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quarta-feira, 25 de setembro de 2024

HISTÓRIA DO LABSOLDA-UFSC

 

Depoimento de Almir M. Quites – 25/09/2024

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Sinto agora aquela sensação inquietante, quando se precisa falar, mas não se quer.  Preciso superá-la!

Li no sítio de internet do Departamento de Engenharia Mecânica da UFSC que "o Prof. Jair Dutra foi o fundador do LABSOLDA" (Laboratório de Soldagem do Departamento de Engenharia Mecânica). Não é verdade! Trata-se de um erro que precisa ser corrigido.

Lá, na página do Departamento, está escrito literalmente o seguinte: "JAIR CARLOS DUTRA: É o fundador do Instituto de Mecatrônica-LABSOLDA em 1974 e desde então seu supervisor". Confira aqui: (https://emc.ufsc.br/portal/staff/jair-carlos-dutra/?lang=en).

Esta mesma afirmação se encontra no Curriculum Lattes do Prof. Jair. Confira aqui:

(http://lattes.cnpq.br/1570789033995989; ID Lattes: 1570789033995989).

Pergunto: a UFSC possui um "Instituto" de Mecatrônica dentro do Departamento de Engenharia Mecânica? 

Não pode ser! O Labsolda não pode ser Instituto! Os Institutos Federais de Educação possuem natureza jurídica de autarquia, detentora de autonomia administrativa, patrimonial, financeira, didático-pedagógica e disciplinar. Os Institutos são criados por Lei.

O Labsolda também não pode ser Instituto de Mecatrônica! A Mecatrônica trata dos sistemas de  controles eletromecânicos automatizados. Portanto, é uma área multidisciplinar da Engenharia. Ela é usada na soldagem como em qualquer outro ramo do conhecimento. Ela pode ser muito útil no Labsolda, assim como são a Matemática, a Metalurgia, a Química, a Estatística e muitos outros ramos do conhecimento, mas não é o objeto, não é a temática de laboratórios de soldagem!

Pergunto ainda: este “Instituto de Mecatrônica-LABSOLDA” foi fundado pelo prof. Jair Dutra, em 1974? Não pode ser! Este foi o ano em que Jair Dutra foi contratado pela UFSC. Eu próprio era o Coordenador do Labsolda nessa época. O próprio "site" do Labsolda confirma que Jair Dutra foi contratado pela UFSC em 1974 (https://labsolda.ufsc.br/sobre-o-labsolda/historico). 

Tudo isso precisa ser revisado e corrigido.

Recentemente, por acaso, eu soube que o Labsolda/UFSC comemorou, com um almoço, 50 anos de existência. Eu não fui convidado, apesar ter sido quem começou tudo! 

Cinquenta (50) anos é o tempo transcorrido desde a contratação de Jair Dutra pela UFSC. Na verdade, o Labsolda tem mais de 50 anos! O que o prof. Jair fez, foi mudar o nome do Labsolda, conforme seus interesses pessoais e isto não aconteceu em 1974, mas no final da década de 80, quando ele retornou da Alemanha (onde fizemos nossa tese de doutorado) e eu continuei lá. Até então eu próprio era o Coordenador do Labsolda.

Isto é constrangedor para todos nós. Causou uma grande decepção em mim, porque não me parece ser um simples erro, mas sim uma adulteração da História, porque o texto é o mesmo que consta do Curriculum Lattes do Prof. Jair.

Como o Labsolda faz parte de minha história pessoal, propus-me a solicitar que o Departamento de Engenharia Mecânica faça as devidas correções. A história contada no "site" do departamento não apenas contém erros, mas também está incompleta, omite o contexto histórico e a parte anterior à chegada dos modernos (na época) equipamentos doados pela Alemanha Ocidental, como se o Labsolda não existisse antes disso. No entanto, este período existiu e também foi de muito trabalho e de muitas conquistas. É o que passo a esclarecer a seguir, conforme a minha visão dos fatos.

Passemos, então, aos fatos reais da nossa História! 

As histórias do Labsolda, do Centro Tecnológico e da própria Universidade Federal de Santa Catarina estão sistemicamente ligadas. Foi uma transformação enorme na cidade de Florianópolis, com repercussão em todo Estado de Santa Catarina! Foram necessários muito empenho e sacrifícios de muita gente para que tudo isso que temos hoje se tornasse realidade.

Vamos começar contando abreviadamente a história do nascimento da Universidade de Santa Catarina e da Escola de Engenharia Industrial.

A criação da Universidade de Santa Catarina foi formalizada por ato do então presidente da República Juscelino Kubitschek ao sancionar a Lei nº 3.849, de 18 de dezembro de 1960. Em seguida, em outubro de 1961, João Davi Ferreira Lima, advogado e professor universitário, foi escolhido e nomeado o seu primeiro reitor.

Conta-se que, no ato de criação da Universidade de Santa Catarina, Ferreira Lima convenceu o Diretor de Ensino Superior do MEC, Jurandir Lodi, a acrescentar, ao lado da nominata das seis faculdades já existentes, que uma Escola de Engenharia Industrial deveria ser criada. Neste ato, Jurandir Lodi teria declarado: "Ferreira, quero que vocês façam uma grande escola e que sua fama corra de tal forma que, quando um pai no Amazonas disser que seu filho vai estudar engenharia, as circunstâncias aconselhem: mande-o para Florianópolis, porque lá está a melhor”. Não sei dizer se este episódio foi exatamente assim, mas, de fato, este era o ânimo que nos movia naquela época.

Para criar a melhor Escola de Engenharia em Florianópolis, Ferreira Lima logo firmou um convênio com a Universidade do Rio Grande do Sul (URGS).

A Escola de Engenharia Industrial (EEI) da Universidade de Santa Catarina (USC) foi formalmente criada em 1962, ainda no contexto desenvolvimentista dos chamados "Anos Dourados" e do Governo do Presidente Juscelino Kubitschek, que se caracterizou pelo Plano de Metas, o qual se concentrava no desenvolvimento de setores fundamentais como energia, estradas, transportes, indústria de base, substituição de importações, educação e interiorização do Brasil. O foco principal foi a construção de Brasília, a nova capital.

As metas eram audaciosas. O Plano de Metas tinha sido inteligentemente detalhado e muito bem executado. O Brasil se superava na indústria, nas artes, nos esportes, na educação etc. O endividamento externo era coerentemente transformado em desenvolvimento econômico e social com estabilidade política. Isto criou confiança no povo brasileiro. O subdesenvolvimento era superável e o Brasil comprovava isso!

Naquela época, a administração da nascente universidade catarinense estava fazendo algo até hoje surpreendente: selecionava os novos os professores da Escola de Engenharia Industrial (EEI) na cidade de Porto Alegre! Eles eram escolhidos entre os formandos da URGS (hoje UFRGS). Portanto, eram jovens sem qualquer experiência profissional! Eles deveriam ser capazes e bem orientados para criar uma Escola de Engenharia que superasse todos os paradigmas da universidade brasileira na área tecnológica. Jovens recém formados poderiam enfrentar e superar tal desafio? 

A primeira turma do Curso de Engenharia Mecânica iniciou o curso no dia 2 de maio de 1962, com 28 alunos aprovados no concurso vestibular. Os alunos tinham aulas, no início, nas dependências de faculdade de Direito e, logo depois, numa pequena casa de madeira, apelidada pelos estudantes de “Casa do Tarzan”, construída no terreno dos fundos da Reitoria, na rua Bocaiúva, n°60. Não havia nada mais além dos inexperientes jovens professores, selecionados em Porto Alegre, e os professores gaúchos que deveriam orientá-los. Estes vinham de Porto Alegre de 15 em 15 dias, de avião, mediante convênio de cooperação assinado com a Universidade do Rio Grande do Sul (URGS). Eles ficavam três dias em Florianópolis, a cada 15 dias, hospedados no Oscar Palace Hotel.

Os dois primeiros diretores da Escola também foram selecionados na URGS, ambos já bem experientes. O primeiro foi o Prof. Ernesto Bruno Cossi, cuja gestão foi de 05/02/1962 a 28/02/1965. O Professor Cossi um era  engenheiro civil marcadamente dedicado à matemática. Foi escolhido para administrar os dois anos básicos do curso da EEI. O segundo foi o Prof. Caspar Erich Stemmer, escolhido para administrar o curso na fase final de da implantação, com a difícil tarefa de gerir os anos mais especializados do curso de engenharia.

Em dezembro de 1964, quando a primeira turma estava no penúltimo ano do curso, eu era um jovem recém formado nos Cursos de Engenharia da Mecânica e Elétrica da URGS, no chamado regime de "curso duplo" (cursos simultâneos)! A existência da simultaneidade era uma antevisão da absoluta indissociação ente as engenharias Mecânica e Elétrica. 

Tendo sido selecionado pela UFSC, recebi uma passagem de avião para vir conhecer a cidade de Florianópolis e sua jovem Universidade. Voltei a Porto Alegre e decidi aceitar um desafio, o qual, para mim, era realmente muito grande! No início de março de 1965, ainda solteiro, mudei-me para Florianópolis e assinei contrato com a USC.

Fui designado para ser o futuro titular da "Cadeira" de Tecnologia Metalúrgica, cujas atividades se iniciariam em março de 1965. Naquela época, "Cadeira" era o nome dado a cada unidade curricular, que hoje denominamos de disciplina ou matéria. Catedrático era o responsável pela "Cadeira". Minha responsabilidade era mesmo grande e assustadora, porque, no meu curso de graduação, a Metalurgia era apenas um apêndice, um pequeno acréscimo na formação do Engenheiro Mecânico. No entanto, a Tecnologia Metalúrgica do curso da Universidade de Santa Catarina (USC) consistia de um ano com cinco horas de aula por semana, abrangendo as técnicas de Fundição (no primeiro semestre) e de Soldagem (no segundo semestre). Tive que estudar muito para aprender e preparar cada aula, além de preparar material didático para os alunos, reproduzidos em mimeógrafo a álcool. Além disso, tive que assumir também a disciplina de Sistemas e Máquinas Hidráulicas, em substituição ao professor J. J. de Espíndola, assim colaborando com a política da Escola de Engenharia Industrial que era a de mandar todos os jovens docentes para se formarem em cursos de mestrado e depois em cursos de doutorado.

Uma das primeiras providências do novo diretor, Prof. Stemmer, foi criar condições para que os jovens professores trabalhassem na Escola de Engenharia Industrial (EEI) além da duração das aulas. Era preciso que cada professor pudesse estudar, preparar material didático, atender aos alunos e também organizar laboratórios, tanto para aulas práticas como para o futuro desenvolvimento de pesquisas. Então, foi introduzido o regime de dedicação exclusiva. Nesta época, também foi implantado um regime probatório para os novos professores, o qual exigia a aprovação em uma prova de recondução que incluía conhecimentos técnicos e didáticos.

Em dezembro de 1966, dos vinte e nove (29) candidatos aprovados no vestibular de 1962, doze (12) concluíram o curso de Engenharia Mecânica, na Escola de Engenharia Industrial. Foram estes: Adalberto José Ramos Campelli, Antônio Luiz Pereira, Cesar Seara Junior, Fanor Carlos Espíndola, Fausto Moreno de Mira, Gerson Wanderley Leal, Hyppolito do Valle Pereira Filho, Ivo Raul d'Aquino Silveira, Mário Vieira Filho, Otávio Ferrari Filho, Pedro Isaú Conti e Vera Lúcia Duarte do Valle Pereira

Do quase nada havia sido criada uma Escola de Engenharia, mas era só o começo. A meta era ser a melhor Escola de Engenharia do Brasil!

O Prof. Stemmer sempre incentivou os jovens docentes da Engenharia a desenvolver seus conhecimentos através da busca de titulação acadêmica em cursos de mestrado e de doutorado. Logo que foram criados os programas de mestrado da COPPE e da PUC, em 1966, ambas no Rio de Janeiro, imediatamente dois jovens docentes da Engenharia Mecânica foram enviados para o curso de mestrado: Paulo Antônio Corsetti foi para COPPE e José João de Espíndola foi para a PUC-RJ. No ano seguinte, 1967, os jovens Arno Blass, Carlos Alfredo Clezar e Nelson Back foram para a COPPE, Raul Valentim da Silva foi para a PUC-RJ e Rodi Hickel para a Escola Nacional de Química. Em 1969, foi a minha vez (Almir M. Quites) e a do jovem Berend Snoeijer, ambos na COPPE (UFRJ). Berend, tinha se formado em 1967, na própria EEI de Florianópolis. 

O objetivo seguinte de todos estes docentes era a titulação no nível de doutorado. O professores Espíndola e Berend foram os primeiros professores da EEI a serem enviados para fazer o doutorado no exterior. O primeiro foi para a Inglaterra e o segundo para a Alemanha.

Com a Reforma universitária de 1968, o nome da Universidade de Santa Catarina (USC) passou a incluir a designação "Federal" e a sigla ganhou um F (UFSC). A antiga Escola de Engenharia Industrial mudou de nome. Passou a ser chamada de Centro Tecnológico. Neste ano, o Centro Tecnológico, já tinha o curso de Engenharia Elétrica, criado em 1966.

Com a Reforma Universitária, cada curso foi transformado num departamento, aliás contrariando as diretrizes da Reforma Universitária Nacional, que preconizava que todos os departamentos fossem matério-cêntricos (centrados em uma matéria) e não carreiro-cêntricos (centrados em um curso). Todas as disciplinas foram semestralizadas (organizadas em semestres). A Tecnologia Metalúrgica, que eu ministrava, foi dividida em duas: uma disciplina de Tecnologia da Fundição e outra de Tecnologia da Soldagem. Eu ficava muito dividido entre estas duas tecnologias! Teria que organizar dois laboratórios! Aos poucos comecei a me dedicar cada vez mais à Soldagem, a qual envolvia tanto conhecimentos de mecânica, como de eletrotécnica e de metalurgia. Foi por isso que fiz meu mestrado na COPPE na área da Metalurgia. Meu trabalho de mestrado foi totalmente experimental e teve o seguinte título:  "Deformação Plástica Termicamente Ativada de Titânio Policristalino” (Trabalho financiado pela National Aeronautics and Space Administration — NASA). Foram testadas e analisadas diferentes composições químicas de titânio brasileiro e norte-americano desde as temperaturas de 77°K (-196°C) até 1073°K (800°C).

Com o início do Mestrado em Engenharia Mecânica no próprio Centro Tecnológico da UFSC, em 1969, os demais jovens docentes deste Centro se matricularam no mestrado local. Poucos se afastaram para a pós-graduação em outras universidades brasileiras.

O Centro Tecnológico da UFSC foi o primeiro no Brasil a introduzir a Soldagem como uma disciplina autônoma no curso de Engenharia. Nosso curso, dedicava um semestre inteiro só ao estudo da Soldagem, com 4 horas de aula por semana.

O Prof. Stemmer, diretor do Centro Tecnológico, incentivava à criação de laboratórios. Estes permitiriam que aulas práticas pudessem ser ministradas regularmente nas dependências do Centro Tecnológico e proporcionariam a realização de trabalhos de pesquisa. Cada laboratório teria um nome, um coordenador e uma administração própria, empenhada em servir ao ensino, a pesquisa e a extensão (serviços à comunidade), além de buscar recursos para a evolução de seus trabalhos. Todos nós, jovens docentes, sabíamos da importância disso!

Em 1969, eu já tinha o meu mestrado. Agora precisaria começar a organizar um laboratório de soldagem. É óbvio que isto começou por meio de atividades informais. Não dá para precisar exatamente quando o Laboratório de Soldagem começou a existir, mas o primeiro evento importante foi quando recebemos a doação de equipamentos, da White Martins, em 1969. Foi quando passamos a ocupar um pequeno espaço onde hoje fica o Laboratório de Máquinas e Sistemas Hidráulicos e ali começamos a ministrar algumas aulas práticas.

Depois, já no inverno de 1970, com a ajuda de alguns estudantes, eu e o técnico Biase Faraco Neto (in memoriam), um funcionário muito prestativo e inteligente, escolhemos um canto, na sala da frente do pavilhão do Departamento de Engenharia Mecânica (EMC) e mudamos o laboratório para lá (onde está até hoje) embora, naquela época, ainda o dividíssemos com outros setores do Centro Tecnológico, com outras atividades, inclusive com o embrião de outro laboratório, o laboratório de Motores a Combustão.

Nesta ocasião, o Prof. Stemmer se encontrava fora do país, mas eu já tinha conversado com ele sobre os possíveis locais para implantar o núcleo do futuro laboratório de soldagem e também sobre o necessário apoio na compra de mais equipamentos. Deste dia em diante, começamos a chamar o local de Laboratório e intensificamos as aulas práticas.

Cerca de dois anos depois, motivados com as notícias de sucesso nas negociações do prof. Stemmer (diretor do Centro Tecnológico), com a Sociedade da Alemanha Ocidental conhecida pela sigla GTZ ("Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit") e a possibilidade de contarmos com grandes recursos para o nosso laboratório, tratamos de ampliar o espaço do nosso laboratório. Também fizemos uma reorganização do mesmo, ainda contando com o técnico Faraco e já contando com outro, o Sr. Adilto Agenor Teixeira.  Incorporamos mais área, mais ferramentas, inclusive mais equipamentos de proteção individual (EPI's), e reorganizamos o "layout",  adicionando duas escrivaninhas. Lembro-me que era um final de tarde de sexta-feira, primeiro dia de setembro

Neste dia, esperávamos mostrar o novo "layout" para o Diretor do Centro, mas, por algum motivo, não foi possível. Então, fizemos uma simples comemoração no “Bar da Nina”, que ficava ali ao lado, no mesmo pavilhão.

Pelo que me lembro, neste lento crescimento embrionário, já estávamos acostumados a chamar o nosso espaço de Labsolda. Tínhamos duas máquinas de soldagem elétrica (um transformador e um gerador de soldagem), um equipamento soldagem oxiacetilênica e um conjunto de oxicorte (ambos doados pela White Martins, já citada), além de arames de soldagem (material de adição), eletrodos, garrafas de oxigênio e de acetileno, chapas de aço, equipamentos de proteção individual e outras ferramentas. Ainda era muito pouco, mas já era útil. As aulas práticas de soldagem no próprio Centro Tecnológico já eram uma realidade. 

A nucleação e crescimento do laboratório já era real desde antes de 1969, mas, por alguma razão, esta data, primeiro de setembro de 1972, foi tacitamente tomada como a data da fundação do novo Laboratório de Soldagem da UFSC. Talvez pelas auspiciosas notícias do apoio do GTZ (da Alemanha Ocidental) que o Prof. Stemmer conseguira. Estávamos ante uma importante perspectiva de crescimento.

Nesta época, o Laboratório de Metrologia, criado pelo Professor Dr. Jaroslav Kosel, já existia, mas há pouco tempo. O antigo embrião de laboratório de soldagem já estava bem conhecido como Labsolda, um nome simples que guardava simetria com o nome de outros laboratórios, como o Labmetro (Laboratório de Metrologia), mais desenvolvido e vizinho ao nosso.

Nesta oportunidade já existiam, além do Labmetro, o Labmat (Laboratório de Materiais) e o Labmaq (Laboratório de Máquinas operatrizes). Este último foi o primeiro laboratório criado no Centro Tecnológico.

Nesta ocasião, Jair Dutra, que muitos anos depois me substituiu na coordenação do Labsolda, ainda era aluno do curso de graduação de Engenharia Mecânica e nem imaginava que trabalharia comigo na área da soldagemComo acreditar na versão que aponta este meu aluno de graduação como fundador do Labsolda?

Nos últimos meses de 1972, o Prof. Stemmer viajou novamente para a cidade de Aachen, Alemanha, onde se encontraria com seu antigo amigo, Prof. Paul Drews, da Universidade de Aachen, para tratar de um possível apoio do “Internationales Büro” (órgão do antigo "Kernforshungsanlage" - KFA, hoje denominado "Forschungszentrum Jülich") ao departamento de Engenharia Mecânica da UFSC. Uma década e um ano depois, o Prof. Paul Drews viria a ser meu orientador na minha tese de doutorado.

DE fato, os contatos do Prof. Stemmer na Alemanha foram muito bem sucedidos! Como resultado, importantes equipamentos bem modernos foram doados ao EMC pelo governo alemão: 

  1. soldagem TIG e por Eletrodo Revestido, da Oerlikon (França); 
  2. soldagem MIG/MAG, da Cloos (Alemanha); 
  3. soldagem por pontos da empresa ARO (França); e 
  4. brasagem à chama de hidrogênio, da Alexander Binzel (Alemanha)

Estes equipamentos chegaram no Labsolda em dezembro de 1973. Eles permitiram que os trabalhos de pesquisa do Labsolda alcançassem patamares mais elevados.

O professor Jair Dutra foi meu aluno no seu curso de graduação e se formou como Engenheiro Mecânico em de dezembro de 1972. Cerca de um ano depois, num encontro casual, eu o incentivei a participar do concurso para a docência na UFSC, o qual tinha sido aberto para a área da soldagem. O concurso tinha sido aprovado por insistência minha, justamente porque eu precisava de mais alguém que trabalhasse na área da soldagem junto comigo e que ajudasse na expansão e amadurecimento do laboratório! 

Na época, eu era membro do Conselho de Ensino e Pesquisa da UFSC e tive que fazer uma boa argumentação para convencer a os demais conselheiros a abrir mais uma contratação de professor, desta vez especificamente para a área da soldagem, porque o Centro Tecnológico não havia incluído esta necessidade em sua lista de novas contratações.

O prof. Jair Dutra foi contratado pela UFSC em março de 1974. Imediatamente, conforme a política do CTC, nós o encaminhamos para o curso de Mestrado do Departamento de Engenharia Mecânica (EMC). Simultaneamente o jovem professor Jair precisaria aprender o máximo possível com Eng. Egon Sigsmund, excelente técnico de soldagem do KFA ("Kernforshungsanlage" ), que com muita dedicação e paciência trabalhou no Labsolda no treinamento de pessoal para usar os equipamentos que tinham chegado da Alemanha.

Eu fui professor do prof. Jair Dutra no seu curso de Mestrado. Também fui seu orientador na elaboração da dissertação de mestrado, a qual foi aprovada em 1976. Toda a parte experimental desta dissertação foi feita no Labsolda. Esta foi a primeira dissertação de mestrado do Brasil focalizada na soldagem.

Para que os leitores de hoje entendam melhor o contexto da época, esclareço que a soldagem estava em acelerado desenvolvimento no mundo. A soldagem MAG (GMAW), surgiu na União Soviética em 1953. Foi só a partir de 1963 que as variações do processo MIG/MAG começaram a ser usadas na indústria, conferindo grande versatilidade a este processo de soldagem, principalmente para chapas finas. Estas versões (MIG e MAG) só chegaram ao Brasil em 1966 (ano em que a UFSC formou sua primeira turma de Engenharia Mecânica), apenas 10 anos antes da aprovação da dissertação de mestrado do prof. Jair Dutra.

Foi só na década de 1980 que surgiram as fontes de energia inversoras, extremamente compactas, com baixo consumo de energia e controle completo dos parâmetros de soldagem. Foi quando se passou a usar corrente pulsada no processo MIG-MAG ("pulsed spray-arc"). Foi a partir daí que o processo MIG/MAG passou a ser o mais popular, utilizado intensamente nas indústrias do mundo, inclusive no Brasil, tanto para grandes como para pequenas produções, especialmente devido à sua versatilidade.

A Soldagem a “laser” (LBW), só foi inventada em 1970 e chegou ao Brasil em 1976.

Foi somente no final da década de 70 que os primeiros robôs foram utilizados em operações de soldagem, exigindo a automação dos processos. Minha tese de doutorado foi na área da automação adaptativa da soldagem MIG-MAG.

A Associação Brasileira de Soldagem (ABS) foi criada em 1979; a Fundação Brasileira de Tecnologia da Soldagem (FBTS) foi criada em 1982.

Hoje sabemos que, naquela época, estava em curso uma revolução tecnológica, que desenvolvia novos processos, aprimorava os existentes, incluía novos controles eletrônicos e desenvolvia a automação adaptativa.

O Labsolda foi o primeiro laboratório de soldagem da universidade brasileira. Talvez seja o mais antigo do Brasil.

Nunca tratei o professor Jair Dutra como meu subalterno, mas como colega e amigo.

Em 1975, fomos juntos a um Congresso no Rio de Janeiro. Ao apresentar nosso trabalho aos participantes, referi-me ao LABSOLDA como "um laboratório bebê que será muito importante quando crescer". Esta afirmação despertou risos de simpatia e foi muito comentada pelos participantes.

O trabalho que apresentei neste conclave foi o seguinte: Influência das Variáveis do Processo de Soldagem MIG Sobre as Características da Solda. I Congresso Latino-Americano e II Encontro Nacional da Tecnologia da Soldagem, 1975, Rio de Janeiro - Evento da Associação Brasileira de Soldagem.

Em 1976, fomos juntos num outro Congresso, também no Rio de Janeiro. Apresentei lá nosso trabalho intitulado: Influência dos Gases de Proteção nas Características do Processo de Soldagem a Arco. II Encontro Nacional da Tecnologia da Soldagem, 1976, Rio de Janeiro-RJ - Evento da Associação Brasileira de Soldagem.

Neste evento, propus ao plenário que o II Congresso Latino Americano, previsto para ser feito no Brasil, fosse realizado em Santa Catarina, pela UFSC. Antes de fazer esta proposta telefonei para o professor Stemmer, Diretor do Centro Tecnológico, que me autorizou a fazê-la. Eu me propunha a ser o coordenador do evento. No congresso, como haviam mais propostas colocadas, a decisão foi por votação. A minha foi aprovada pela grande maioria do plenário.

No ano seguinte, com muito trabalho de nossa parte, eu e o professor Jair, quase sem ajuda, realizamos com grande sucesso o II Congresso Latino Americano de soldagem, o qual foi realizado no Município de Itapema, no Hotel Plaza de Santa Catarina! Houve inclusive uma grande exposição de equipamentos produzidos pelas empresas. Até colocamos ônibus à disposição dos congressistas para viajarem ao sul, à Florianópolis, para visitarem o Departamento de Mecânica e o Labsolda, e ao norte, para também conhecerem Camboriú.

Tudo isso foi feito com recursos da OEA, que consegui com a intermediação do Prof. Cabral, da Metalurgia da COPPE, da UFRJ.

Neste Congresso, eu e meu colega Jair Carlos Dutra apresentamos os seguintes trabalhos:

1) Distribuição do Calor pelo Material Base em Soldagem a Arco Voltaico com Proteção Gasosa em Função dos Parâmetros de Soldagem. II Congresso Latino-Americano e III Encontro Nacional da Tecnologia da Soldagem, 1977, Itapema-SC.

2) Contribuição ao Estudo do Comportamento do Arco Voltaico Aplicado à Soldagem TIG e MIG/MAG Pulsativo. II Congresso Latino-Americano e III Encontro Nacional da Tecnologia da Soldagem, 1977, Itapema-SC.

Em 1979, eu e meu colega Jair, publicamos o livro: Tecnologia da Soldagem a Arco Voltaico, 248 páginas, Florianópolis, Editora Edeme. A publicação deste livro foi financiada pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN).

Em 1980, viajamos juntos para a cidade de Aachen, Alemanha. Fomos conhecer a cidade e a universidade onde nós dois faríamos o nosso trabalho doutorado. Ficamos muito bem impressionados com a Alemanha e com a cidade de Aachen. Na volta desta viagem, começamos a estudar alemão. Além disso eu tinha que ministrar as aulas de soldagem, coordenar os trabalhos do Labsolda e fazer um determinado número de disciplinas do nosso próprio curso de doutorado na UFSC.

Nesta época, o Labsolda passou a oferecer um curso de Tecnologia da Soldagem no nível de especialização, financeiramente apoiado pela CNEN. Estes cursos, nos anos de 1980, 1981 e 1982, atraíram profissionais de grandes empresas de todo o Brasil, especialmente das áreas da exploração de petróleo e das centrais nucleares. As empresas mandavam seus engenheiros passarem 6 meses estudando conosco! Nesta época também tivemos apoio financeiro da CNEN para o desenvolvimento dos primeiros protótipos de fontes de energia de soldagem no Labsolda.

Eu administrava estes cursos. No primeiro ano contei com a prestimosa ajuda do Prof. Jair Dutra, até a sua viagem para a Alemanha, onde iniciaria a sua tese de doutorado. Eu permaneci na UFSC, assoberbado de trabalho. Além da atividade docente nos cursos regulares da universidade, eu coordenava o Curso de Especialização em Soldagem e o próprio Labsolda.

O colega Jair Dutra foi para a Alemanha em 1981 e eu fui dois anos depois, em 1983. Jair Dutra regressou ao Brasil em 1984.

Quando voltei da Alemanha, estava fugindo da radioatividade liberada pelo catastrófico acidente nuclear ocorrido em 26 de abril de 1986, no reator nuclear nº 4 da Usina Nuclear de Chernobyl, perto da cidade de Pripiate, no norte da Ucrânia Soviética. A radioatividade tinha chegado a Aachen, que estava a mais de 2000 Km do acidente. Voltei ao Brasil! Até os alimentos que comprávamos nos supermercados de Aachen estavam contaminados. Os jornais publicavam diariamente os níveis de radiação de os institutos especializados mediam.

O Instituto de Soldagem de Aachen, além de me permitir regressar antecipadamente ao Brasil,  doou-me  um computador novo e de última geração para que eu pudesse terminar meu trabalho de tese em Florianópolis, porque, naquela época, no Brasil, só havia computadores Itautec, de péssima qualidade. Estes computadores brasileiros não eram capazes de ler meus dados experimentais gravados em disquete pelos computadores que usei em Aachen. 

Ao chegar ao Brasil, informal e tacitamente aceitei que o Prof. Jair Dutra continuasse na coordenação do Labsolda, que ele havia assumido quando regressou a Alemanha, antes de mim. Eu estava muito preocupado com o trabalho necessário para concluir minha tese em Florianópolis.

Tudo deu certo! Nossas teses, a minha e a do meu colega Jair, foram aprovadas ainda em 1986.

Em 1992, completei 30 anos de serviço. Então, decidi me aposentar. 

Espero que os leitores possam ter entendido melhor tudo o que aconteceu desde a criação da UFSC até a criação do Labsolda e seu desenvolvimento.

O professor Jair Dutra foi uma grande personagem desta história, todos reconhecem, mas certamente não foi o único a tecer a história do nosso LABSOLDA e não foi ele o seu fundador. Espero ter comprovado este fato.

O Labsolda já existia antes do advento destes convênios de cooperação internacionais! Fui coordenador do Labsolda durante 12 anos, de 1971 até 1983! A partir daí, com um ano de interregno, o Professor Jair Carlos Dutra assumiu a efetiva coordenação. 

É óbvio que ele ficou na referida coordenação muito mais tempo do que eu. Também é obvio que o laboratório cresceu muito mais neste período, que hoje tem muito mais pessoal trabalhando lá e que conta com muito mais recursos.  

Depois da minha aposentadoria, aos poucos perdi todo o contato com o Labsolda, mas continuei trabalhando com soldagem.  

Eu fui consultor de soldagem da Petrobrás e de muitas de suas empresas satélites por muitos anos, mesmo depois da minha aposentadoria, já que, quando me aposentei, criei a empresa de consultoria chamada de Soldasoft. A Soldasoft manteve um curso de soldagem "on line" (com 250 alunos simultaneamente) até ser formalmente encerrada, em 2015.

Publiquei muitos outros trabalhos de soldagem depois de minha aposentadoria, como estes: 

  • Em 1995: Farias J. P., Quites A. M., Surian E. S.: The Effect of Coating Mg Content on the Arc Stability of SMAW E7016-C2L/8016-C2 Manual Electrode. 76th AWS Annual Convention and The 1995 AWS International Welding and Fabricating Exposition. Cleveland, Ohio, USA. April, 1995Este trabalho foi posterormente publicado no periódico internacional Welding Journal, 76(6): pg 245 - 250. June 1997 
  • Em 2002 publiquei o livro Introdução a Soldagem a Arco Voltaico. Em 2013, depois de 3500 exemplares vendidos, publiquei a segunda edição revisada, ampliada e com prefácio do Prof. Stephen Liu (Golden, Colorado, USA, 2013).
  • Em 2008, publiquei o livro Metalurgia da Soldagem dos Aços (ISBN 8589445054, 9788589445054), editora Soldasoft.

Também ministrei cursos em diversas empresas do Brasil e em diferentes países da América do Sul.

Minhas atividades na UFSC não se restringiram ao ensino de disciplinas e ao Labsolda. Ao longo de minha carreira como docente da UFSC, tive muitas outras responsabilidades, como as seguintes:

  • 1 - Idealizador e primeiro titular da Coordenadoria Técnica de Ensino da Pró-Reitoria de Ensino e Pesquisa.
  • 2 - Coordenador Geral de Pós-Graduação da UFSC, em 1972.
  • 3 - Assessor da CAPES, do CNPq e do MEC, de 1972 a 1980.
  • 4 - Vice Chefe do EMC (Departamento de Engenharia Mecânica da UFSC).
  • 5 - Membro do Conselho de Ensino e Pesquisa da UFSC por três mandatos.
  • 6 - Membro do Conselho Universitário da UFSC, por dois mandatos, eleito como representante dos professores do Centro Tecnológico (CTC/UFSC).
  • 7 - Membro do Colegiado de Curso de Engenharia Mecânica por dois mandatos.
  • 8 - Membro do Conselho Departamental por seis mandatos (uma vez como representante dos professores titulares do CTC e as demais por representar o Centro Tecnológico no Conselho Universitário ou no Conselho de Ensino e Pesquisa).

 Depois de estar aposentado pela UFSC, fui membro do Comitê de Pares da Área de Ciências Básicas e Engenharia do "Fondo para el Mejoramiento de la Calidad Universitaria do Ministerio de Cultura y Educación de Argentina" de 2000 a 2002.

Toda a minha vida profissional foi envolvida pelo trabalho na UFSC, especialmente no Centro Tecnológico. 

A UFSC conta hoje (2024) com 5 campus universitários (em Florianópolis, Araranguá, Blumenau, Curitibanos e Joinville), com 82 cursos, mais de 35.000 estudantes, mais de 2.000 docentes e uma biblioteca com aproximadamente 600.000 publicações. 

O Centro Tecnológico do Campus de Florianópolis é hoje formado por 10 departamentos, oferecendo 104 cursos de graduação presencial e 5 em EaD, 14 programas de mestrado e 12 programas de doutorado, cerca de 400 professores e 110 técnicos administrativos, cerca de 6500 alunos de graduação e 2300 alunos de pós-graduação.

A universidade Federal de Santa Catarina surgiu de um quase nada dotado de uma força de vontade monumental. De um quase nada denso de perseverança e dedicação, fez-se também o seu Centro Tecnológico, com jovens docentes inexperientes que estudaram e trabalharam incansavelmente! 

Esta história foi bonita demais para ser irresponsavelmente adulterada. 

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quarta-feira, 24 de abril de 2024

A grande conspiração contra a Lava-Jato

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The Intercept x Lava-Jato
Gleen Greenwald 
x Sérgio Moro

Esclarecimento: este artigo foi publicado em 16/10/2022. Ficou inacessível por muitos anos,  provavelmente censurado. É óbvio que não temos democracia no Brasil! Agora decidi publicá-lo novamente. Leia ⬇️ !

Nota inicial: neste texto aparecem as fontes das informações entre colchetes, assim: [fonte]
.  

Você sabe quem são Edward Joseph Snowden e Glenn Greenwald? Você conhece toda a história que envolve estes personagens e a empresa que divulgou o material denunciando a Lava-Jato do Brasil?

Se não conhece, leia este resumo, a seguir.

domingo, 25 de fevereiro de 2024

ANEL DE FOGO DA POLÍTICA

Por Almir M. Quites          Para compartilhar, toque aqui


Notas: 

  1. Este artigo foi publicado em meu blog em 28/janeiro/2019. mas inexplicavelmente desapareceu de lá. Então estou republicando hoje. 
  2. A imagem abaixo é de minha autoria. Respeite os direitos autorais. 

Do centro para baixo, pela direita:
Liberal > Conservador > Direita Radical
Do centro para baixo, pela esquerda:
Socialista > Progressista > Esquerda radical
Em baixo:
Ultra Radical

➡️ É PULANDO A FOGUEIRA, PARA LÁ E PARA CÁ, QUE SE CAI NO FOGO

Desde 1990, em meus debates com colegas, professores da UFSC (na "lista de e-mails"), tenho argumentado que a análise política que temos diariamente é muito simplória, porque se baseia no "nós contra eles" ou "direita x esquerda".

Tenho afirmado que um debate assim é próprio da idade da pedra lascada (paleolítico). É uma concepção bipolar: nós aqui, embolados, na pedra da cá, contra eles lá, embolados, na pedra de lá. É a direita e a esquerda como halteres de pedra. É o meu bando contra o bando deles! As pessoas do bando oposto perdem a sua humanidade e passam a ser consideradas como maldosos predadores não-humanos.

Trata-se de uma visão preconceituosa, maniqueísta, a qual divide, os cidadãos em poderes opostos e incompatíveis. O objetivo de cada bando é aniquilar o outro!

Um avanço consiste simplesmente em sermos capazes de conceber uma gradação entre os extremos. Então, a ideia de bando monolítico se desfaria e já se poderia ter uma visão mais evoluída do mundo político. Não seria mais uma concepção da idade da pedra lascada, mas talvez da idade da pedra polida (neolítico). 

Com esta gradação, chega-se a uma concepção linear, unidimensional. É uma direção e dois sentidos: daqui para lá e de lá para cá. Todos os pontos intermediários, entre os extremos, são reconhecidos como válidos. Uma mesma pessoa pode evoluir com o tempo mais para a direita ou mais para a esquerda. Tem-se assim, um modelo menos preconceituoso e mais próximo da real natureza humana.

Ainda assim, a concepção política continuaria precária, porque a realidade não é unidimensional, mas multidimensional. 

A matemática lida com fenômenos tão complexos quanto a política, fenômenos multidimensionais (de numerosas dimensões), mas a matemática não é aplicável à política, porque, nesta, as variáveis não são definidas de modo que possam ser quantificadas, medidas, correlacionadas em funções estabelecidas e testadas. A política que temos não aceita o rigor da lógica, só aceita modelos vagos e ingênuos, porque nela imperañ o interesse pessoal. A fé e a versão se desenvolvem melhor nas indefinições e nas imprecisões. Elas valem mais que os fatos reais. É por isto que, em muitos países, o campo político continua sendo imaginado como halteres de pedra lascada, ou seja, "nós contra eles".

Infelizmente, em pleno século XXI, o modelo do espectro político mais evoluído e em uso ainda é o do segmento de reta que vai da esquerda à direta. Que fazer? 

Fiquemos, então, neste nível, mas vamos, pelo menos, considerar todas as gradações da extrema esquerda até o centro do segmento e deste até a extrema direita. 

Vamos nos ater a este modelo e tratar não apenas de situar pessoas neste espectro, mas partidos e especialmente governos. 

Direita e esquerda são formadas por um mesmo fenômeno  divisionista chamado de radicalização, caracterizado pela intolerância. Quando se forma uma pitadinha de direita é por segregação, isto é, forma-se uma igual pitadinha de esquerda, e vice-versa. Direita e esquerda se retroalimentam. São duas faces da mesma moeda. Quando uma cresce a outra também cresce. Enquanto uma existir existirá a outra. Se uma vencer a outra, será pela imposição da força. Então, instala-se uma ditadura. Seja de esquerda ou de direita, os militares que a sustentam serão os mesmos. Não há  outra Força num país capaz de dar um golpe e sustentá-lo que não seja a Força Militar regular. Esta não tem ideologia, tem armas e tem efetivos. 

O que muda do centro aos extremos do segmento político? Respondo: o que muda é a intensidade do radicalismo. 

O que acontece com uma sociedade quando o radicalismo aumenta? 

Numa sociedade evoluída o radicalismo não existe. Quando surge, como uma mínima forca motriz de separação entre direita e esquerda o radicalismo traz consigo a intolerância. Qualquer pequeno bando de esquerda que se forme, faz-se por segregação, portanto gerando um igual pequeno bando de direita e vice-versa. Esquerda e direita são duas faces da mesma moeda. Quando uma cresce a outra cresce junto. A radicalização de uma é a radicalização da outra. Quando a radicalização aumenta, cresce junto a intolerância, o autoritarismo, a violência e a corrupção. Ambas, esquerda e direita, só veem defeitos no outro lado. Quem não pertence a nenhum dos dois bandos é considerado inimigo por ambos os lados e, por isso, acaba sendo forçado a se calar, ainda que todos jurem que estão numa democracia. 

Quanto maior a radicalização, mais iguais esquerda e direita se tornam

Numa democracia, nenhum dos bandos vence definitivamente o outro, só se alternam no poder. Se um dominar o outro pela força, então chegamos à Ditadura, o inferno do ultra radicalismo.

Quando se chega ao ultra radicalismo, esquerda e direita são iguais. É a ditadura militar. Os militares são os mesmos, tanto no Golpe de direita quanto no de esquerda. A ditadura de esquerda da Venezuela é igual, em comportamento, que a ditadura fascista ou nazista (de direita). A ditadura de esquerda da Coréia do Norte ou a de Mao na China também é igual a ditadura nazista ou fascista. 

Quanto mais radicalismo mais perto estamos de uma ditadura.

A única forma de evitar este desfecho é cuidar, com dedicação e inteligência, para que o radicalismo se reduza. 

Bem no centro, o radicalismo é nulo. Quando se passa do centro para os extremos o radicalismo se intensifica e, com isso, vem o aumento da incompreensão, da intolerância, da violência e da inclemência. Do centro para os extremos, cada vez mais a sociedade se compreende como dois bandos que competem, nós x eles! Em outras palavras, a sociedade regride, a intolerância aumenta, cresce o militarismo, a marginalização e a alienação. A sociedade se torna aristocrática e os governos se tornam autocráticos. 

A partir do centro, indo para a direita ou para a esquerda, chega-se ao ultra radicalismo, o império da militarização e da propaganda de guerra, criadora de mitos e outras fantasias. 

Indo-se sempre para a direita ou sempre para a esquerda, chega-se no mesmo inferno.

Nos dois extremos encontra-se no inferno incandescente das ditaduras militares. O ultra radicalismo da esquerda tem a mesma forma e o mesmo comportamento que o ultra radicalismo da direita!

Logo, o que temos não é um segmento de reta que vá da esquerda à direta!  O que, de fato, temos é um ciclo que se fecha. O que chamamos de centro, em política, na verdade é o polo superior e o que chamamos de ultra radicalismo é o polo inferior. É um anel de blocos de comportamentos políticos.

Este anel de blocos políticos tem uma dinâmica muito peculiar.

Quando os cidadãos de um país democrático elegem um governo que não seja de centro, mas de direita ou de esquerda, automaticamente dividem os cidadãos. Ao formar um pequeno bando mais radical à esquerda, dá poder a um radicalismo cuja energia de reação nucleia um bando simétrico à direita, e vice-versa. Assim, abre-se uma fenda, uma fronteira, fronteira entre esquerda, centro e direita. Em sucessivas eleições, esta fenda pode aumentar, reduzindo o bloco do centro; ou pode se reduzir, aumentando o bloco do centro, às custas dos bandos da esquerda e da direita. À medida que a radicalização aumenta, a fenda se alarga, os bandos da direita e da esquerda crescem e o centro diminui. 

Com o aumento da radicalização, a democracia perde estabilidade. É quando o centro já não tem massa suficiente para estabilizar a democracia e o fosso do ultra radicalismo está muito grande. Daí, em diante, cada eleição nacional só aumenta a radicalização. A passagem de um governo de esquerda para outro de direita, ou vice-versa, só pode ser feita pelo polo inferior, pulando por cima do inferno incandescente da ultra radicalização, sem cair nas garras de uma ditadura militar. Mas é só uma questão de tempo, mais cedo ou mais tarde a nação radicalizada cai no fosso incandescente da ditadura militar. 

Quando isto acontece, instala-se a ditadura, um governo regido por um ou mais militares ou por pessoa por eles indicada; extinguem-se os partidos e criam-se partidos falsos, apenas para simular eleições livres; extinguem-se os parlamentos ou nomeiam-se parlamentares falsos, apenas para simular uma democracia; extinguem-se as eleições ou fazem eleições falsas para simular uma democracia. Na verdade, não há participação popular no processo decisório da nação, ou essa participação é farsa ou é mantida muito restrita. Então, começa uma luta sofrida de um povo para se livrar da ditadura. Pode levar décadas ou séculos para que ditadura se desgaste internamente, apodreça, a ponto de não poder se reorganizar, mesmo dispondo de todos os poderes de uma sociedade escravizada. 

Uma nação que cai nesta desgraça pode não se recuperar sem um processo de reinstitucionalização do país, possibilitada por ajuda externa de outros países ou por um processo interno de desmoralização do governo (como a desobediência civil). De qualquer forma, serão muitos anos de sofrimento do povo.

O que mostra a História do Brasil sobre nossa trajetória política? 

A seguir veja um resumo das idas e vindas do Brasil sobre o anel de fogo do espectro político ao longo de sua história. 

Logo após a independência, foi necessário reorganizar o Brasil.  Uma Assembleia Constituinte foi instalada em maio de 1823. Porém, antes que a nova Constituição fosse aprovada, as tropas do exército cercaram o prédio da Assembleia, e, por ordens do Imperador, a mesma foi dissolvida. Logo, onde estávamos, no nosso gráfico? Estávamos ardendo no fundo do poço incandescente! A nossa primeira Constituição não foi fruto de uma Assembleia Constituinte livremente eleita, foi outorgada pelo poderoso Imperador Dom Pedro I, em 1824. Ela previa um falso Poder Moderador, exercido pelo Imperador, pelo qual, o imperador poderia fiscalizar os outros três poderes.

Dom Pedro I renunciou ao trono em benefício de seu filho e foi para Portugal.

 Dom Pedro II, ainda uma criança, foi educado para ser Imperador. 

Foi no período do Imperador D. Pedro II que o Brasil teve estabilidade e pode se desenvolver como uma democracia monárquica.

Havia um profundo temor nos políticos brasileiros, compartilhado por parte dos diversos grupos sociais quanto à possibilidade de o Brasil sofrer o mesmo destino das colônias hispano-americanas, ou seja: caos político, social e econômico, desmembramento territorial, golpes de Estado, ditaduras e caudilhos. A monarquia parlamentarista brasileira cumpriu seu papel de evitar a radicalização nacional, permitir a liberdade e a livre reorganização do país, garantir a estabilidade, conforme o liberalismo em voga.

Somente com uma entidade neutra, completamente independente de partidos, grupos ou ideologias opostas, seria possível alcançar tal fim. E nisso, houve "sempre um poderoso elemento ideológico remanescente da independência como fruto de uma grande união nacional acima dos diversos interesses particulares". A monarquia brasileira assegurou ao Brasil a integridade territorial do antigo domínio lusitano num clima de ordem e de paz. 

O Brasil caiu no fosso incandescente da ditadura militar quando o Imperador Pedro II foi deposto por um golpe militar em 15 de novembro de 1988. Os militares assumiram o governo e declararam que o Brasil passara a ser um República. Assumiu o governo o generalíssimo Deodoro da Fonseca. Somente em 1891, foi promulgada a primeira constituição brasileira dita republicana e o próprio Deodoro foi "eleito" presidente em sufrágio indireto. Seu governo foi marcado por frequentes crises que acabaram por dividir os próprios militares. Isto abalou a sociedade civil e parte dos militares, o que levou à dissolução do Congresso Nacional e à renúncia do Presidente em novembro de 1891. Então, o vice-presidente que também era militar, assumiu o governo. Foi o Marechal Floriano Vieira Peixoto , cujo governo abrange a maior parte do período da história brasileira conhecido como República da Espada. Seu governo foi marcado por um intenso clima de rebeliões militares e diversos conflitos entre o Exército e a Marinha, além de crises da Revolução Federalista. Queria depor o governador gaúcho Júlio de Castilhos. Floriano Peixoto debelou estes conflitos violentamente, consolidando-se no poder, o que lhe fez ganhar a alcunha de "Marechal de Ferro". O culto à sua personalidade, denominado florianismo, que deu origem ao atual nome da cidade de Florianópolis, foi o primeiro fenômeno político a caracterizar a chegada do "populismo" ao Brasil. Seu governo terminou em profunda crise que levou a formação de uma assembleia constituinte e a um grande acordo politico.

Prudente José de Moraes Barros foi senador e foi também presidente da Assembleia Nacional Constituinte de 1891. A Constituinte serviu para elegê-lo primeiro presidente civil do Brasil com cerca de 85% dos votos em eleição direta. Prudente de Moraes representava a ascensão da oligarquia da cafeicultora.

Então, seguiu-se uma sequência de governos civis: 

  • 1894-1898: Prudente de Morais - que conseguiu a paz no RGS; e enfrentou a Campanha de Canudos, entre 1896 e 1897;
  • 1898-1902: Campos Sales; 
  • 1902-1906: Rodrigues Alves; 
  • 1906-1909: Afonso Pena;
  • 1909-1910: Nilo Peçanha; 

Então, mais um militar. Desta vez eleito regularmente numa eleição na qual derrotou a Rui Barbosa. O militar eleito foi...

1910-1914: Marechal Hermes da Fonseca (Sobrinho do marechal Deodoro da Fonseca, 1º presidente do Brasil).

Depois tivemos mais um período longo de governos civis, mas a radicalização, mais uma vez, crescia.

1914-1918: Wenceslau Brás - o Brasil teve um crescimento industrial imediato para suprir a demanda de produtos que não podiam mais ser importados da Europa. Brás promulgou o primeiro Código Civil brasileiro, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1916. 

Devido às dificuldades para importar produtos manufaturados da Europa durante o seu mandato, causadas pela Primeira Guerra Mundial, Brás incentivou a industrialização. 

1918-1919: Delfim Moreira 

1919-1922: Epitácio Pessoa 

1922-1926: Arthur Bernardes - aqui a radicalização recomeçou a subir.  Arthur sofreu com uma estratégia desonesta de seus adversários. Durante a campanha para presidente, em 1922, foram divulgadas cartas falsas atribuídas a Arthur Bernardes que insultavam os militares. Depois de sua posse, em 15 de novembro de 1922, rebelaram-se a Escola Militar, o Forte de Copacabana e a Guarnição de Mato Grosso, na chamada Revolta dos Tenentes. Bernardes ordenou, então, o fechamento dos sindicatos e dos jornais de esquerda. Reformou a Constituição, em 1926, com o objetivo de restringir a exploração de recursos do subsolo. 

Assim, o Brasil voltava a cair no fosso incandescente da ditadura militar. 

1926-1930: Washington Luís - Fluminense, advogado, suspendeu o estado de sítio, estimulou a expansão rodoviária, aumentou a reserva de ouro, remodelou a área urbana do Rio de Janeiro (então a capital federal) e desenvolveu uma política de valorização do café. Na época da sucessão, a Aliança Liberal reuniu as oposições em torno da candidatura de Getúlio Vargas contra Júlio Prestes, candidato oficial de Washington Luís.

Ao perder as eleições, os rio-grandenses se rebelaram, em 3 de outubro, sob o comando do tenente-coronel Pedro Aurélio de Góes Monteiro, que marchou para São Paulo. As Forças Armadas depuseram o presidente da República na chamada Revolução Liberal, em 24 de outubro de 1930. Formaram, então, uma Junta Militar com os generais Augusto Tasso Fragoso, João de Deus Menna Barreto e o contra-almirante José Isaías de Noronha. Terminava aí a República Velha. 

A Revolução de 1930 marcou o fim da chamada República Velha, iniciando-se a Era Vargas (1930-1945). 

Os primeiros anos da Era Vargas foram marcados pelo clima de tensão entre as oligarquias e os militares – principalmente no estado de São Paulo – o que provocou a Revolução Constitucionalista de 1932. Getúlio Vargas foi um populista de direita, mas também cultuado pela esquerda. Em 1935, a Aliança Nacional Libertadora (ANL) promoveu uma tentativa de golpe contra o governo Getúlio Vargas – a "Intentona Comunista". Getúlio aproveitou o episódio para declarar estado de sítio e ampliar seus poderes políticos. Nessa época, Getúlio adotou um discurso nacionalista e começou a articular um movimento pela sua permanência no cargo. Logo, intensificou o seu populismo e tratou de copiar os métodos da direita fascista de Benito Moussolini (Itália) e Adolf Hitler (Alemanha). O Brasil se radicalizava pela direita.

Mas em 1945, o Exército derrubou o presidente. Após a queda de Getúlio, o general Eurico Gaspar Dutra foi eleito presidente. Uma Assembléia Constituinte criou a quinta Constituição brasileira, que estabeleceu os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Este novo período Getulista ficou conhecido como República Populista (1945-1964).

Enquanto isso, a oposição também radicalizava. Em 23 de agosto de 1954, Getúlio já está envolvido em escândalos de grande repercussão, que vão de corrupção á tentativa de assassinato de seu opositor Carlos Lacerda e a morte de um militar da aeronáutica que estava com ele. Os comandos militares passaram a exigir publicamente a renúncia de Vargas. Na manhã de 24 de agosto, Vargas cometeu suicídio.

Juscelino Kubitschek assumiu a presidência em janeiro de 1955 com a promessa de realizar “cinquenta anos em cinco” e o Brasil teve um mandato de calma e progresso. Foi o período hoje conhecido como "Anos Dourados", quando o Brasil teve grande desenvolvimento e todos os setores, da arte, passando pelos esportes, até aos setores econômicos e industrial. 

Depois de Juscelino, Jânio Quadros foi eleito representando a esquerda, mas renunciou ao mandato no ano seguinte. O confronto entre esquerda e direita já estava muito quente e ambos os lados se alternavam.

Em 1962, a direita tentou um golpe militar, com grande movimentação de tropas, mas o Exército se dividiu. O Terceiro Exército apoiou a resistência de Leonel Brizola. O sul do país resistiu ao golpe e houve um acordo entre as partes. João Goulart (da esquerda ) assumiu o Governo, mas aceitou a implantação de um regime parlamentarista, na verdade um tosco parlamentarismo, feito para não durar. Então, o Brasil voltou ao inferno de uma ditadura. Foi a Ditadura Militar (1964-1985).

Com a radicalização crescente entre Direita e Esquerda a crise política se agravou. Em março de 1964, o Golpe Militar, que falhara em 1962, foi aplicado. No dia 9 de abril, foi decretado o Ato Institucional N° 1 (AI-1), que cassou mandatos políticos e tirou a estabilidade de funcionários públicos. Na verdade, não era um ato institucional, mas um ato revolucionário.

O marechal Humberto de Alencar Castello Branco foi empossado como presidente. Em seu governo, foram promulgados outros "Atos Institucionais", que suspenderam os direitos políticos dos cidadãos.

A Ditadura Militar (1964-1985) foi um governo ultrarradical. Depois de um longo período de extrema repressão política e muita propaganda oficial, os brasileiros começaram a reagir. Quando a ditadura terminou, o Brasil estava endividado e institucionalmente desarrumado. Foi preciso que uma Assembleia Constituinte reorganizasse o país. A Direita ficou associada aos movimentos que visam apenas defender interesses de grupos específicos e que se utiliza de métodos truculentos.

Entrou-se assim na chamada Nova República (1985), período que se caracteriza por sucessivos governos social socialistas progressistas, pela democratização da política, pela promulgação de uma nova Constituição e pela difícil luta contra a inflação galopante, finalmente vencida, nos governos de Itamar Franco e de Fernando Henrique Cardoso (FHC), com a implantação do Plano Real, que finalmente estabilizou a economia. Neste período, a Esquerda brasileira começou a se alinhar cada vez mais com os movimentos socialistas e mesmo comunistas e anarquistas, criando uma identidade que permanece até os dias atuais.

Depois da estabilização econômica, consolidada no governo de FHC, Luis Inácio Lula da Silva, foi eleito Presidente da República. Passamos então a um governo de esquerda e uma radicalização pela extrema esquerda.

Os brasileiros, ao longo de muitas décadas, têm pulado de um lado para o outro, passando da esquerda radical para a direita radical. Entre eles está o fosso incandescente do centro ultrarradical.

No momento temos um governo de ultra direita. Então, a próxima alternância será para a ultra esquerda. O grande risco é cairmos no fosso do ultra radicalismo, onde esquerda e direita se confundem no amálgama incandescente de uma ditadura.

Para entender melhor, leia aqui:

👉 CARACTERIZAÇÃO DO GOVERNO DE JAIR BOLSONARO  https://almirquites.blogspot.com/2019/09/caracterizacao-do-governo-de-jair.html

Você pode discordar do texto indicado, mas se não apresentar os seus argumentos, então sua discordância será inútil!

Enquanto o povo continuar pulando da esquerda para a direita, mas sempre na parte inferior deste gráfico, estaremos maltratando o nosso país e todo o seu povo!

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quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Antissemitismo e ataque do grupo Hamas contra o Estado de Israel

 Por Almir M. Quites          Para compartilhar, toque aqui


Caros leitores e leitoras!

Neste texto, você encontrará considerações que explicam as razões do conflito entre o grupo terrorista Hamás, sediado na Faixa de Gaza, e o Estado de Israel.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Quem foi Jesus e o que foi feito do cristianismo

Por Almir M. Quites     Para compartilhar, toque aqui

Não concordo com uma só de suas palavras, mas defenderei até a morte seu direito de proferi-las”. Frase de Voltaire (1694-1778), filósofo iluminista francês. 

Depois desta frase lapidar, você, leitor ou leitora, sentir-se-á bem a vontade para concordar ou discordar do texto abaixo e, se quiser expressar sua opinião, também o fará com civilidade, respeitando as opiniões contrárias às suas. 

BBC - https://www.gettyimages.com.br/


Introdução

Não sei explicar o motivo, mas, de repente, achei interessante fazer um texto sobre Jesus, não o Jesus do qual as religiões falam, não o “Jesus da fé” que a igreja cristã primitiva criou, mas o Jesus real, chamado pelos pesquisadores de Jesus Histórico. Em outras palavras, a seguir, fixo-me no homem comum, nas circunstâncias históricas em que ele viveu e, nas quais, transformou-se em mito religioso.

Não usarei aqui informações da Bíblia, devido a dificuldade de "separar o joio do trigo" (joio significa algo daninho, que causa dano). 

Na verdade, muitas das mensagens atribuídas a Jesus foram acrescidas aos Evangelhos muito tempo depois do seu falecimento. Um exemplo disso é a passagem “da mulher pega em adultério” que, pela lei da época, deveria ser apedrejada [João 08: 03-11], mas que teria sido salva por Jesus quando gritou: "Se algum de vocês estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar pedra". Essa passagem está em todas as bíblias atuais, mas ela foi inserida na Bíblia na Idade Média (período entre os anos 476 e 1453), logo cerca de 1000 anos depois da morte de Jesus. O Novo Testamento, o mais antigo, conhecido como Codex Sinaiticus ou Bíblia do Sinai, manuscrito escrito no século IV em letras unciais em pergaminho, nada diz sobre essa passagem. O mesmo ocorreu com outras frases atribuídas a Jesus. 

Nota: Uncial é uma grafia particular dos alfabetos latino e grego, utilizada a partir do século III ao século VIII nos manuscritos.

No primeiro século depois do nascimento de Cristo, havia na Palestina (na época chamada de Canaã) diversos personagens intitulados “messias” ou milagreiros. Jesus foi um deles. 

A escassez de comprovantes históricos de sua vida é um indício de que ele foi uma pessoa muito mais presente no mundo mitológico do que no mundo real. Justamente por ser um mito, cultivado por instituições poderosas, hoje é muito difícil separar o que é lenda do que é real. Isto me obriga a fazer uma pesquisa, ainda que pouco extenuante, mas bem criteriosa. Vou expor aqui o resultado desta pesquisa.

Depois, tratarei das consequências das religiões abraâmicas para as pessoas e para a sociedade. 

Esclareço que a palavra "abraâmica" vem da palavra Abraão. Abraão, rei dos judeus, é um personagem bíblico de cuja existência não se tem qualquer evidência. As religiões abraâmicas são as religiões monoteístas, cuja origem comum é Abraão.

Antes, preciso confessar aos leitores que, até hoje, aos 81 anos de idade, não senti falta de uma religião para ser feliz, nem da crença na existência de qualquer Deus.

A ausência de evidência da existência de Deus não é evidência da sua inexistência. No entanto, a crença em um Deus humanoide ou antropológico, infinitamente poderoso e infinitamente bom e criador do Universo, é totalmente ilógica. Logo, ninguém deveria desprezar a possibilidade de sua inexistência e ninguém tem o direito de desprezar quem não acredite na inexistência d'Ele.

Para mim, as crenças religiosas se afiguram ilógicas, inverossímeis e exorbitantes. Simplesmente não consigo acreditar nelas. Logo, não farei aqui qualquer apologia religiosa.

Outra questão que preciso ressaltar, antes de entrar no tema principal, é que os mitos são muito comuns nas nossas sociedades. Ainda hoje há pessoas que se tornam mitos. Geralmente estes mitos são políticos-religiosos.

Por que isto acontece? Uma das causas, provavelmente a mais importante, é o fato de nossas crianças serem doutrinadas para a religiosidade desde tenra idade, quando ainda são muito vulneráveis, dependentes dos pais e das pessoas mais próximas. Esta doutrinação ocorre, pelo menos, desde que as religiões se organizaram, o que parece ter ocorrido no período Neolítico (10° milênio a.C.), época da evolução em grande escala da civilização e da agricultura. (Nota: a.C. significa "antes de Cristo" enquanto que d.C. significa "depois de Cristo").

Quando estas crianças doutrinadas crescem, geralmente se tornam adultos crédulos, capazes de acreditar nos maiores absurdos. Por isso, existem no mundo multidões de adultos sem discernimento crítico. Tornam-se massas facilmente manejáveis por políticos corruptos.

Há mais de 10 mil religiões diferentes no mundo. 

É muito comum que populações inteiras se envolvam em lendas ou mitos que tenham uma determinada carga simbólica em dada cultura. Estas lendas evoluem com o tempo, transformando seres reais em narrativas de seres imaginários, não-humanos, geralmente divinos, protagonistas de "milagres".

É para mostrar como os mitos se associam à religião e à política que, a seguir, apesentarei, como exemplo, os casos de dois santos. O primeiro, do longínquo século IV d.C., e o segundo, do século XX (ainda em processo de canonização), portanto já nosso contemporâneo. 

Depois destes dois exemplos abordarei o fascinante caso de Jesus de Nazaré.

1) Primeiro caso

Santo Ambrósio, antes de ser santo era uma pessoa comum. Chamava-se Aurélio Ambrósio. Nasceu no ano 340 d.C., portanto apenas 40 anos antes do cristianismo se tornar a Igreja Oficial do Império Romano. 

Ele nasceu e foi criado em Augusta dos Tréveros (atual Tréveris, Alemanha). Quando cresceu, foi estudar em Roma. Após concluir seus estudos, foi indicado para ser governador da Ligúria e Emília, em Milão, província da Itália. Assim, transformou-se em político.

Ambrósio angariou tanta popularidade que se tornou bispo da Igreja Católica por aclamação, durante um discurso que fazia numa assembleia, quando foi interrompido pela multidão que gritava: "Ambrósio, bispo"! Pouco antes disto, mas nesta mesma semana em que ele foi aclamado Bispo, ele tinha sido batizado na Igreja Católica e imediatamente ordenado sacerdote! Tudo isso na mesma semana! Milagre?

Santo Ambrósio também fez "milagres"! Por exemplo, acredita-se que, no verão de 382 d.C., uma mulher paralítica conseguiu tocar em seus paramentos enquanto o santo celebrava uma missa, tendo sido curada instantaneamente. Outro exemplo, no ano de 394 d.C., Santo Ambrósio, teria "ressuscitado" um jovem morto na cidade de Florença. 

É muito fácil iludir uma plateia crédula! 

Há outros milagres, inclusive este que vou contar, o qual ocorreu 8 séculos depois da morte de santo Ambrósio. Em 1230 d.C., um padre idoso deixou um pouco do vinho consagrado no cálice durante a missa na Igreja de Sant’ Ambrógio (Santo Ambrósio, em italiano), em Florença. No dia seguinte, o padre Uguccione encontrou gotas de sangue humano coagulado no cálice utilizado na missa do dia anterior. A aparição do sangue foi considerada um milagre! O sangue coagulado, foi coletado em uma ampola de cristal e levado à cúria à disposição do bispo, monsenhor Ardingo Foraboschi. A "relíquia" foi levada de volta à Igreja de Sant’Ambrogio, onde ainda é mantida em um tabernáculo de mármore, criado por Mino da Fiesole (um artista). Lá, há também um afresco de Cosimo Rosselli, de 1486, chamado Milagre Eucarístico de Florença, que se encontra ainda hoje na Igreja de Sant’Ambrogio. Cosimo Rosselli, pintor florentino, ficou internacionalmente célebre depois que ornamentou a Capela Sistina com seus afrescos a pedido do Papa Sisto IV. 

Durante sua vida, Ambrósio se caracterizou por defender a virgindade das mulheres e incentivar a perseguição a judeus, hereges e pagãos [Byfield (2003) pp. 92–4 e Roldanus (2006) p. 148]. Paganismo é um termo genérico que reúne as tradições e cultos politeístas ou animistas.  

Foi também pela influência de Santo Ambrósio que o Imperador Romano Teodósio emitiu os 391 d.C. os "Decretos de Teodósio " que, com intensidade cada vez maior, foram tornando ilegais as práticas pagãs [MacMullen (1984) p. 100]. 

Nesta época o poder político já dominava a Igreja católica, a qual não admitia a existência de outras religiões ou crenças.

Aurélio Ambrósio foi canonizado pela Igreja Católica. Atualmente, o dia 7 de dezembro é o dia de "Santo Ambrósio, o doutor da Igreja"! Os irmãos de Aurélio Ambrósio também foram canonizados, como São Satiro e Santa Marcelina.


2) Segundo Caso

Agora, um exemplo brasileiro.

Cícero Romão Batista, nasceu em Crato, Ceará, em 24 de março de 1844. Quando adulto, tornou-se sacerdote católico. Foi ordenado padre em Fortaleza no ano de 1870. Virou político! Teve grande prestígio e influência sobre a vida social, política e religiosa do Ceará e do Nordeste. Na devoção popular, ficou conhecido como Padre Cícero ou Padim Ciço.

Em 1911, Padre Cícero participou de um movimento dos políticos locais que tinha o objetivo de emancipar Juazeiro. O movimento foi bem sucedido, Juazeiro se desligou da cidade de Crato e foi elevado à condição de cidade. O padre se tornou o primeiro prefeito da nova cidade.

Nesse contexto, Padre Cícero articulou um acordo político entre os coronéis da região. Esse acordo ficou conhecido como "pacto dos coronéis", segundo o qual, cada coronel apoiaria o governo do Ceará em troca de benefícios. O coronelismo foi uma prática política muito comum durante a República Velha.

Padre Cícero participou da Revolta do Juazeiro, em 1914, junto com grandes coronéis. A revolta foi motivada pela vitória do coronel Marcos Franco Rabelo para governador do Estado com a derrubada de Antônio Pinto Nogueira Accioli.

Tudo começou um pouco antes, em 1913, quando o novo governador exonerou o padre Cícero das funções de prefeito. O médico Floro Bartolomeu da Costa foi ao Rio de Janeiro para obter de Pinheiro Machado, um político influente, o apoio do governo federal para depor Rabelo.

De volta ao Ceará, Floro comandou um ataque ao quartel da força pública de Juazeiro, em 9 de dezembro de 1913. Foi o início da “guerra dos jagunços”, com o apoio do Padre Cícero.

O exército de jagunços, recrutados entre cangaceiros e romeiros, ergueu trincheiras em volta da cidade e repeliu os ataques da força oficial. Cangaço ou jaguncismo foi um movimento de banditismo do século XIX e início do XX na região Nordeste do Brasil. Os cangaceiros eram bandos formados por habitantes da região semiárida nordestina que, organizados, praticavam diversos delitos, como roubo a cidades, sequestros, assassinatos e estupros.

Amparados pela crença de que “homem abençoado pelo Padim Ciço não morria de bala”, os rebeldes marcharam contra Fortaleza, saqueando as cidades no caminho.

Em março de 1914, o governo federal decretou a intervenção no Estado do Ceará e destituiu o governador Rabelo. Era o fim da guerra civil. Nessa época, Juazeiro do Norte já havia se tornado a segunda cidade do Sertão do Cariri. A maior era Crato.

Uma grande parte dos habitantes de Juazeiro foi encaminhada para trabalhar nas fazendas da região, muitas delas de propriedade do próprio Padre Cícero, que se tornou o maior agricultor do Cariri e o mais importante coronel da oligarquia local. Isso mesmo, Padre Cícero virou coronel!

Padre Cícero se elegeu sucessivamente vice-governador e deputado estadual. Só não aceitou o cargo de governador porque não quis se afastar de Juazeiro.

Padre Cícero enriqueceu. Levou para a Juazeiro a Ordem dos Salesianos, doou terreno para construção do aeroporto, abriu várias escolas, entre elas a Escola Normal Rural, construiu várias capelas, estimulou a agricultura e ajudou a população pobre, nos períodos de secas na região.

Ele também fez milagres!

Consta que um dos "milagres" ocorreu em 1889, quando Padim Ciço tinha 44 anos. Foi o milagre que transformou a vida do religioso e da cidade. Ao participar de uma comunhão geral, na capela de Nossa Senhora das Dores, a hóstia sangrou na boca de uma beata chamada Maria de Araújo. Logo a notícia do milagre se espalhou e diziam que o fato se repetira em público várias vezes. A cidade de Juazeiro passou a receber peregrinos de vários lugares. Contudo, Comissão de Milagres do Vaticano concluiu que não houve milagre e o Padre foi proibido de rezar missas.

Padre Cícero Romão Batista faleceu no dia 20 de julho de 1934, com 90 anos, em sua Juazeiro do Norte, Ceará.

Com a morte, a devoção ao Padre Cícero aumentou. Todos os anos, no dia de finados, uma multidão de romeiros, vinda de várias partes do Nordeste, chega a Juazeiro para visitar o túmulo do santo, na Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Muitos romeiros ainda hoje relatam terem obtido curas milagrosas.

Em 1969, no alto da Colina do Horto, foi erguida uma estátua do padre, com 27 metros de altura, que ainda hoje recebe um grande número de peregrinos. No local foi instalado também um pequeno museu.

Padre Cícero é considerado um "Santo Popular" para muitos fieis católicos nordestinos. É chamado de "São Cícero do Juazeiro".

Em março de 2001, ele foi escolhido "O Cearense do Século", em votação promovida pela TV Verdes Mares, em parceria com a Rede Globo de Televisão. Em julho de 2012, foi eleito um dos "100 maiores brasileiros de todos os tempos" em concurso realizado pelo Sistema Brasileiro de Televisão (SBT).

Em junho de 2022, Padre Cícero foi declarado "Servo de Deus", título que a Igreja Católica dá a pessoas cujo processo de canonização foi oficialmente aberto, logo 133 anos depois da Igreja Católica ter negado a veracidade de seu principal milagre e tê-lo proibido de rezar missas.

Estes fatos mostram que, na atualidade, há interesses políticos para intensificar o culto ao Padre Cícero.

Tanto o Presidente Bolsonaro como o Presidente Luta, receberam do Prefeito da cidade uma estatueta do Padim Ciço quando estiveram em Juazeiro.

No dia 4 de maio deste ano (2023), a Câmara dos Deputados aprovou a inclusão de Padre Cícero no Livro de Heróis e Heroínas da Pátria, guardado no no Panteão da Pátria, na Praça dos Três Poderes, em Brasília.

Esta é a história do Padre Cícero!

Este foi o segundo exemplo de surgimento de um mito. Há muitíssimos outros casos que você, leitor ou leitora, pode pesquisar. Cito o caso do filósofo, político e escritor Thomas More (São Tomás Moro), londrino nascido em 1478. Ele foi Chanceler do Reino Unido. Foi beatificado em 1886 pelo Papa Leão XIII. Também tivemos um samurai que foi beatificado recentemente. Trata-se de Takayama Ukon (高山右近) ou Dom Justo Ukon Takayama (1552 — 1615). Ele foi um guerreiro samurai, no Japão. Os Samurais (侍) eram os integrantes da casta de oficiais do Japão medieval, a nobreza militar hereditária. Eram os lacaios mais bem pagos dos grandes proprietários de terras feudais. Tinham alto prestígio e muitos privilégios. Dom Justo Ukon Takayama foi beatificado em 2017 por Angelo Amato, representando Papa Francisco.

Agora, passaremos ao exemplo mais importante: a história de Jesus de Nazaré. A história dele foi bem diferente dos exemplos anteriores.


3) Terceiro caso: Jesus de Nazaré

3.1) Quem foi a pessoa que o Império Romano crucificou?

Desta vez, o exemplo é mais antigo e muito mais complexo. Algumas explicações prévias são necessárias para a compreensão do todo. Espero não cansar o leitor.

Primeiro cabe destacar que, apesar de ainda persistirem dúvidas, tudo indica que Jesus realmente existiu porque ele é citado nas obras de dois historiadores importantes do século I: Josefo (Flavius Josephus, 38 a 100 d.C.) e Tácito (Públius Cornelius Tacitus, 56 a 117 d.C.). 

As demais explicações virão ao longo deste texto.

Agora, segue-se o relato histórico mais provável de corresponder ao que realmente ocorreu.

A parte antiga da cidade de Jericó, na Cisjordânia, é considerada a cidade mais antiga do mundo, erigida por volta de 9000 a.C. Porém, 
sexta cidade mais antiga do mundo, é Jerusalém, o cenário final da vida de Jesus. Ela foi fundada, há mais de 4.000 a.C.(Relembrando: a.C. significa "antes de Cristo" enquanto que d.C. significa "depois de Cristo").

Até os dias de hoje, Jerusalém é disputada por judeus e muçulmanos. Tanto Israel quanto o atual Estado da Palestina (Estado auto declarado) querem que a cidade seja sua capital.

Aqui, agora, vamos falar de fatos históricos que culminaram na saga de Jesus na cidade de Jerusalém. É importante saber que, na época, estes fatos não foram considerados importantes!

Vamos voltar ao passado, mas antes é preciso apresentar mais alguns esclarecimentos para evitar confusões sobre o que se entende por Palestina. 

O nome da Palestina, como o conhecemos hoje, não é mencionado no Novo Testamento. O que existia no tempo em que Jesus de Nazaré viveu era a região conhecida como Philístia (denominação grega), uma estreita faixa litorânea do Mar Mediterrâneo, próxima à Judeia. Philístia era uma confederação de cinco cidades principais, localizacas no litoral sudoeste do Mar Mediterrâneo, chamadas Gaza, Ashkelon, Ashdod, Ekron e Gate.

Ocorre que, com o tempo, este nome, Philístia, transformou-se em Palestina e passou a designar toda a região antes conhecida por Canaã. Em outras palavras, Canaã é a antiga denominação da região que hoje correspondente à soma das áreas do atual Estado da Palestina (Estado de jure que reivindica soberania sobre os territórios da Cisjordânia e da Faixa de Gaza), do Estado de Israel, da Faixa de Gaza, da Cisjordânia, de parte da Jordânia (uma faixa na margem oriental do Rio Jordão), do Líbano e da Síria (uma faixa junto ao Mar Mediterrâneo, na parte sul do litoral da Síria). São vários os nomes usados na bíblia para toda essa região, tal como Canaã, Terra Santa, Terra Prometida etc. Quando se fala de "terra prometida", devemos nos reportar aos tempos de Salomão quando Canãa era ocupada pelos Hebreus (de Dã até Berseba).

Quanto à Canaã, a Palestina do primeiro século, esta tinha uma configuração geopolítica estabelecida pelo Império Romano, dividida basicamente nas seguintes regiões: Idumeia/Judeia, Galileia, Pereia e Decapólis. Esta região, em virtude de sua posição geográfica, estava constantemente envolvida em conflitos políticos e partidárias  do Oriente Próximo antigo. Era caminho de exércitos de conquistadores que saiam do Egito em direção à Mesopotâmia e vice-versa.

Precisamos, também, entender o processo histórico para chegarmos à Palestina do primeiro século (então chamada de Canaã), na configuração romana. Faz-se necessário, primeiramente, entender a conquista do Oriente Próximo por Alexandre Magno, o que iniciou o processo de helenização desta região (absorção da cultura da Grécia Antiga, nos anos de 331 a 333 a.C). Este processo processo configurou cultural e socialmente a Palestina (Canaã) da época. Assim, a cultura helênica (cultura grega) influenciou o judaísmo palestino, que havia se estruturado no pós-cativeiro babilônico. Contudo, surge, a partir desse processo histórico, uma nova religiosidade judaica, constituída de grupos que apoiavam a presença da cultura grega na religião judaica e de grupos fundamentalistas que resistiam a esse processo. Este conflito cultural persiste nos dias de hoje.

Agora, voltemos ao passado!

Vamos recuar no tempo ao nascimento de Moisés, cerca de 1300 anos antes de Jesus nascer. Moisés era filho de um casal da tribo judaica de Levi. A lenda (narrativa que mistura fatos reais com fatos imaginários e fantasiosos) nos conta que, quando ele nasceu, foi mantido escondido por três meses e, então, colocado em um cesto e largado a flutuar na correnteza do Rio Nilo. Uma filha do faraó, teria encontrado o bebê. Ela encarregou uma ama (que seria sua mãe natural) de criá-lo. O fato real, histórico, é que ele cresceu e foi educado na corte egípcia, como se fosse filho do Faraó. Quando adulto, tornou-se uma pessoa muito culta. Era jurista. Foi ele quem liderou os hebreus escravizados (a lenda afirma que foi por ordem de Deus) na fuga do Egito. Atravessaram o Mar Vermelho e voltaram para Canaã, a Terra Prometida ("prometida por Deus", Jeová).

Na lenda judaico-cristã-islâmica, Deus realizou diversos milagres através de Moisés, após uma teofania (aparição de Deus). Além de libertar o povo hebreu da escravidão no Antigo Egito, Moisés guiou o seu povo em um êxodo (emigração) pelo deserto durante 40 anos, o que incluiu a famosa passagem em que Deus, por intermédio de seu servo Moisés, abriu o Mar Vermelho para possibilitar a travessia segura dos seus filhos. Ainda segundo a lenda, Moisés recebeu, no alto do Monte Sinai, as Tábuas da Lei de Deus, contendo os Dez Mandamentos.

Moisés (em hebraico “Moshe”) foi, para o judaísmo, o maior dos profetas, o maior dos messias, o maior dos líderes e dos mestres que o judaísmo já conheceu. Jesus foi para os cristãos o que Moisés era para os judeus.

Depois de mais de 1000 anos e de guerras de defesa de seus território, a região de Canaã (posteriormente rebatizada de Palestina pelos Romanos), teve pouco mais de um século de paz e autonomia política, de 167 a.C. até 63 a.C. As pessoas que viviam nesta região ainda eram descendentes dos hebreus que tinham sido escravos no Egito e, de lá, tinham fugido guiados pelo profeta Moisés.

Mas o Império Romano, aos poucos, foi se chegando e dominando tudo. Em 63 a.C., o general e político romano Cneu Pompeu Magno, também conhecido como "Pompeu, o Grande", invadiu e tomou a região da Palestina. Iniciou-se assim a dominação romana da Palestina, que se estendeu além do chamado “período bíblico”, o qual termina no início do 2º século da chamada era cristã.

Apenas 6 anos depois do nascimento de Jesus de Nazaré, em 6 d.C., os romanos estabeleceram uma nova configuração geopolítica, a qual dividiu a Palestina nas seguintes regiões: Judeia, Galileia, Pereia e Decapólis. Jerusalém era a capital da Judéia.

Com o tempo, as tensões políticas entre os romanos e os palestinos foram aumentando principalmente na Judeia, mas também na Galileia. Iniciaram-se décadas de lutas pela independência da Judéia e da Galileia em relação ao Império Romano. Todas elas foram debeladas e os líderes dessas rebeliões foram condenados à morte.

Naquela época, o Império Romano começava na Península Ibérica (Portugal e Espanha), incluía a antiga Gália (França e Alemanha) e se estendia a oeste, pelo sul dos Alpes, até a Armênia, a Mesopotâmia, a Síria e a Palestina. Incluía também o norte da África, desde a Costa Mauritânia até o Egito.

Naquele tempo, nem se sabia se existiam terras a oeste, para além, de Portugal e África. A quase totalidade das pessoas pensava que a Terra fosse plana (um disco plano). Pouquíssimas pessoas sabiam que em 340 a.C., na Grécia, Aristóteles escrevera um texto no qual apresentava dois bons argumentos que indicavam que a Terra devia ser uma esfera! Título do texto: "Sobre o céu". Contudo, Aristóteles achava que o Sol girava em torno da Terra.

Veja o mapa abaixo. Ele mostra a extensão do Império Romano (em cor laranja). Observe onde fica a cidade de Jerusalém, capital da Judeia, na palestina.



Foi este Império que Jesus de Nazaré enfrentou quando pretendeu libertar a Judeia do jugo Romano. Não se sabe se ele tinha noção do tamanho do inimigo, provavelmente não.

Era uma época de extrema violência tanto em Roma como no seu império!

Herodes, o Grande, tinha sido Rei da Judéia, colocado no trono pelos Romanos. A Judeia desta época “abarcava a Galileia, a Pereia e Samaria” [Staumbaugh; Balch, 1996, p. 18].

Quando Jerusalém foi conquistada pelo General Pompeu, em 63 a.C., o pai de Herodes, que era amigo de Pompeu, ganhou a cidadania romana e então foi nomeado procurador da Judéia. Logo, na época de Jesus, Herodes Antipas (governador da Galiléia), filho de Herodes, o Grande, e Pôncio Pilatos (governador da Judeia) tinham, em sua retaguarda, o grande poder do Império Romano.

O poder corrompe os homens e Herodes Antipas e Pôncio Pilatos, tinham poder para mandar matar quem eles quisessem usando o aparato judicial do Estado.

Naquele tempo, trono e altar (ou seja, os poderes político e religioso) já eram aliados. Religião e política eram indissociáveis. Os partidos políticos eram seitas, como ainda é, nos dias de hoje, em vários países do Oriente Médio.

Em Jerusalém, todos os movimentos por independência do Império Romano, eram duramente reprimidos, tanto pelas autoridades civis romanas como pela classe sacerdotal. Era comum o surgimento de contestadores, os quais eram considerados bandidos ou profetas ou messiânicos.

Os historiadores contam que os bandidos eram aqueles que promoviam a resistência ao domínio romano por meio de saques e outras contravenções. Geralmente viviam de forma clandestina, refugiados em cavernas da região. Entre eles, houve um chamado Ezequias, que foi ativista entre os anos 47 e 38 a.C. Outro foi Eleazar Ben Jair, que viveu pouco tempo depois de Jesus.

Os profetas eram aqueles que realizavam um trabalho missionário, mas deixavam bem claro que esperavam a chegada de um messias, assim como Moisés. Este messias, ainda viria e, outra vez, salvaria o povo da Judéia. Assim foram, por exemplo, João Batista, o religioso que batizou Jesus, e Samaritano, que atuou entre os anos 26 d.C. e 36 d.C., mais ou menos.

Messiânicos eram aqueles que encarnavam a ideia de serem eles mesmos o messias tão esperado, enviado de Deus. Por exemplo, Simão.

Jesus de Nazaré foi mais um dos messias judeus, que nasceu no ano 6 a.C, em Nazaré, vilarejo com menos de 500 pessoas, numa localidade montanhosa da Galileia. A população do vilarejo era muito pobre.

Enfatizo que o Jesus histórico nasceu em Nazaré e não em Belém. Tudo indica que a ida para Belém e todos os seus emocionantes e coloridos pormenores (como manjedoura, estrela cadente, três reis magos, etc.) tenham sido "fake news" dos redatores dos textos bíblicos, porque Belém era a terra do Rei David (1040 a.C. –  970 a.C., o segundo rei do Reino Unificado de Israel) e parecia mais convincente que o Deus Jesus também tenha nascido em Belém, a mesma cidade onde David teria nascido. Os evangelistas deturparam a História e, hoje, é extremamente difícil reencontrar a verdade!

A mãe de Jesus era conhecida simplesmente por Maria.

Como era o costume da época, aos 12 anos Maria já estava prometida a um homem chamado José, um carpinteiro. Aos 14 anos (que na época era a maioridade judaica) Maria e José se casaram.

Segundo a lenda cristã, pouco depois, Maria anunciou, ao marido José e a todos, que estava grávida, mas que o filho não era de José, nem de ninguém, pois "era filho de Deus"! Ela também teria dito que este filho seria muito especial e salvaria a humanidade!

Que situação difícil para uma menina-moça de 14 ou 15 anos e para seu marido! Bem, isto é o que os religiosos contam, baseados nos relatos da Bíblia — ou seja, profundamente contaminados por uma visão simbólica — mas não há comprovação histórica destes fatos.

O fato histórico é que Jesus nasceu! Jesus existiu mesmo!

Jesus nasce poucos anos depois de Judas de Kerioth (da cidade de Kerioth, ao sul da Judeia), Judas de Gamala (nascido na cidade de Gamala, na Galileia) e Sadoq (há diferentes grafias nos documentos históricos, como Zadoque, entre outras). Estas crianças, 
quem diria, especialmente Judas de Gamala e Sadoq, pouco tempo depois, no ano 6 d.C., já seriam líderes de um movimento de libertação e estariam concitando o povo para um levante contra o senso do Império Romano.

O ambiente da Judeia e da Galileia era de grande radicalização e de violência. A população da Palestina daquela época, eram as moradias precárias. As famílias mais pobres moravam num único cômodo, numa época em que era comum a geração de muitos filhos, impactando ainda mais a economia doméstica. Nesse contexto social o atestado de prosperidade era a posse da terra. Os mais ricos possuíam a posse da terra e os pobres trabalhavam nela, de forma precária e sem a retribuição econômica suficiente para a sua manutenção da família. 

Pois neste ano, 6 d.C., por Ordem de Públio Sulpício Quirino, enviado do Imperador Augusto, os romanos anunciaram que fariam um censo, para fins de estabelecer a carga tributária que passaria a ser cobrada da população. A reação popular foi imediata e logo se converteu em revolta armada, a qual foi liderada por Judas de Gamala, que comandou um assalto à guarnição romana em Séforis (capital da Galiléia). A revolta foi duramente reprimida pelos romanos e Judas de Gamala foi executado.

Em sua "Antiguidades Judaicas", Josefo [Flávio Josefo - Antigüidades judaicas - Livro XVIII] informa que Judas de Gamala e o fariseu Sadoq, foram os fundadores do Movimento Zelote, uma seita (e partido político) que pregava a luta armada contra os opressores romanos.

Atualmente há confusão entre estes dois Judas. Cuidado, leitores! Não confundam! Judas de Gamala nasceu na Galileia. O outro Judas, que a bíblia cristã considera o "traídor" de Jesus, é o Judas Iscariotes (em hbraico: יהודהאיש־קריות; em latim: Yehudhah ish Qeryoth; em grego bíblico: Iouda Iskariôth). Judas Iscariotes nasceu em Qerioth, na Judeia.

Jesus também nasceu na Galiléia e viveu nas regiões da Judéia e da Galiléia, sem nunca pisar em uma cidade grande, até seus últimos dias.

A principal atividade econômica da região, era a agricultura. A parábola do semeador, hoje atribuída Jesus, era baseada no cotidiano dos moradores!

Naquele tempo, um judeu possuía um único nome, por vezes complementado com o nome do pai ou da cidade de origem ou ambos. Portanto o nome de Jesus era Jesus de Nazaré, ou Jesus de José de Nazaré, como se lê ao longo do Novo Testamento, por exemplo: "Jesus Filho de José", em Lucas 4:22, ou "Jesus, filho de José de Nazaré", em João 1:45. No entanto, muitos evangelistas de épocas posteriores não admitiam que Jesus fosse filho de José, mas sim de Deus, pois, para eles, Maria era virgem! Assim tiveram que mudar o nome de Jesus para "Jesus filho de Maria", como em Marcos 6:3. A Bíblia ainda acrescenta a palavra "virgem", assim: "Jesus filho da Virgem Maria".

O nome Jesus, deriva do aramaico ישוע‎ (Yeshua), língua antiga falada da Síria atual até a região ao Oeste da Palestina, na região da atual Mesopotânia. O nome Yeshua também era usado na Judeia, na época do nascimento de Jesus [Hare, Douglas (2009). Matthew. [S.l.]: Westminster John Knox Press. p. 11. ISBN 978-0-664-23433-1, via Wikipédia].

Como já mencionei, ainda não havia a separação entre política e religião que temos hoje. Jesus foi um líder político e religioso, que se apresentava como sendo o Messias, enviado por Deus para libertar o povo judeu da opressão dos seus inimigos e para os conduzir à glória. Para os seus seguidores, Jesus era o cumprimento das profecias de que o "ungido" que viria salvar o povo judeu e devolver-lhes sua "Terra Prometida", dando-lhes um reino de paz e justiça. Jesus seria um segundo Moisés!

Jesus se transformou em um líder, mas não era uma pessoa serena, paciente, como é descrito na Bíblia. Ele tinha problemas de relacionamento até com seus próprios irmãos, filhos de Maria. Eram 7 irmãos: Tiago, José, Judas e Simão (não confundir com os apóstolos) e 3 irmãs. O irmão Tiago é o que tem mais registros históricos.

Naquela época, já era muito forte o sentimento de revolta contra Roma, que governava e explorava os moradores da Judéia e da Galileia. A região da Galileia era menos importante, menos populosa e costumava ser alvo de zombaria por parte dos judaicos. Segundo Flávio Josefo, historiador que viveu neste mesmo século de Jesus, havia inflação, salários baixos e revoltas populares. Neste contexto, havia um conflito entre os delegados de Herodes Antipas, implacáveis e sedentos de poder, e a oposição política dos líderes extremistas locais.

Portanto, quando Jesus passou a propagar sua doutrina entre os seus, os povos da Judéia e da Galileia já estavam em permanente conflito com os romanos. O Movimento Zelote já estava em atividade por três décadas. Portanto Jesus pregou e conviveu com uma população que conhecia os ideais dos zelotes. Muitos autores afirmam que Jesus foi um zelote, outros entretanto consideram que ele era chefe de um movimento para-zelote, pois o Cristianismo e o Zelotismo eram movimentos afins.

Jesus Cristo tentou liderar a revolta contra o poder Romano!

Haviam diversas classes sociais, que também se confundiam com seitas. Havia:
  1. os fariseus, um grupo de judeus devotos à Torá, surgidos no século II a.C.. Os fariseus acreditavam na vida após a morte. Eles tinham muita influência no povo e lançaram as bases para o que se tornaria o judaísmo rabínico. Jesus, depois de adulto, criticava muito o judaísmo fariseu, provavelmente devido a controvérsias internas ao judaísmo, algo que era comum na época.
  2. os saduceus, opositores dos Fariseus, que acreditavam numa Lei e que foram os criadores da instituição da sinagoga. Eles eram recrutados essencialmente entre a classe sacerdotal, cuja influência, no início da nossa era, não ultrapassava as fronteiras do templo, mas eram soberbos, altivos, vivendo distantes do povo, sem nenhuma influência sobre ele. Representam os conservadorismo, os partidários do status quo, tanto em matéria política, quanto em matéria religiosa. Eram, portanto, acomodados com a dominação romana.
  3. os essênios, que viviam na região do Mar Morto numa espécie de vida monástica. Eram um grupo asceta, apocalíptico messiânico do movimento judaico antigo que foi fundado em meados do 2º século a.C., que anunciava a chegada de um Messias descendente davídico (de David) e Aronian (sacerdotal). Eles foram dizimados no ano 68 d.C., com a destruição de seus assentamentos em Qumran. São opositores aos sacerdotes do Templo de Jerusalém, que, para os essênios, eram aberrações do culto verdadeiro bem como do puro e legítimo sacerdócio sadocita. Politicamente eram contrários ao domínio romano.
  4. os zelotes, descritos pelos historiadores como homens do meio rural, com baixo nível intelectual. Segundo assinala Luís Eduardo Lobianco, em sua tese de mestrado na Universidade Federal Fluminense [O Outono da Judéia - Niteroi, 1999] o historiador Flávio Josepho (1° século d.C.) referia-se à população rural da Judéia como "populacho". No entanto, os zelotes eram homens de "têmpera" (corajosos e determinados), que lutavam pela independência do jugo romano. Sempre estiveram à frente dos movimentos de libertação, movidos por ideais sociais e religiosos. Eram combativos contra os adoradores dos falsos deuses. Os zelotes esperavam ardentemente a vinda de uma reino messiânico, de um libertador que expulsasse o estrangeiro e restabelecesse o Reino de Israel. Eles marcaram profundamente a vida política da época, de forma tal, que por fim causaram a segunda destruição de Jerusalém e da Palestina, na luta contra os romanos. Foram vencidos. Os zelotes se impunham perante o povo, que também estava descontente com o dominador. A "Pax" Romana só conseguia se impor na Palestina pela força. O último lampejo do zelotismo foi a rebelião frustrada de Barkochva, um século após a morte de Juses, já sob o Império de Adriano.
Jesus de Nazaré, era um zelote, mas se diferenciava deles porque se apresentava como sendo ele mesmo o próprio Messias. A vida pública de Jesus é marcada pelo zelotismo, até mesmo porque ele era galileu e a Galiléia foi o berço dos zelotes. Para as autoridades, no entanto, os zelotes eram terroristas "que agiam com seus punhais, encobertos debaixo das roupas", no meio das multidões e que lutavam contra Roma. A vida pública de Jesus, seu processo, julgamento e condenação, estão relacionados aos fatos do zelotismo. Os soldados romanos defendiam o Império. Os zelotes lutavam pela libertação da Palestina (à época, Canaã). A verdadeira decisão do conflito, conforme a crença arraigada dos zelotes, seria feita por Deus, através da vinda do Messias, seu enviado especial. Esta era a última esperança deles. O Messias os libertaria. Quando Jesus se apresenta como sendo ele próprio o Messias, desilude aos zelotes. Sua condenação e morte, pelos romanos, também desilude os zelotes, pois a própria crucificação, era um tipo de morte reservada aos escravos. Para eles Jesus não tinha o poder de Moisés! Moisés tinha arduamente cumprido a sua promessa.

Imagine, caro leitor ou leitora, que estamos tratando de um jovem político, que, há 2 mil anos, percorreu a Judéia arregimentando seguidores para um movimento messiânico com o objetivo de derrubar o poderoso Herodes Antipas e implantar o que ele chamava de "Reino de Deus"! Sua missão era muito perigosa!

Naquela época, o Templo de Jerusalém, também conhecido como Segundo Templo, era o centro religioso, econômico e cultural da Palestina. Era também centro político, pois ali se reunia o Sinédrio (Tribunal composto de sacerdotes, anciãos e escribas), sob a chefia do Sumo-Sacerdote, que era vitalício, e do grupo dos saduceus (latifundiários da época), os maiores detentores do poder econômico.

O Templo de Jerusalém tinha sido reconstruído pelo governador Herodes, "o Grande", durante 46 anos! Trata-se do pai de Herodes Antipas.

O Templo era uma construção imponente e riquíssima que o povo venerava como a Morada de Deus. Era considerado pelos judeus o lugar mais sagrado do mundo. Até hoje os judeus, quando oram, voltam-se na direção do Templo. 

Naquele tempo, Jerusalém era considerada uma cidade muito grande! Tinha cerca de 30 mil habitantes. Jerusalém era também lugar de grande carestia, onde os preços eram de 3 a 6 vezes mais caros do que no interior da Palestina.

O Templo era meio de vida para muita gente, pois gerava emprego para cerca de 18 mil pessoas, mais da metade da população de Jerusalém. O Templo era símbolo da identidade judaica, lugar de comércio com lucro abusivo. Era lugar de cobrança de impostos (de 25% a 50%) e centro de peregrinação.

Na festa da Páscoa, Jerusalém chegava a receber 150 mil pessoas. Foi justamente na Páscoa que Jesus decidiu fazer uma grande marcha de protesto, com seus seguidores, até o templo, em Jerusalém.

Estava prevista uma entrada triunfal na cidade, no meio do grande afluxo de gente. Jesus entrou na cidade em cima de um burrico e seus seguidores a pé, numa marcha no meio dos visitantes que não despertasse suspeitas no caminho. Era a primeira cidade grande que Jesus visitava. Ele não chegou a perceber quão grande era a cidade!

Ao entrarem no templo, os seguidores de Cristo passaram a gritar que ele seria o novo Rei! Consta que sacerdotes do templo pediram que Jesus mandasse seus seguidores se calarem. Mas Jesus não os atendeu. O relato bíblico, provavelmente aformosado, conta que Jesus apenas respondeu: – “Se meus discípulos se calarem, as pedras gritarão” [Lc 19,40].

Então, Jesus ficou furioso ao descobrir que o Templo era uma mistura de banco nacional, com sistema bancário, bolsa de valores e mercado de câmbio! Jesus improvisou um chicote de cordas e expulsou a todos do templo. Junto com seus seguidores, Jesus virou mesas e derramou as moedas dos cambistas pelo chão!

Este episódio revela os objetivos secretos e  messiânicos de Jesus. Atacar o comércio do templo era uma ofensa grave à nobreza clerical e considerando a íntima relação do clerical com Roma, era o mesmo que atacar o próprio Império. O gesto furioso de Jesus expressa que o templo e a Judéia não pertenciam a Roma. Assim, aos olhos dos Romanos e de seus apoiadores de Canaã (a palestina da época) Jesus passa a ser um perigoso radical, revolucionário, a tal ponto que Roma decide prendê-lo e executá-lo pelo crime de insurreição. Como este era o mais grave dos crimes do Império Romano, a punição foi a mais severa: a crucificação.

Mais tarde, depois daquela entrada provocadora em Jerusalém e do audacioso ataque ao Templo, Jesus foi preso, torturado e executado pelo governo de Roma por crime de sedição, ou seja, sublevação contra autoridade constituída.

Assim o ato revolucionário de Jesus fracassou!

Sua morte deve ter acontecido por volta dos anos 35 e 36 d.C., quando ele tinha entre 41e 42 anos, pouco tempo depois de João Batista (aquele que, segundo a Bíblia, batizou Jesus de Nazaré) também ter sido decapitado pelos romanos, por ordem de Herodes Antipas.

Barrabás, que também morreu junto com Jesus, provavelmente não era um ladrão, mas apenas um dos muitos rebeldes que abundavam na época. Entre romanos e zelotes os confrontos eram corriqueiros.

A partir de sua morte, Jesus de Nazaré não teve mais qualquer influência tanto na história do Império Romano quando na história do Cristianismo. 

Jesus não escreveu nada enquanto viveu. Ninguém que tivesse convivido com ele escreveu nada sobre ele. Sua morte não foi tema considerado importante naquela época. 

A referência na Bíblia de que Jesus pretendia livrar os judeus do jugo romano pelas armas. Esta referência está na passagem do Evangelho de Mateus em que Jesus diz a seus apóstolos: “Não vim trazer paz, mas a espada”. Este relato, se verdadeiro, corrobora com a visão de Jesus como um revolucionário. Isto também é compatível com sua ação no Templo de Jerusalém, quando Jesus passa das palavras à ação ao chegar ao Templo de Jerusalém, na Páscoa Judaica, e se enfurece ante a visão de centenas de pessoas vendendo, comprando e trocando moedas no local sagrado. 

Se Jesus foi de fato um revolucionário, cabe perguntar como surgiu a ideia de que Jusus de Nazaré era um pacifista humilde, que ensinava todos a se amarem, até mesmo inimigo? Como esta ideia cresceu?

 sto foi obra dos Evangelhos canônicos e das epístolas de Paulo de Tarso, escritas depois da crucificação, no período em que a perseguição aos judeus e aos primeiros cristãos se intensificou. Receosos de ser vistos como insurgentes, os primeiros seguidores do cristianismo quiseram se afastar do fervor revolucionário de Jesus. Então, começou o longo processo de transformar Jesus de um revolucionário nacionalista judeu num líder espiritual desinteressado de questões terrenas. Os romanos gostaram disto, três séculos depois, oficializaram o cristianismo com sendo a Religão Oficial do Império Romano

Como judeu, Jesus se rebelaria contra qualquer noção de um humano encarnar um Deus, mas ele já estava morto! Por isso, a transformacão de Jesus de Nazaré em divindade começou, aos poucos, cerca de três décadas depois de sua morte, na tentativa dos cristãos judeus de evitar as perseguições do Império. A imagem de Jesus de Nazaré, foi se transformando num semideus romanizado. Foi dessa maneira que Paulo de Tarso criou a religião cristã universal, que, três séculos depois, conquistou o Império Romano e depois se espalhou pelo mundo com os descobrimentos dos novos continentes.

A verdadeira história de Jesus de Nazaré foi reinventada pelos políticos através das instituições religiosas construídas pelo homem - seja o cristianismo ou o Islã - que foram fundados em nome de Jesus e de outros profetas. Ninguém tem o direito de doutrinar outra pessoa, principalmente crianças, nem mesmo a Igreja, mas isto foi institucionalizado pelo mundo. 

A seguir, será explicado melhor como e por quê Jesus de Nazaré virou lenda. Por que passou a ser chamado de Jesus Cristo? Qual foi afinal o legado de Jesus


3.2. Qual foi e o que foi feito do legado de Jesus?

3.2.1 A aparência de Jesus

Em documentos históricos insuspeitos, não há qualquer descrição sobre a aparência de Jesus de Nazaré. Ninguém descreveu sua aparência ou fez algum desenho, pintura ou escultura. Nada! Da mesma forma, não há nada sobre a vida de Jesus, seja sobre sua vida normal como adulto, algo como casamento ou filhos. Não há nada! Isto indica que Jesus de Nazaré não era uma pessoa importante nas cidades em que viveu. De fato, o impacto de Jesus na sociedade do seu tempo foi praticamente nulo. Jesus só ficou mais conhecido após a sua execução devido a continuidade de sua seita por parte de alguns de seus seguidores.

A primeira imagem de um Jesus totalmente barbado que se tem notícia remonta ao ano 300 d.C. Novas imagens começam a aparecer somente no século VI, mas elas eram muito diferentes entre si, porquanto apresentavam características étnicas semelhantes às da cultura na qual a imagem tinha sido criada. A maioria delas representavam um homem de tez branca e de cabelos, bigode e barba castanhos.

Até o século XV, as representações artísticas de Jesus ainda tinham as características regionais como se observa em obras da Etiópia, Índia e Europa, por exemplo. Na Renascença (do século XIV e o fim do século XVI) foram pintados quadros de enorme importância na História da Arte, como a Santa Ceia, de Leonardo DaVinci. Nesta obra, Jesus foi retratado de forma mais similar aos brancos europeus daquela época, com cabelos e barba castanhos. Nos séculos seguintes, torna-se evidente uma tentativa de padronização. Desde o século passado (século XX) as imagens de Jesus apresentam tez clara, cabelos loiros e olhos azuis ou cabelos castanhos e olhos também castanhos.

A aparência de Jesus Cristo
das religiões do século XX


Por tudo isso, é muito difícil descobrir como era a aparência verdadeira de Jesus de Nazaré.

Em 2001, Richard Neave, especialista forense em reconstruções faciais britânico, utilizou conhecimentos científicos para chegar a uma imagem de Jesus que pode ser considerada próxima da realidade. Foi um trabalho encomendado para um documentário a ser produzido produzido pela BBC. Esqueletos de judeus dessa época e região mostram que a altura média dos um homens era 1,60 m e que o peso médio da grande maioria deles era de 60 quilos. Além disso, os judeus que viviam Judeia e Galiléia do século 1 tinham a pele, barba, cabelo e os olhos escuros. Então, a partir de três crânios daquela época e região, onde Jesus nasceu, foi feita a modelagem em 3D e chegou-se a um rosto com melhor probabilidade de se parecer com o de Jesus de Nazaré.

O resultado é bem diferente do Jesus que as religiões cristãs da Europa e da América costumam apresentar.

A imagem referida é esta.

Aparência mais provável de Jesus Cristo


Este fato não é de estranhar. Há uma tendência nas obras de arte de transformar os pessoas históricas morenas ou negras em pessoas brancas. 

Um exemplo foi o brasileiro Machado de Assis (1839 - 1908), que era negro retinto. Como escritor ficou conhecido em todo o Brasil e era retratado como branco. Inaugurou a literatura realista brasileira com "Memórias Póstumas de Brás Cubas" (1881), inspirado em Balzac. Até hoje, Machado de Assis é uma das maiores referências da literatura lusófona. 

Outro exemplo foi Alexandre Dumas (1802-1870), dramaturgo francês, autor de "Os Três Mosqueteiros" e "O Conde de Monte Cristo". Era filho de um general branco com uma escrava negra. Seus traços negros são evidentes em fotografias e registros, mas em muitas representações artísticas Dumas é retratado como um homem branco.

Um exemplo bem mais antigo é o de Cleópatra, a faraó (título atribuído aos reis divinos do Antigo Egito), que nasceu em 69 a.C., portanto 63 anos antes de Jesus nascer. Há farta documentação histórica sobre ela, inclusive muitas obras de arte, como descrições, desenhos, pinturas e esculturas.

Cleópatra tinha cabelos escuros e pele morena [Preston, Diana (2009). Cleopatra and Antony: Power, Love, and Politics in the Ancient World. Nova Iorque: Walker and Company. ISBN 9780802717382]. Mesmo assim, ela costuma ser retratada como um a pessoa branca. Veja, por exemplo, esta pintura a óleo de 1630, intitulada A morte de Antônio e Cleópatra, do pintor italiano Alessandro Turchi (Museu do Louvre, Paris, França).

Nesta obra Cleópatra tem pele branca.

O filme norte-americano Cleópatra, de 1963, do gênero épico, que narra a luta da jovem rainha do Egito, para resistir às ambições imperiais de Roma também branqueou a faraó do Egito. O filme, dirigido por Joseph L. Mankiewicz, foi estrelado por Elizabeth Taylor, como Cleópatra, Richard Burton, como Marco Antônio.

Elizabeth Taylor no papel de Cleópatra


3.2.2 Jesus vira lenda

A história de Jesus, de sua condenação e execução é contada e recontada oralmente até os dias de hoje, principalmente em todas as missas e cultos do cristianismo. Jesus virou lenda! Sua mensagem foi reinterpretada, escrita e reescrita, dando origem a diferentes versões conforme a vertente. Mas sempre foi mantido um núcleo verdadeiro: Jesus foi um camponês pobre que, diante das injustiças que ele constatava, defendia a instauração do que ele chamava de "Reino de Deus", um reino de justiça e fartura. Mas Jesus não tinha poder religioso, nem político, nem militar!

A mensagem messiânica de Jesus pode ter sido era "Liberdade e Justiça", no entanto tudo o que se conta de suas mensagens foram escritas séculos depois de sua morte e por pessoas com interesses diversos dos originais. O fato é que Jesus afrontou o Império Romano e sua história servia aos interesses políticos da época, servia para afrontar o Império Romano e setores da elite judaica/palestina da época. A criação de novas seitas baseadas nesta história foi a força motriz que transformou Jesus de Nazaré em lenda! Como aconteceu muitas vezes na história, o assassinato do homem o transformou em uma lenda poderosa.

Os primeiros seguidores de Jesus o proclamavam como o Messias prometido pelas Escrituras judaicas.

O movimento político-messiânico iniciado por Jesus e rapidamente subjugado sobreviveu à sua morte e isto se deve a vários motivos. O primeiro deles foi o esforço liderado por seu irmão Tiago e pelos apóstolos que passaram a proclamar que Jesus havia ressuscitado. Os demais motivos serão esclarecidos mais adiante, neste texto.

Jesus nunca escreveu nada, porque era analfabeto. Isso não surpreende, uma vez que, no século 1º a.C., menos de 10% dos habitantes do Império Romano sabiam ler e escrever e Jesus viveu nos confins do Império Romano. Lá, na pequena Nazaré, os artesãos e camponeses não tinham acesso a qualquer forma de educação, nem tinham qualquer preocupação com isso. Em toda a Palestina, havia um sistema social e político opressivo e alienante.

A maior parte do que chegou aos dias de hoje foi escrita por seguidores de Jesus, após três ou quatro gerações a contar de sua morte. Estes autores não estavam preocupados em transmitir uma versão fiel dos fatos, como fazem os historiadores, mas sim em fortalecer as bases da fé político-religiosa.

Jesus de Nazaré era extremamente pobre, um camponês dos bosques da Galileia. E, apesar de tudo isso, criou um movimento político entre os pobres e marginalizados. Um movimento que cresceu a ponto de terem feito uma passeata até o Templo de Jerusalém quando passou a ser considerado ameaçador pelos religiosos e políticos. Depois do episódio do Templo, ele fosse procurado, preso, torturado e executado por crimes de sedição (organização de rebeliões, incitamento das massas), o único crime pelo qual alguém poderia ser crucificado pela lei romana. Só esses fatos, que foram os mais importantes de sua vida, são suficientes para que possamos entender sua verdadeira história. Antes de Jesus, outros profetas tinham cometido o mesmo crime de sedição e também foram crucificados.  

Enquanto Jesus de Nazaré viveu, ele não teve importância alguma, nem era uma pessoa conhecida em sua comunidade. Mas, tepois da invasão do Templo, seus correligionários zelotas estavam muito ameaçados pelo Império Romano e precisaram aparentar serem mais religiosos do que políticos. Foi a perseguição de Herodes Agripa I que levou à dispersão dos apóstolos por todas as províncias romanas onde agiam apenas como religiosos. Foi isto que fez o cristianismo crescer no Império Romano. Era preciso disfarçar o lado político para ter segurança e se esconder no lado religioso. Diziam que "o Reino de Jesus não era deste mundo". O proprio Jesus usou esta tática quando escusou-se dizendo: "Daí a César o que é de César e a Deus o que é de Deus".

Naquela época, como ainda é nos países islâmicos, todos os grupos politicos (partidos) eram também grupos religiosos. 

Assim, houve um compreensível interesse em caracterizar um movimento essencialmente político, como um movimento religioso e pacifista. Os romanos apoiaram esta ideia.

Bem depois da morte de Jesus, mas ainda no primeiro século, a palavra "Cristo" foi adicionada ao nome de Jesus Filho de Maria. O nome de Jesus ficou assim: Jesus Cristo Filho de Maria. "Cristo", significa "o ungido" em grego, e fazia referência à antiga tradição judaica de ungir reis e sacerdotes com óleo santo como uma forma de consagrá-los e separá-los para o serviço de Deus.

Assim, Jesus foi glorificado, exacerbado e endeusado. Os autores, que escreveram sobre Jesus, fizeram catequese, evangelização. O que escreveram não foi História, mas sim teologia (como escrita de uma doutrina religiosa). Atribuíram a Jesus suas próprias concepções de Deus, de sua natureza e de seu poder sobre o universo.

Jesus deixava de ser gente e passava a ser questão fé, passava a ser religião, passava a ser o Deus do Cristianismo. Com o passar do tempo, para os cristãos Jesus passou a ser mais do que Moisés era para os judeus.

Como religião, Jesus Cristo teve um grande sucesso póstumo, mas a realidade foi muito desvirtuada!

Maria, mãe de Jesus, passou a ser uma figura importante para o cristianismo. Segundo a tradição cristã, ela teria sido uma santa, conhecida como Nossa Senhora, mãe e Deus, que teria subido ao céu de corpo e alma! Logo, teria tido uma morte sem deterioração corporal!

Pelo que se sabe, não há documentos históricos da época de Jesus sobre a mãe de Jesus. O que há são apenas os registros bíblicos e eclesiásticos escritos nos séculos posteriores.

A ideia da virgindade de Maria nunca foi cogitada na época em que Jesus viveu, mas foi construída pela teologia ao longo dos séculos posteriores.

Em Roma, a primeira Igreja cristã foi criada supostamente pelo apóstolo Pedro. Não se tem evidências definitivas sobre a existência de Pedro, mas, por enquanto, o mais provável é que ele tenha sido uma figura histórica real. Pedro (supostamente nascido em 1 a.C. e falecido em 67 d.C.) teria sido um dos doze apóstolos de Jesus, o qual é mencionado várias vezes na Bíblia, mas também em algumas fontes históricas razoáveis. A tradição cristã também afirma que Pedro foi o primeiro bispo de Roma. Todas as religiões Cristãs consideram que Pedro foi o fundador delas, em Roma, e seu primeiro papa. No entanto isto pode ter sido uma criação de Paulo, outro apóstolo, o qual organizou o cristianismo primitivo.

3.2.3 A diáspora

A História nos diz que o movimento de resistência dos zelotes, revolucionários idealistas e embebidos de fanatismo religioso, acabou por destruir a Judéia, por que "cutucaram a poderosa onça com vara curta". Provavelmente, como Jesus de Nazaré, os revolucionários nem conseguiam avaliar o poderio do Império Romano, porque não tinham conhecimentos suficientes para isso.

Em 8 de setembro de 70 d. C. (portanto 35 anos depois da morte de Jesus), as tropas romanas do general Tito tomam a cidade de Jerusalém. Tito atacou o ponto mais fraco da fortificação de Jerusalém: a chamada Terceira Muralha, a oeste da cidade.

Jerusalém foi saqueada e o Templo foi destruído, incendiado e arrasado. A maioria dos habitantes de Jerusalém foi assassinada, escravizada ou deportada para trabalhar em minas. A diáspora (dispersão dos judeus, no decorrer dos séculos, por todo o mundo) se intensificou.

O resultado da insubordinação ao Império Romano foi impiedoso. O Império esmagou a luta pela independência da Judéia e da Galiléia, destruiu Jerusalém e dispersou os judeus e galileus pelo mundo daquele tempo. Por outro lado, foi esta dispersão do povo judaico-palestino que fugia da perseguição política (diáspora) que expandiu o cristianismo por aquele mundo, chegando a Roma, onde, mais tarde, a nova religião se aliou aos seus algozes! Com isso, a religião de Jesus se alastrou também no centro do Império Romano.

A religião cristã inicialmente foi perseguida em Roma, mas, mesmo quando geravam antipatias e sofriam perseguições, como no reinado de Nero, entre os anos 54 e 68 d.C., os cristãos cresciam em número. Logo passaram a ser tolerados, porque o Império Romano sempre tolerou as diversas religiões dos povos que conquistara.

Nesta época, o apóstolo Paulo divulgava intensamente o cristianismo pela Ásia e Europa.


3.2.4 A Igreja se associa ao Império

Com o tempo e aos poucos, o Cristianismo foi se modificando. Nos primeiros séculos, não passava de uma religião simples. O apóstolo Paulo (5 d.C - 67 d. C), nascido em Tarso, na Cilícia (
antiga região na costa sul da Ásia Menor), era judeu e também cidadão romano. Foi escritor e, após a sua conversão ao cristianismo, tornou-se o grande divulgador do cristianismo primitivo. Foi quem organizou o cristianismo como Igreja. Treze epístolas do Novo Testamento são atribuídas a ele.

O imperador Nerva (96-98 d.C.) isentou os cristãos (provavelmente incluindo os cristãos judeus) de pagar o "fiscus judaicus", o imposto de capitação judaico (tributo por cabeça) decretado como uma punição após a revolta de 66-73 d.C. Claramente, os romanos, agora, consideravam os cristãos como um grupo separado. O caminho estava pavimentado para a legitimação do cristianismo como uma religião lícita em Roma.

O ambiente político em Roma estava repleto de religiões diferentes, além do politeísmo romano. Economicamente o Império Romano se degradava e caminhava lentamente, inexoravelmente, para queda.

A princípio, a doutrina cristã era simples, sem fundamentação filosófica, constituída por regras de moral e pela crença na salvação ditadas pelo Novo Testamento. Foi quando passou a ser um instrumento de contestação da ordem vigente, entrando em conflito com os romanos pagãos. Para fazer face ao paganismo e adaptar-se aos senhores de Roma, o Cristianismo teve que encontrar um embasamento filosófico mais adequado. Buscou esse suporte filosófico ao adaptar-se aos ensinamentos dos filósofos gregos.

Quando Constantino, o Grande, tornou-se imperador romano, proclamado em 25 de julho de 306, os problemas já eram muito grandes. Além disso as invasões bárbaras aconteciam com frequência. O cristianismo crescia como algo bizarro, exótico, no império do estranho Sol Invictus, o Deus Sol oficial do Império Romano. Ser cristão no Império Romano, até meados do século IV, era seguir e venerar um revoltoso que o Estado romano punira pelos crimes de sedição. Mesmo assim, o cristianismo evoluiu até conquistar o Imperador Constantino com a instrução "In hoc signo vinces", que era a tradução latina da frase grega "ἐν τούτῳ νίκα", que significa "com este sinal vencerás".

Na noite de véspera da Batalha da Ponte Mílvia, no ano 312, Constantino alegadamente sonhou com Jesus lhe dizendo que “sob este sinal vencerás” e no dia seguinte o imperador mandou colocar nos escudos, e nos estandartes de suas tropas, inclusive no seu próprio capacete, o monograma com o nome de Jesus Cristo em grego (⳩). A vitória de Constantino sobre Maxêncio foi associada ao seu sonho. Assim, o cristianismo conquistou o imperador e deixou de ser mais uma entre tantas seitas e passou a ser uma religião de vanguarda. A Igreja se associou ao poder romano. Daí em diante, recebeu grande apoio dos imperadores, “cujos poderes ela absorveu aos poucos, tendo um aumento rápido no número de adeptos, na riqueza e no raio de influência.” [DURANT, 2000, p. 116].

O imperador Constantino I institucionalizou os dizeres: “Um Deus no Céu, um Imperador na Terra” e, em 313 d.C., editou conhecido Édito de Milão, lei que garantia liberdade para cultuar qualquer deus. Roma entendeu que a religião podia ser importante como garantidora da coesão interna e durabilidade do Império. 

A partir do século IV, com o Imperador Constantino, começaram a ser definidos os ritos cristãos pelos líderes dessa Igreja. Havia cinco patriarcas ou bispos espalhados nas principais cidades do Império Romano. Esses patriarcas diziam-se herdeiros dos apóstolos de Cristo e, a partir do século seguinte, definiu-se que o bispo de Roma seria o mais importante deles, chamado de Papa, o vigário de Deus na Terra, pai de todos os cristãos.

Não há um momento específico em que a Igreja de São Pedro, em Roma, passou a ser chamada de Igreja Católica. O termo "católico", derivado do grego katholikos, que significa universal, começou a ser usado gradualmente a partir do século II para descrever a Igreja que se espalhava pelo Império. No entanto, a denominação oficial de "Igreja Católica" surgiu no século IV, durante o Concílio de Niceia, em 325 d.C., quando a Igreja foi definida como "a instituição universal do cristianismo" e se tornou um símbolo do poder e da autoridade papal.

O declínio dos antigos cultos pagãos, junto ao enorme sucesso do cristianismo, acabariam por levar à aceitação da nova fé como a religião oficial do Império Romano, em 380 d.C. 

Durante o império de Constantino (306 d.C.-337 d.C.), o cristianismo passou a ter uma posição especial. Essa distinção aumentou ainda mais quando passou a ser
reconhecido como religião oficial do império, no governo de Teodósio (ano 380). O clero passou a claramente ter privilégios que os destacavam dos cidadãos comuns e dos diversos grupos de profissões.

Durante o governo de Teodósio, o cristianismo se tornou a religião oficial do Império, enquanto as outras doutrinas passaram a ser marginalizadas. O imperador desejou não apenas converter seus súditos, mas também tornar a nova religião uma instituição universal e oficial.

Favorecido pelo poder imperial o cristianismo começou cada vez mais a se expandir com ímpeto. A Igreja passou a ser mais institucionalizada, configurando-se uma hierarquia eclesiástica com competências administrativas e jurisdicionais. Estabeleceu-se o estatuto privilegiado aos clérigos, que passaram a usufruir de benefícios fiscais e a dispor de patrimônios resultantes de doações. No IV século, numerosas igrejas foram construídas graças às doações imperiais, templos notáveis que se assemelhavam ao palácio do monarca.

Com isso, a Igreja perdeu liberdade devido à interferência do poder imperial e ganhou um espaço cada vez mais amplo dentro das esferas do poderio estatal.

Em 380 d.C., quando o cristianismo se tornou a Igreja oficial do Império Romano, foi instituída a Santa Sé (Sancta Sedes), nome dado à cúpula do governo da Igreja Católica, chefiada pelo Papa e composta pela Cúria Romana, entendida como o conjunto de órgãos que assessora o Sumo Pontífice  (o Papa) em suas atribuições. 

No século 393 d.C, a Igreja convocou bispos para discutir e deliberar sobre a lista oficial dos livros que deveriam ser considerados como de "divina inspiração" e que, portanto, deveriam compor a Bíblia e serem proclamados nos cultos nas comunidades. Assim foi instaurado Concílio de Hipona. Neste concílio foram definidos os conteúdos que deveriam compor a Bíblia Cristã. Ela foi dividida em duas partes : o Novo Testamento e o Velho Testamento.

Novo Testamento é a coleção de livros que compõe a segunda parte da Bíblia cristã, escolhidos pela Igreja Católica no Concílio de Hipona, dentre centenas de outros livros que foram considerados apócrifos, ou seja, falsos, suspeitos, por não representarem a história conforme o aceitável pela Igreja da época. O Novo Testamento apresenta Jesus, seus ensinamentos e descreve os eventos do cristianismo do primeiro século.

A primeira parte da Bíblia cristã é chamada pelos cristãos de Velho Testamento.

Atualmente os cristãos consideram o Antigo e o Novo Testamento como uma mesma Escritura Sagrada, que são considerados de inspiração divina ou "recebidos" diretamente de Deus.

Com tudo isso, o Jesus místico se distanciava cada vez mais do judaísmo em que ele estava originalmente inserido, e como lenda servia ao Império Romano, o que também exigia algumas mudanças em sua mensagem. Os textos foram reescritos para convencer um público urbano, muito diferente dos camponeses para quem Jesus pregava.

A Igreja cristã recebeu grande apoio dos imperadores, cujos poderes ela absorveu aos poucos, tendo um aumento rápido no número de adeptos, também na riqueza e na sua expansão pelo mundo. No final do século IV, as cidades já estavam cercadas de mosteiros e conventos. A Igreja cristã cresceu tanto no número de fiéis como na quantidade de propriedades.

Quando aconteceu a queda do Império Romano do Ocidente, no século V, com os bárbaros já instalados definitivamente no Império Ocidental, o cristianismo já era religião oficial e a doutrina cristã já estava bem delineada. O Imperador do Oriente já estava investido de poder divino, a vida nos mosteiros já estava organizada e a hierarquia da Igreja já estava regrada e resguardada.

A igreja cristã começou a se organizar em vários países do mundo. Muitas vezes substituía o Estado, que se afundava no caos da decadência. Aos poucos a Igreja se transformava numa organização internacional.

Foi assim que o cristianismo, que começara na Judéia, expandiu-se por todo o Oriente Médio, acabando por se tornar a religião oficial da Armênia em 301 d.C., da Etiópia, em 325 d.C., da Geórgia, em 337 d.C., e, depois, a Igreja Estatal do Império Romano, em 380 d.C.. Depois de se tornar comum em toda a Europa, na Idade Média, o cristianismo se expandiu por todo o mundo ocidental, durante a Era dos Descobrimentos, entre o século XV e o início do século XVII, durante o qual, portugueses e espanhóis e, posteriormente, alguns outros países europeus exploraram intensivamente o globo terrestre em busca de novas rotas marítimas de comércio.

A Igreja cristã já não tinha quase nada do que Jesus Cristo pudesse ter imaginado! Em seu auge, nos séculos XVI e XVII, a "Santa Inquisição" condenou à morte e executou mais de 100 mil pessoas, entre mulheres, homens e crianças, considerados hereges (pessoas que adotam ou sustentam ideias, opiniões, doutrinas etc. contrários às admitidas pela Igreja). As mulheres eram o alvo principal, geralmente acusadas de bruxaria! Era o poder político-religioso executando "seus inimigos"! Nada pode estar mais distante das convicções de Jesus Cristo que, supõe-se, pregava a liberdade com paz e justiça.

Do século XV ao  XIX, a Igreja apoiou o tráfego de negros da África para a Europa e principalmente para as Américas. Os escravos eram obrigados a se converteram ao cristianismo! Portugueses, espanhois, holandeses, ingleses, franceses e dinamarqueses capturavam os negros no interior do Continente Africano ou os compravam nas regiões litorâneas para trabalharem como escravos no continente europeu e no continente americano. Só para o Brasil, essa migração forçada resultou na chegada de milhões de cativos africanos. Estima-se que, entre 1780 e 1790, foram importados mais de 80.000 escravos por ano.

Ainda hoje é difícil encontrar a verdadeira história de Jesus, ou seja, a História de Jesus antes do cristianismo deturpá-la.

Os governos e os fiéis abastados faziam enormes doações à Igreja, enquanto os miseráveis continuam como miseráveis assistidos pela Igreja.

Em 1929, para dar fim às frequentes disputas territoriais entre a Igreja Católica e o Estado Italiano, conhecidas genericamente como "Questão Romana", o ditador fascista Benito Mussolini e o Papa Pio XI assinaram o Tratado de Latrão, pelo qual a Itália reconheceu a soberania da Santa Sé sobre o Vaticano, declarado Estado soberano, neutro e inviolável. Assim, foi criada, dentro da cidade de Roma, a Cidade do Vaticano, a qual é um Estado, ou melhor, uma cidade-Estado.

A Cidade do Vaticano é um Estado eclesiástico. teocrático-monárquico, governado pelo bispo de Roma, o Papa. A maior parte dos funcionários públicos são clérigos católicos de diferentes origens raciais, étnicas e nacionalidades. É o território soberano da Santa Sé. É o local de residência do Papa, referido como o Palácio Apostólico.

Segundo declaração do Papa Francisco, a Igreja Católica tem hoje US$ 3 trilhões em bens imóveis. É uma das mais poderosas instituições religiosas e capitalistas do mundo.


3.3. O Cristianismo de hoje

A atual fé monoteísta de cristãos, judeus e muçulmanos é, de fato, uma das maiores manifestações do antropocentrismo no pensamento humano. Os seres humanos são considerados como sendo a obra prima de Deus. 

Nos meios culturais independentes é comum a pergunta: "Afinal, o que é Deus? Quem é o criador, e quem é a criatura?". Como não há qualquer indício, prova ou evidência lógica ou factual da existência de Deus, é forçoso que se conclua que o criador seja o próprio ser humano. Foi o ser humano quem criou deuses à sua imagem e semelhança. Por isso os deuses são tão humanos, capazes de extrema bondade, mas também de atos cruéis e vingativos, como mostra o Antigo Testamento.

Quantos deuses o ser humano já criou? A estimativa dos historiadores é que este número é de várias centenas de milhões de deuses e deusas! O ser humano cria deuses para afirmar sua própria natureza divina.

Nem todas as religiões são igualmente antropocêntricas. As religiões politeístas também têm deuses com aparência de animais, talvez porque alguns animais espelhem valores ou qualidades que os seres humanos veem ou gostariam de ver em si mesmos.

A crença de religiões orientais na reencarnação, comum, por exemplo, ao hinduísmo, o taoísmo, o budismo e o jainismo, afirma a existência de uma integração cósmica na qual nenhum ser pode ser considerado superior a qualquer outro. Não surpreendentemente, estas religiões estendem aos demais animais os preceitos de não-violência e muitas vezes defendem explicitamente o vegetarianismo. No entanto, nessas crenças, as divindades ainda são criaturas humanas e, portanto, também são crenças antropocêntricas. 

A não-violência preconizada pelas religiões originárias da Índia, por exemplo, só é defendida porque eles creem que almas humanas podem habitar o corpo de animais, os quais ainda são vistos como formas de vida menos evoluídas. Não obstante, trata-se de um antropocentrismo mais complacente, dúcteis, que redunda em respeito por outras formas de vida.

O monoteísmo abraâmico (o judaísmo, o cristianismo, e o islamismo), principalmente nos dois últimos, divide a natureza humana em duas: a boa e a má, e as separa nas figuras de Deus e do Diabo (Satanás). As aspirações morais do ser humano se tornaram aspirações divinas e a violação das mesmas, viraram atos pecaminosos.

Frequentemente os atos imorais são qualificados como bestiais, ou seja, típico das bestas, das feras, ou seja, típico dos não-humanos. Assim, ao mesmo tempo atribuem nossa moralidade a uma entidade externa – Deus – e nossos desvios morais às feras, às quais Deus e sua “moralidade” se opõem. Isto não apenas reafirma a superioridade humana sobre os outros animais, como nos separa deles. "Os animais têm instintos, nós temos razão e sentimentos”, dizem, os quais "vêm de Deus e só existem em nós, humanos"! Nós que "temos alma e fomos criados à sua imagem e semelhança". Isso é a negação da nossa própria condição de animais, e também a negação aos animais da posse de qualquer atributo considerado humano.

Fica óbvio que as religiões abraâmicas, além de antropocêntricas, são especistas, para validar a exploração e subjugo de uma espécie sobre outra. O especismo é refutado pela própria ciência humana, mas continua forte no subconsciente coletivo ocidental. Em outras palavras, o Deus abraãmico é antropocêntrico e especista, especialmente na sua versão popular, expressa pela maioria esmagadora daqueles que nele creem.

Esse tipo de pensamento tem levado ao tratamento cruel e desrespeitoso aos animais, já que não são considerados seres conscientes e racionais como os humanos. Além disso, essa separação entre natureza humana e animal tem resultado em na crença de que os recursos naturais são infinitos e podem ser explorados sem preocupação, o que leva a graves impactos ambientais.

É óbvio que a moralidade e os valores humanos não são exclusividade de uma entidade divina, mas sim fruto da evolução de nossa espécie e, portanto, compartilhados com outros animais. A consciência e a capacidade de sentir também são encontradas em diversos seres não-humanos, como é visível em animais que vivem em sociedades complexas e demonstram empatia e cooperação.

Desconstituir essa visão antropocêntrica e reconhecer a nossa interdependência com os outros seres vivos e com o ambiente é fundamental para construirmos uma sociedade mais justa e sustentável.

Se Jesus de Nazaré vivesse hoje e pudesse ver como ele é lembrado e o que fizeram de sua pregação, ficaria muito mais revoltado do que ficou no tempo de Jerusalém!


4. Por que ainda existem deuses?

Resposta: porque há muito mais do que 2 milênios a grande maioria das crianças, são doutrinadas para acreditarem neles e, assim, permanecerem dependentes deles.

A fé capacita-nos para ver o invisível, abraçar o impossível, e dá esperança no incrível", escreveu um Reverendo. [Samuel Rodriguez, “Religious Liberty and Complacent Christianity,” (“A Liberdade Religiosa e o Cristianismo Complacente)," The Christian Post, 10 de setembro, 2013].

Ver o invisível? Abraçar o impossível? Crer no incrível? Estes absurdos lógicos me causam repulsa! Isto é insensatez, desinteligência. Se frases assim, que contrariam a lógica, valem para os crentes, então posso recomendar que todos abracem estas outras: crer na dúvida, ter fé na dúvida, ter esperança na exasperação, exacerbar-se com a ciência!

Diz outro religioso [Rabbi David J. Wolpe] : "O nosso mundo moderno oferece-nos mais opções e possibilidades do que nunca antes. A ciência e a tecnologia ampliam continuamente o nosso conhecimento, e a diversidade de visões religiosas no mundo continua a crescer. Os nossos horizontes parecem estender-se mais longe e mais rápido do que nós somos capazes de assimilar. Mas, no final, continuamos a ser as mesmas criaturas espirituais. Ao longo das nossas viagens, o anseio interior perdura".

O que este religioso diz aqui está correto. De fato, a ciência evolui e amplia o nosso conhecimento, mas, mesmo assim, é crescente quantidade de criaturas que se julgam espirituais e continuam apegadas as mesmas crenças! Estagnadas!

Os religiosos não conseguem perceber o óbvio: a fé não admite a dúvida, logo bloqueia o pensamento, veda-se ao conhecimento científico. É por isso que é cada vez maior o número de criaturas que se julgam "espirituais"!

"Criaturas espirituais"? Para os crentes esta expressão parece ter sentido, mas para as pessoas capazes de aprender com o conhecimento científico da humanidade, não! Para estes esta expressão fere a lógica!

Espiritual, segundo as religiões, seria algo desprovido de corporeidade, seria algo imaterial. No entanto, não há nada de imaterial no universo. Matéria é tudo que tem massa (inércia) e ocupa espaço. O Universo que conhecemos é composto apenas por 4 tipos de matéria: Radiação (formada pelos fótons, que são partículas de luz), matéria bariônica (matéria formada por átomos), matéria escura  (matéria que não interage com átomos, a não ser gravitacionalmente) e energia escura (energia de vácuo quântico, cujas partículas são tão pequenas que ainda não são detectáveis, a qual é correlacionada com a constante cosmológica de Einstein).

Cerca de 5% da matéria é visível e o resto é composto de matérias escuras. Escura, aqui, significa que não emitem nem absorvem ou refletem qualquer tipo de radiação. Portanto, não têm luz e não reflete luz.

Logo, segundo a ciência, não há nada de imaterial no universo, exceto talvez, o espaço absolutamente vazio!

Portanto, as pessoas que se julgam espiritualistas negam a ciência, negam todo o conhecimento humano adquirido sistematicamente com base no método objetivo e inteligentemente definido, conhecido como método científico. Isto me parece ser o cúmulo da petulância!

Para o muitos religiosos, como se depreende do texto seguinte, nossos desejos são a verdade que a ciência ainda não descobriu!

Leia o que diz o mesmo religioso acima citado: "As religiões partilham uma visão comum: há algo de incompleto sobre nós. E assim ansiamos pela plenitude". Pelo contexto pode-se concluir sobre a intenção do religioso: se pessoas sentem que há algo "incompleto sobre nós", então o espírito existe! Logo, se há pessoas que não se conformam com a morte, então o espírito é eterno!

O que há de incompleto nas pessoas religiosas é a profunda desarmonia entre as crenças que lhe foram incutidas e os fatos da nossa realidade.

Sei que a maior parte do povo da Terra nem sabe o que é Ciência e portanto vive na base da pirâmide do conhecimento humano. Por outro lado, todos eles, inclusive muitos dos que conhecem a Ciência, são doutrinados desde tenra idade para crer nas religiões. Quem é doutrinado põe fé nos preceitos religiosos que lhe foram incutidos e, em geral, os leva como dogmas para o resto da vida!

O cérebro bloqueia todo o pensamento que possa por em dúvida as "verdades" incutidas. É assim com todo o fanático. A fé rejeita a dúvida! O crente se condena a resignação!

Para esta parte da população, e somente para ela, concordo com o religioso quando ele diz: "se cada pergunta tivesse uma resposta pronta, não seriam necessárias as orações; se toda a dor tivesse uma cura fácil, não haveria sede de salvação"; "se cada perda fosse restaurada, não haveria desejo de alcançar o céu"; "enquanto estas necessidades permanecerem, também permanecerá a religião".

Diz o religioso: "ser humano significa experimentar a incerteza, o sofrimento e a morte". Ele está certo, mas isto não é motivo para não se encarar a realidade, fingir não vê-la e fingir que assim a religião o salvará! É o que faz o religioso quando afirma: "No entanto, a religião é uma escola para fazer com que o caos faça sentido, é um hospital para curar as feridas invisíveis, é uma tábua de salvação que nos dá uma segunda hipótese".

Não devemos esquecer que as religiões se transformam em poder político para seus líderes. Em outras palavras, as religiões são absorvidas pelo poder político e servem também a outros propósitos inconfessáveis.

A doutrinação religiosa cumpre com o papel de resignar o povo!

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