domingo, 8 de novembro de 2020

Interesses pessoais intoxicam instituições

 Por Almir M. Quites



Com a eleição presidencial nos EUA em curso, os brasileiros esqueceram que, em breve, o STF deverá julgar o habeas corpus de Lula, na segunda turma. Este julgamento deveria ter sido feito em outubro, mas foi adiado e permanece sem data marcada. 
Será um julgamento político? Pode ser, mas não deveria ser. O STF deveria se ater aos preceitos jurídicos, mas não é o que tem ocorrido! 

A própria divisão do STF em "garantistas" e "punitivistas" é uma consequência da divisão ideológica. Garantistas são os juízes com a mania de interpretar a Constituição nacional do modo mais favorável aos réus, geralmente políticos do "alto clero" ou empresários poderosos. Legalistas são os que aplicam a lei com base no que está escrito na Lei, sem sobrepor interpretações de abrandamento. 

Em linhas gerais, há duas possibilidades: 
(a) Lula perde o habeas corpus e não poderá ser candidato em 2022; ou 
(b) Lula recupera os Direitos Políticos e, poderá se candidatar a cargos públicos.
 
O pano de fundo desta disputa jurídica será a atuação do Juiz Sérgio Moro. A aprovação do habeas corpus de Lula corresponde à um prenúncio de condenação de Sérgio Moro, consubstanciada na  anulação das sentenças de Lula. 

Sérgio Moro deixou de ser Juiz para avalizar a candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência da República. Bolsonaro o abandonou, porque ele tambem teme a Lava-Jato, inclusive em relação aos seus filhos. Bolsonaro aliou-se ao Centrão (onde muitos também parlamentares temem a Lava-Jato), e Sérgio Moro, que era odiado pelos petistas e seus aliados, passou a ser odiado também pelos bolsonaristas e seus aliados. 

Os interesses dos políticos contam muito mais do que os méritos da Lava-Jato e dos Juízes que, de fato, combateram a corrupção dos criminosos de grande poder.

Tenho visto, com frequência, críticas contundentes ao comportamento de Sérgio Moro enquanto Juíz nos processos da Lava-Jato. Vejo, jornalistas, como a Mônica Waldvogel, da Globo News, que o acusa de ter sido parcial naqueles julgamentos. Além disso, Sérgio Moro tem sido acusado de abuso nas prisões preventivas e na duração das mesmas

Eu discordo frontalmente disso. Para mim, Sérgio Moro tem sido injustiçado. A seguir explico o porquê. 

A decretação da prisão preventiva está prevista assim no artigo 312 co Código do Processo Penal (CPP):  "A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria". Logo, trata-se de um instituto legal, altamente necessário e bem regulamentado. De acordo com o artigo 313 do Código de Processo Penal, a regra geral é a permissão da prisão preventiva para os crimes dolosos, puníveis com reclusão, uma vez que presentes alguns dos fundamentos previstos no art. 312 do CPP.

Como uma medida cautelar, a prisão preventiva tem a sua duração condicionada à existência temporal de sua fundamentação, podendo ser revogada quando não mais presentes os motivos que a ensejaram, bem como prorrogada ante razões que a justifiquem.

Nunca me pareceu que o ex-Juiz Sérgio Moro tenha abusado da prisão preventiva e utilizado este instituto como "uma forma de pena antecipada". Também não concordo que ele tenha exagerado no tempo destas prisões, especialmente porque a revogação da prisão preventiva é algo muito sério, que precisa ser muito bem pensada, porque não se trata de concessão da liberdade provisória. O preso preventivamente, tão logo seja revogada a prisão, tem a sua liberdade integralmente restituída, sem a imposição de quaisquer restrições. A revogação precipitada da prisão preventiva pode inviabilizar todo o processo penal, como ficou claro no caso presente, relativo ao André do Rap (líder do PCC, Primeiro Comando da Capital, organização criminosa do Brasil), precipitadamente solto pelo ministro Marco Aurélio de Mello. 

Para mim, Sérgio Moro foi vítima dos políticos. Tem sido acusado a partir de divulgações de um "site" denominado "The Intercept Brasil", comprometido com a oposição à Moro, utilizando dados colhidos ilegalmente e cuja autenticidade nunca foi comprovada. Este "site" faria o mesmo com qualquer outro juiz que tivesse condenado seus políticos favoritos. Ou seja, o que Sérgio Moro sofre, não difere de um linchamento público que foi tolerado pelas autoridades constituídas.

O grande anseio dos cidadãos brasileiros sempre foi o combate rigoroso à corrupção. Vivemos num país sem lei, com uma Constituição mal feita, completamente desconsiderada, inclusive pelo próprio Supremo Tribunal Federal (STF), que frequentemente coloca suas interpretações acima do disposto no texto. 

Temos um país onde o judiciário está a serviço da classe econômicamente poderosa. 

Estou exagerando? Não! Agora mesmo temos um exemplo disso: o Presidente da República é investigado em processo legal que corre no STF, mas visita os ministros deste tribunal (que vai julgá-lo) em suas casas e junto com eles escolhe quem será o novo ministro a integrar a Corte, em substituição àquele que se aposentou. Isto é, o réu escolhe o novo membro da corte que o julgará e o faz junto com integrantes do próprio STF, em visita informal às moradias deles! Este novo integrante de STF, recém empossado (05/11) é o ministro Kassio Nunes Marques, o qual será o relator de processo do filho do Presidente Bolsonaro. Refiro-me ao recurso da Rede Sustentabilidade, que requer o fim do foro privilegiado do senador Flávio Bolsonaro, no caso das "rachadinhas".

Enquanto isso, a parte da sociedade brasileira ainda capaz de não se deixar levar pela propaganda política, inclusive aquelas que se disfarçam de notícias, continua a cobrar por melhores serviços públicos e por mais eficácia das instituições estatais, especialmente da Justiça. A sociedade continua cobrando o duro combate à corrupção e à lavagem de dinheiro no país.

Neste sentido, ressalto o discurso de posse do Ministro Fux como novo presidente do STF.  Fux defendeu os avanços gerados nos últimos anos pelas operações de combate à corrupção, entre elas a Lava-Jato. Disse ele: "Não admitiremos qualquer recuo no enfrentamento da criminalidade organizada, da lavagem de dinheiro e da corrupção. Não permitiremos que se obstruam os avanços que a sociedade brasileira conquistou nos últimos anos em razão das exitosas operações de combate à corrupção, todas autorizadas pelo Poder Judiciário brasileiro, como ocorreu no 'Mensalão' e com a Operação Lava Lato". 

Porém, os poderes de muitíssimos políticos brasileiros se somam num enorme esforço para que a população brasileira se esqueça do grande serviço já prestado pela Operação Lava-Jato. O que a população e seus dirigentes não deveriam esquecer é que atualmente apenas 1,4% dos presos responde por crimes contra a Administração Pública!

A operação Lava Jato passa por uma série de questionamentos e mudanças, especialmente patrocinadas pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, pau-mandado do Presidente da República. Aras critica a centralização de informações levantadas pela Operação, que ele comparou a uma “caixa-preta”, como se investigaçoes não precisassem ser sigilosas para que sejam possíveis. 

No início de setembro, o coordenador da Lava Jato em Curitiba, procurador Deltan Dallagnol, anunciou que deixaria a força-tarefa, após reveses e desgastes decorrentes do atrito com a PGR, envolvendo o compartilhamento de dados sigilosos. Um pouco antes, sete procuradores da força-tarefa da Lava-Jato em São Paulo tinham se desligado coletivamente. Eles alegaram "incompatibilidades insolúveis com a atuação da procuradora natural dos feitos da referida força-tarefa, Dra. Viviane de Oliveira Martinez". No fim de agosto, a força-tarefa em Curitiba pediu à PGR a prorrogação dos trabalhos por mais um ano. A PGR, porém, restringiu a prorrogação somente até janeiro de 2021.

Todas estas ações indevidas contra a Lava-Jato desconsideram o valor que ela já teve e só se concentram em pequenas falhas discutíveis. A atual polarização política, junto com o radicalismo decorrente, cega a população e os agentes políticos, que colocam a questão como se fosse uma batalha entre "punitivismo" e "garantismo", este no sentido de "mania de relevar crimes". É como se houvesse apenas dois caminhos: ou se combate o 'punitivismo' ou se volta ao "relevantismo" (mania de relevar), como se fosse impossível termos simultaneamente uma democracia plena e o combate a corrupção por meio de um judiciário justo e eficaz. 

Um judiciário justo não protege os cidadãos abastados e/ou poderosos enquanto pune os cidadãos desprovidos de qualquer poder. Um judiciário justo condena todo aquele que se envolve em práticas criminosas, ainda que pertença aos segmentos abastados da sociedade.

É o que Sérgio Moro queria. É o que ele ousou fazer: condenar poderosos com os mesmos critérios com que são condenados os demais cidadãos brasileiros! 

Ele sabia que seu ato exigia coragem e que ele estava assumindo o risco de ser implacavelmente atacado pela Organização Criminosa Maior (OrCriM), aquela que tem tentáculos poderosos no Estado brasileiro. 

Há um ano, acontecimentos históricos, de suma importância, moldavam o nosso retrocesso hoje. Em 12 de novembro de 2019 (logo há 11 meses) publiquei, no meu blog, o artigo abaixo. Nele, eu apontava as mudanças que estavam ocorrendo e as suas implicações. Hoje, você mesmo pode constatar como nosso presente foi afetado. Vale a pena relembrar! Confira! 

⬇️  👇TEMPOS PERIGOSOS 👇 ⬇️

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