sexta-feira, 17 de julho de 2020

CoViD-19 em Floripa III

Por Almir M. Quites



Apresento  dados e previsões atualizados sobre a CoViD-19 em Florianópolis e mostro como a forma com que os dados são apresentados pela Prefeitura municipal dificultam a análise da evolução da doença. 

A Prefeitura de Floripa disponibiliza estes dados aqui: CoViD Pmf  . 

Todo o cidadão tem acesso aos dados para fazer sua análise, mas  só os principais estão lá e sem qualquer explicação sobre a metodologia. Além disso, diariamente a Prefeitura atualiza retroativamente os números de casos confirmados (números dos dias passados). Embora não esteja claro, parece-me que todos os novos casos confirmados são registrados no dia da notificação e não no dia da confirmação oficial. Assim, os dados do passado mudam todos os dias, são instáveis. Em consequência, as previsões que se pode fazer com eles também são instáveis. 

A curva epidemiológica mostra a evolução da doença com o tempo. Notem bem, o que deve variar com o tempo é o número de pessoas contaminadas pela doença ou o número de óbitos, não a própria curva epidemiológica. Ela cresce ao longo do tempo pelo número de dados que representa, mas os dados registrados devem permanecer constantes, caso contrário não se pode fazer análises da curva nem compará-la com as curvas de outras cidades, estados ou países.

Os dados que a prefeitura publica ficam variando todos os dias. A cada novo dia os novos números de casos estão subestimados, porque vão crescer nos próximos dias. Quanto mais recentes, mais subestimados estão. Em outras palavras, a aclividade da curva de evolução temporal do número de casos confirmados fica menor que a real. 

Por exemplo: 
  • Ontem, dia 15/07, anotei o número total acumulado de casos confirmados, o qual era 3290. Hoje, verifiquei que o dado de ontem passou a ser 3421. Ou seja, hoje foram lançados mais casos confirmados no dia de ontem. 
  • número de total acumulado de casos confirmados em 05/06/2020 era 2855 e hoje (16/07/2020) já consta para aquele mesmo dia o número 1020 (Como diminuiu? Não eram casos já confirmados?).
  • O dado do dia 04/06 era 2635 e hoje lá consta  979 (também  diminuiu. Por que?). 
  • A revisão diária do passado segue por semanas a fio.  
Esta metodologia de registro impede que se faça previsões confiáveis para  futuro e também impede os estudo de mudanças de mecanismo na evolução da virose. 

Esta metodologia de registro sempre faz parecer que já se está chegando no ponto de inflexão da curva exponencial, o que não é verdade. 

Esta prática conduz à subestimação dos riscos. 

Os casos em análise, quando confirmados, deveriam ser registrados na data da confirmação e não na data da notificação

A metodologia da Prefeitura deve ter suas razões, mas certamente não segue a padronização internacional. Gostaria de saber quais foram as razões para proceder assim. Por que a curva epidemiológica deve ser feita pelo dia da notificação e não pelo dia da confirmação do caso?

Se a Prefeitura quiser manter esta metodologia, pelo menos deveria:  
  • deixar muito claro no seu "site" que aqueles números de casos confirmados são retroativamente mutáveis, por serem alocados diariamente na data da notificação;
  • explicar porquê, em alguns casos, os números de casos confirmados antigos diminuem;
  • disponibilizar também a evolução dos dados diários dos casos "em análise", desde o primeiro dia da CoviD ; e
  • disponibilizar a base de dados de modo que possa ser facilmente copiada pelos cidadãos com um simples "Crtl C". Assim os cidadãos de Floripa poderiam usar estes dados sem ter que copiá-los um por um para, então, fazer suas próprias análises.  
A transparência é um dever do Estado em todos os seus níveis.

A forma dos diferentes municípios do Brasil contabilizar os casos da CoViD deveria ser nacionalmente padronizada e, acima de tudo,  respeitar os padrões internacionais, para que os dados de todo o mundo sejam comparáveis. 

Isto que a Prefeitura de Floripa faz parece ser o mesmo que o Ministério da Saúde quis fazer, após a última troca de ministros, e que gerou uma reação nacional. Estou certo? 

Até hoje, aqui em Floripa, temos 3432 casos confirmados e 34 óbitos. Os óbitos aumentaram 70% nas últimas duas semanas. Como temos, ainda em análise, 3492 casos, o número oficial real de hoje é de fato maior, mas o dado de hoje só será alterado no futuro. Supondo que cerca de 1/3 dos casos em análise agora venham a ser confirmados no futuro para registro no dia de hoje, então o número oficial real de casos da CoViD, hoje (repito), deve estar em torno de 4600, portanto muito maior dovque o informado, quase 35% maior! 

Bem, agora, deixando de lado as queixas, passo a analisar os dados oficiais da nossa cidade mesmo sabendo que a realidade é mais grave.

O dado mais importante é o número de casos confirmados, porque é a partir deste número que se pode prever o futuro da série de novos casos diários e, assim, prever o impacto da doença sobre o Sistema de Saúde da cidade. Este impacto pode colapsá-lo. Quando o sistema colapsa por excesso de demanda, os superlotados hospitais não podem atender os doentes da CoViD nem os de nenhuma outra doença, nem mesmo vítimas de qualquer acidente.  

Observe o gráfico que segue, de 10 dias atrás. Nele temos, na régua horizontal (eixo das abcissas), o tempo, contado em dias a partir de 22 de fevereiro de 2020. Na régua vertical (eixo das ordenadastemos o número de casos da doença oficialmente confirmados. Assim, a cada dia da régua horizontal temos um ponto da curva que representa o número total de casos confirmados até aquele dia. 

Aqui está o gráfico citado, do dia 06/07.



Este gráfico foi o publicado em meu último artigo, no dia 06/07/2020. Nele tínhamos os números totais dos casos confirmados, até aquele, marcados com bolinhas vermelhas. Daí em diante, tínhamos quatro curvas (em linha contínua) calculadas pela função logística. Todas se ajustavam às bolinhas vermelhas. Portanto eram previsões matemáticas do futuro. A curva em vermelho era a previsão mais otimista, mas os dados confirmados já se afastavam dela. A preta era a mais pessimista. Naquele artigo eu perguntava: — por qual delas vamos seguir? Isto dependeria do comportamento do povo, quanto maior fosse a imobilização e o isolamento social, mais chance teríamos de ter menos doentes da CoViD, menos mortes e menos tempo de restrições sociais e econômicas.  

Desde então, passaram 10 dias. Agora compare aquele gráfico com o de hoje, dia 16/07

Observe o seguinte: 
  • Como estes números serão retroativamente aumentados, todas as bolinhas vermelhas (a dos dados do passado) deste gráfico foram deslocadas para cima e continuarão sendo, nos próximos dias. A curva de bolinhas terá sua aclividade aumentada por conta da inclusão de casos passados que ainda estão em análise. 
  • Todas as curvas de previsão (de linhas contínuas) feitas anteriormente ficaram para trás nestes 10 dias.  Não valem mais. Em parte, isto ocorreu devido à correção retroativa dos dados oficiais, mas também devido a um agravamento da CoViD. Infelizmente não dá para separar estes dois efeitos (o real e o burocrático). O segundo efeito, que é fundamental, ficou indistinto, invisível. 
  • Três das curvas do artigo anterior continuam no gráfico atual, mas já estão superadas pelos novos dados. Então incluí uma nova curva de previsão, que se ajusta aos dados oficiais passados na data de hoje. Esta prevê o platô em 7000 casos.
  • Como a bolinha vermelha de hoje corresponde a um dado oficial subestimado, fiz uma estimativa de onde ela estaria, caso 1/3 dos casos em análise sejam confirmados para registro no dia de hoje. Calculei e coloquei a bolinha do dado oficial real (casos confirmados mesmo, até hoje) na marca de 4600 casos confirmados. Se eu traçasse a nova curva logística a partir dos dados corrigidos desta forma, o platô superior subiria para mais de 9000 casos da CoViD. 


Os dados confirmados deveriam ser anotados na data da confirmação, porque assim os dados não mudariam mais no futuro. De que adianta registrá-los no dia da notificação, uma vez que isto implica em tornar instável toda a curva, impedindo análises e comparações da evolução da doença? Do modo como tem sido feito, o ponto de inflexão da curva sempre parecerá estar chegando e o número diário de casos confirmados da doença será calculado para menos em todos os dias futuros, mesmo no ponto de inflexão da curva. 

Observe que, no gráfico acima, o dado mais atual de Floripa, (de 16/06) ainda está abaixo da altura do ponto de inflexão, mas "chegando nele". Este ponto corresponde ao dia mais crítico para o Sistema de Saúde, portanto sua previsão deveria ser prioridade. É o dia em que o número de novos casos diários é maior. Antes dele ser alcançado,  o número de novos casos da COViD-19 é crescente. Quando isto acontecer, teremos leitos de UTI suficientes aqui na nossa Floripa?  

Observe a curva  vermelha. Veja, parece que já estamos chegando no ponto de inflexão, mas isto é ilusório, devido aos problemas já apontados. Com a metodologia usada pela Prefeitura, não dá para prever este dia com antecipação, portanto também não dá para prever o número de casos novos neste dia, a menos que se faça suposições como a que indiquei acima. Suposições aumentam o risco de falhas.

Pela ilusória curva traçada, com os dados oficias de hoje (a curva vermelha), no dia do ponto de inflexão, teremos de 40 a 50 novos casos por dia. Para quem gosta de matemática, esta é equação da curva vermelha
y = 7000/{1+exp[-0,05.(t-145)]}, onde y é o número de casos confirmados e t é o tempo em dias desde o primeiro caso. 

No entanto, sabemos, as correções retroativas que serão feitas pela Prefeitura vão agravar estes números nos próximos dias. Isto retarda no tempo o acesso à realidade da CoViD e mantém subestimadas as previsões matemáticas.

Infelizmente, ainda tenho que descobrir um meio de superar a dificuldade que a metodologia da Prefeitura impõe ao cidadão que deseja analisar a situação da CoViD em Floripa. 

Depois do verdadeiro dia do ponto de inflexão ser ultrapassado, o número de novos casos diários de CoViD começará a se reduzir lentamente, mas os profissionais da saúde só sentirão este alívio no mês de setembro.

Espero ter mostrado que, embora pareça que nós, aqui da nossa ilha, no Sul do Brasil, estajamos bem, controlando as hordas de vírus, o fato é que não sabemos o futuro com certeza. 

Não podemos relaxar. Não devíamos estar abrindo o comércio e o sistema de transportes, como estamos fazendo. Apenas estamos defasados, numa fase anterior em relação aos outros estados e cidades do Brasil. E pode ser que segundas ondas originárias de outros municípios ou Estados ainda estejam por chegar!

O vírus se propaga por caminhos preferenciais (logo, bem diferente  do processo válido para a chamada imunização de rebanho). Estes caminhos se esgotam quando a relação CLCA/CI, entre concentração local de contaminados ativos e a concentração de imunizados, cai a certo nível. Porém, quando o relaxamento das medidas de imobilização e isolamento social acontece, estes caminhos se desbloqueiam e os vírus voltam a circular. 

A única estratégia de defesa que temos é não deixar que os vírus passem de uma pessoa para a outra. Eles dependem disso para existir.

Se todos os brasileiros fizessem uma uma quarentena absoluta de 15 dias, o contágio seria interrompido e o vírus seria exterminado, porque ele só se reproduz dentro das pessoas. O vírus não dura mais que 5 horas no ar e não mais que 100 horas nas coisas. Em 15 dias, os contaminados, sintomáticos ou assintomáticas (ou com sintomas leves) se recuperamficam imunes e não mais retransmitem o vírus (embora ainda não se tenha certeza científica de quanto tempo dura esta imunidade)

Duas semanas seriam suficiente para ganharmos a guerra em pouco tempo. 

Foi o que a Itália fez na Lombardia, mesmo depois de estar numa situação muito grave. Uma quarentena rigorosíssima! Foi o que deu certo lá!

Apenas 15 dias! A quarentena eliminaria o contágio geral, mas a vigilância sanitária, especialmente nas fronteiras, deveria continuar muito atenta para isolar possíveis novos casos. Não iríamos permitir o surgimento de uma nova onda de contaminação.

No entanto, o nosso povo não é capaz de se unir para enfrentar o inimigo, nem o governo é capaz de conscientizá-lo, ao contrário, nosso governo foi o grande aliado do vírus! Enquanto as pessoas sustentam ridículas discussões sobre a CoViD-19, cheias de tolices e grosserias, a virose progride aceleradamente.

quarentena rigorosa sacrifica a economia a curto prazo para salvá-la da devastação pelo vírus a longo prazo

Cuidem-se e cuidem dos outros! 

Aqui está o artigo anterior sobre a CoViD em nossa cidade: 

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