, autorizasse um dos órgãos do Poder Executivo (as Forças armadas), a tutelar todos os três poderes da República! Como se uma Constituição Federal pudesse autorizar as Forças Armadas a romper com ela própria! Como se coubesse às Forças Armadas tutelar a sociedade! Como se os Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo pudessem ser suprimidos por um órgão que é subalterno ao Poder Executivo! Como se as Forças Armadas do país, pagas com os recursos do povo, tivessem o direito de subjugá-lo! 

Sem rodeios, isto seria Golpe MilitarAs Forças Armadas, ao se sobreporem à Constituição, tornam-se automaticamente uma organização criminosa, uma organização paramilitar, ou seja, uma milícia! 

O Presidente Bolsonaro está acostumado com organizações criminosas. Ele sempre foi abertamente amante de ditaduras, de tortura e de soluções autoritárias. Suas ligações com as milícias do Rio são notórias, mas não entende nada de Estado de Direito!

Ele nem poderia ter sido candidato, porque manifestamente despreza a democracia.

O perigo não é o Presidente Bolsonaro. Este blefa! A decisão sobre um Golpe Militar não depende dele. O perigo está na possibilidade dos chefes militares serem seduzidos pela ideia. Muitos deles acreditam irrefletida e imprudentemente nas lendas de caserna. A mais perigosa delas é a que declara caber aos militares tutelar a sociedade. A crença nesta supremacia militar se evidencia nos numerosos atos falhos que emergem de pronunciamentos públicos de generais brasileiros. Aqui está um exemplo disso: ATO FALHO (22 de abril de 2020).

O fato é que os militares que fazem parte do governo, sejam da ativa ou da reserva, deram apoio a política infantilizada e irresponsável do atual Presidente Bolsonaro quando destruíram o Ministério do Meio Ambiente, junto com o Ministro, feriram gravemente o Ibama e outros organismos responsáveis pelo cumprimento de nossa legislação ambiental, os quais tinham sido amadurecidos ao longo de anos de democracia. Também destruíram o Ministério da Saúde. O Ministério da Educação já está aos frangalhos desde a posse do Presidente.  O Ministério da Cultura foi destruido no dia da posse de Bolsonsro.

É difícil acreditar que os militares possam não querer compreender o que seja Estado de Direito, que prefiram se auto-enganar e justificar um Golpe de Estado como se fosse um ato de patriotismo! No entanto, é o que os fatos sugerem. Se for mesmo assim, então Bolsonaro está servindo apenas como bucha de canhão. Alguém que serve apenas para criar a confusão necessária para que outros possam ter motivos para deflagar um Golpe Militar. Neste caso, Bolsonaro seria imobilizado ou mesmo descartado logo após o Golpe! É muito triste que seja assim. Gostaria de estar enganado, mas nossos militares ainda fazem apologia de regime militar!

Consta que, em 2014, ainda no início do governo de Dilma Rousseff, Jair Bolsonaro (que até então era do PP e apoiava o PT) anunciou sua candidatura à Presidência da República num discurso pronunciado na formatura (cerimônia de entrega dos espadins) dos cadetes na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), tendo sido aclamado pelos novos oficiais!  Como Bolsonaro participou da mesma cerimônia nos anos seguintes, cabe pensar que os Comandantes do Exército apoiavam a iniciativa desde aquela época. Com a omissão dos Ministros da Defesa e dos Presidentes da República, a política entrou nos quartéis, apesar da proibição expressa no Decreto-Lei nº 4.346, de 26/08/2002, o qual foi reiteradamente infringido.  

Bolsonaro foi da turma de 1977. Além desta turma, as turmas da AMAN de 1978 e 1979 foram contemporâneas de Jair Bolsonaro. Os generais de hoje, oriundos daquelas turmas, ocupam a maioria das cadeiras do Alto-Comando do Exército. Bolsonaro chegou à presidência na mesma epoca em que os seus contemporâneos da AMAN ingressaram no Alto-Comando do Exército. Dois deles viraram ministros – Luiz Eduardo Ramos e Walter Souza Braga Netto.  Edson Leal Pujol, o atual comandante do Exército, foi da turma de 1977, a de Jair Bolsonaro. Em entrevista à Folha de S.Paulo, no dia 24 de novembro de 2018, o general Pujol, afirmou que "há preconceito na análise do período militar no Brasil", o que mostra a mesma negação da ditadura militar que Bolsonaro repetidamente apresenta. 

Veja agora, ou quando tiver tempo, a solenidade de formatura da AMAN de 2017 com a presença destacada do então Deputado Jair Bolsonaro e seus dois filhos políticos. A solenidade é muito bonita! Vale a pena ver! Observa-se também, pelos slogans que usam, que a intensidade da doutrinação (manipulação da mente alheia) é alta.

Os dois vídeos são longos. Se você não tiver tempo agora, então continue a leitura e deixe os vídeos para outro momento. 

Vídeo, parte 1
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Vídeo da formatura. Na cerimônia da Entrega dos Espadins os cadetes cantam "Somos a esperança do Brasil inteligente", na presença do deputado Jair Bolsonaro e de seus filho Eduardo e Flávio Bolsonaro. No final da cerimônia, Jair Bolsonaro e seus filhos são tratados como ídolos! Isto em 2017, na AMAM (Agulhas Negras).
Continua abaixo.

Vídeo, parte 2
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Tomara que haja uma reação da sociedade civil que impeça os militares de cometer mais uma insanidade! É incompreensível que oficiais militares não entendam que Golpe Militar é um ato impatriótico. A função dos militares é defender a sociedade civil como um todo, não usurpar cargos de comando. Patriotismo é defender a sociedade brasileira, para que ela possa trabalhar, decidir seu futuro e resolver seus problemas com suas próprias soluções! Patriotismo obviamente não é usar as armas contra seu próprio povo. O militar deve servir à sua sociedade, nunca amordaçá-la, subjugá-la, nunca se servir dela, seja qual for o pretexto. 

A pandemia (CoViD- 19) continua dizimando os brasileiros. Já matou mais de 30.000 e atualmente mata mais de 1000 por dia. Cerca de 30.000 brasileiros chegam "feridos" (doentes) aos hospitais por dia! O brasileiros sofrem, mas o Presidente nunca se refere à CoViD e nem se ocupa disso. Ele só pensa em si mesmo. Já demitiu dois Ministros da Saúde e colocou generais lá. Estes, curvaram-se à irresponsável e errática política de Bolsonaro e promoveram a venda de cloroquina ao povo. As mortes e as sequelas dos brasileiros recuperados devem ser atribuídas também a Bolsonaro e seus militares! 

Não é mais tolerável a manutenção de Bolsonaro no Governo. O Presidente não se importa com o Brasil e os brasileiros. Ele só pensa em si mesmo! 

Pergunto: a Constituição Brasileira não prevê uma forma de abreviar um Governo que não mais corresponda no desempenho de suas funções? Respondo: NÃO! Então, é preciso que o Congresso faça uma mudança constitucional para insirir um dispositivo que permita isso. 

Enquanto esta mudança não for feita, mesmo que a maioria do povo não aceite mais o Presidente e esteja totalmente desesperançada, ainda assim, o impeachment só vingará se houver um fundamento criminal sólido e consistente, consubstanciado no cometimento de um ou mais crimes (comuns e/ou de responsabilidade), de natureza dolosa, que violem, ao mesmo tempo, a Constituição e a Lei 1079/1950. Ainda assim, também terá que haver, concomitantemente, um razoável consenso político no âmbito das Casas parlamentares nacionais. Faltando um ou outro desses requisitos, o impeachment não seria um ato constitucional. 

No caso atual, já existem numerosos crimes de responsabilidade cometidos por Bolsonaro. Então, o impeachment é possível! Basta o consenso político no Congresso Nacional.

É preciso abreviar ao máximo o mandato de Bolsonaro. Não temos tempo a perder. O tempo que já perdemos, esperando o coronavírus chegar, representou muitas mortes no evoluir exponencial de contágios. Quando a CoViD-19 passar, precisaremos de um novo Governo, competente, para que seja possível recuperar a economia. 

O presidente não vai mudar o seu comportamento. Esta esperança já não se sustenta. Cada vez mais, ele vai prosseguir  com os discursos e com ações belicosas de seus "seguidores" mais fiéis (quem segue quem?), os quais confrontam de forma agressiva as instituições democráticas, em especial o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso Nacional.

Quando o STF "pagou para ver", com decisões unânimes e contrárias às preferências do Presidente, ficou evidente que as ameaças autoritárias não passavam de blefe.

Como Bolsonaro não tem plano estratégico de governo, nem mesmo capacidade de manter um diálogo com quem quer que seja, ficou dependente destas conexões diretas com seus eleitores, através das redes sociais, escritas, não por ele, mas por seus filhos e outros apoiadores sem causas.  

Sim, Bolsonaro, o Presidente, é obtuso, arcaico, impetuoso, destrói tudo por onde passa. Foi por isso que foi expulso do Exército. No entanto, temos que ficar atentos porque, nos escombros que deixará atrás de si, também aparecerão coisas importantíssimas que estavam escondidas e que impediam o desenvolvimento saudável do país.

Quando ele sair, enfim, da Presidência, teremos a oportunidade de começar tudo novamente. Não podemos, mais uma vez, desperdiçar esta oportunidade!

Não temos tempo a perder. O impeachment mantido estritamente dentro dos ditames constitucionais, este sim, é um ato patriótico!

Enquanto esperamos, a CoViD-19 avança sobre os brasileiros sem encontrar resistência alguma. O Brasil acaba de ultrapassar os EUA em novos casos diários oficialmente confirmados da doença. Também já o ultrapassou em número de mortes diárias. Assim, assumimos o primeiro lugar do mundo neste "ranking" ao avesso. Veja no gráfico dinâmico como a doença faz vítimas no mundo e como o Brasil aparece no gráfico e sobe vertiginosamente no "ranking" até ultrapassar os EUA, apesar de termos uma população bem menor, de termos uma maior sub notificação e termos feito bem menor número de testes.

Continue lendo aqui:
MILITARISMO ESCORA O GOVERNO FEDERAL
(publicado em abril de 2020)


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