domingo, 18 de agosto de 2019

A MP da Liberdade Econômica é um grande feito?

Por Almir M. Quites



Dois amigos do Facebook, Ronaldo Ferreira e José R. Umto, perguntam-me se considero a Medida Provisória 881, que trata da Liberdade Econômica, agora aprovada pela Câmara Federal, como um grande feito do governo Bolsonaro.

➡️ COMENTO

No dia 14 deste mês, foi aprovado, pela Câmara Federal, o novo texto da MP 881, conhecida como MP da Liberdade Econômica, a qual comentarei logo a seguir.

Antes esclareço que a MP da Liberdade Econômica, por ter sido aprovada, passou a ser Projeto de Lei de Conversão (PLV) 21/2019 e tem validade até o próximo dia 27, quando deverá ser o primeiro item da pauta do Plenário do Senado Federal, na próxima terça-feira (
20). Se for aprovada, então, transformar-se-á em Lei.

Para evitar confusões, continuarei chamando este Projeto de Lei de 
MP 881, ou MP da Liberdade Econômica

O Projeto de Lei tenta reduzir a distância entre a liberdade econômica preconizada pela nossa Carta Magna e a banalizada e consolidada liberdade Estatal de interferir na atividade econômica. A prática sempre se contrapoz indevidamente à Constituição brasileira.

Como o tema é muito amplo, não poderei abordá-lo em sua totalidade, mas farei alguns comentários importantes.

Em primeiro lugar, a eficácia de uma Lei, não importando a sua origem, depende tanto do Poder Executivo como do Poder Judiciário. Se qualquer destes dois poderes falhar, a Lei não se tornará eficaz. Logo, a simples edição de uma Lei não pode ser considerada um grande feito de qualquer governo.

Não bastam Leis, muito menos Medidas Provisórias. É preciso que exista um Poder Executivo que transforme a realidade de acordo com o que mandam as Leis. A função do Poder Executivo não é legislar, mas executar, tornar real o que as Leis determinam. Repito, para enfatizar: não se trata apenas de dar ordens, mas de realizar o que a Lei determina.

Passo agora à analise o mérito das intenções da MP em foco.

Aprendi sobre a importância da História com meu pai e minha mãe, ambos professores desta matéria, ele no curso de formação de oficiais militares e ela em escolas ginasiais da época. Então, aprendi a começar análises começando bem de trás no tempo.

Aprendi com meus pais que, em mais de cinco séculos de história, a política brasileira tratou de produzir mão de obra muito barata em grande escala em todo o vasto território nacional. Era gente sem qualquer possibilidade de ascensão social, especialmente por não poder possuir terras. As terras brasileiras tinham donos, desde as Capitanias Hereditárias.

No início, esses trabalhadores eram importados da África, à força. Depois, por foram imigrantes. Por obra de diferentes arranjos políticos e institucionais, a restrição ao acesso a terra, continuou a existir, mesmo no século XIX, com o incentivo à imigração de trabalhadores europeus de baixa escolaridade.

Com o tempo, a máxima conquista que estes trabalhadores tiveram foi uma mínima proteção do Estado, que, assim como o atual programa denominado Bolsa Família, os mantinha estagnados na dependência estatal.

Os trabalhadores brasileiros só podiam subsistir vendendo barato a sua força de trabalho e se mantendo na tutela do Estado ou fazendo carreira como funcionário público ou ingressando nas Forças Armadas.

Assim, o próprio Estado emperrava a evolução dos trabalhadores. Também emperrava a evolução dos pequenos negócios ao se imiscuir nas relações trabalho entre patrão e empregado, por meio de regulações e também ao cobrar pesados impostos do trabalhador e da empresa. Por puro populismo ou por considerar todo o trabalhador como absolutamente incapaz, o Estado assumiu a tutela do trabalhador. Assim, em qualquer demanda judicial, do trabalhador contra seu empregador, este, na verdade, enfrentava o Estado, como tutor do trabalhador.

Estas presunções do Estado brasileiro introduzem enorme insegurança jurídica nas relações de trabalho, o que dificulta geração de empregos.

Enquanto isso, nos EUA, a maioria das terras não tinham donos. Para possuí-las bastava reivindicar a titularidade. Isto fazia com que as terras que tivessem proprietários precisassem ser baratas para serem vendidas. Em contra partida, para que estes trabalhadores fossem contratados como assalariados por outros proprietários de terras ou por indústrias, o custo do trabalhador era bem maior. Lá, a procura por trabalho assalariado era menor e o salário tinha que ser maior. Lembro que o Sul dos EUA, que se baseou numa economia de mão de obra escrava ou barata, ficou atrasado em relação ao norte e foi derrotado na Guerra de Secessão (
Guerra Civil, 1861 e 1865).

No Brasil, este sistema de falsa tutela estatal do trabalhador foi impregnado na consciência nacional, especialmente pelo ditador Getúlio Vargas, como imprescindível à segurança do trabalhador. Ninguém percebia que isto tirava a iniciativa do trabalhador e ceifava suas chances de evoluir por sua própria competência.

Esta impregnação na consciência nacional se alastrou como um câncer que encarcerou e enrijeceu o Brasil. Agora se pretende mudar costumes fortemente impregnados na sociedade apenas com a edição de uma nova Lei?

Repito, a MP 881, traz à tona um dos princípios basilares da nossa Carta Magna, o qual nunca se concretizou: a liberdade econômica. Portanto, a meu ver, esta Medida Provisória visa avanços significativos, os quais não se concretizarão sem um trabalho duro do governo em seus três níveis. Além disso, MP foi feita de modo a expressar boas intenções, sem indicar as diretrizes para sua efetiva implantação no nosso tecido social. Ela precisa ser muito bem regulamentada. Regulamentar é deixar bem clara a sua aplicação em casos específicos, mas sem ampliar a intromissão do Estado na economia. Logo, no momento, os avanços a que a MP propõe não a tornam tão relevante como a propaganda atual faz supor.

Não basta editar a MP, é preciso um trabalho inteligente de reorganização da burocracia e de conscientização dos agentes. Leis não acionam mudanças permanentes. No caso em discussão, quem faz isso é o mercado de trabalho em conjunto com o Poder Executivo em seus três níveis e com o Poder Judiciário. É preciso construir todo um novo sistema institucional e operacional.

A maioria das disposições da MP 881 já existe em outras leis. Logo, não alteram a realidade atual. Fica claro que o principal objetivo da mesma foi sinalizar aos investidores estrangeiros que o país está empenhado na desburocratização das relações negociais. A Lei não devia ser instrumento para isto!

As legislações municipais e estaduais também tratam da autorização para empresas funcionarem. Uma lei federal sobreposta à legislação estadual e municipal, sem um trabalho sério e unificado de adaptação destas, só criará mais insegurança jurídica. 


A simples edição da MP 881 será apenas uma boa intenção, se o trabalho não for completo.

Muitos profissionais autônomos estão na informalidade não apenas devido à burocracia estatal, mas por outros problemas estruturais do país. É preciso desburocratizar as relações entre Estado e empresários no país.

Não acredito que a MP 881 sirva como incentivo para empreendedores estrangeiros se instalarem no Brasil. O ambiente de negócios no país continuará hostil à atividade empreendedora, a menos que outras medidas relevantes sejam de fato implementadas, como uma Reforma Tributária inteligente, por exemplo.

Contudo, não posso considerar que esta MP tenha saldo positivo, sem saber de sua eficácia futura, pelas razões já expostas. Há pontos positivos, só não sei se serão mesmo levados à prática. Por exemplo, os itens que preveem o fim da necessidade de permissão estatal para iniciar atividades de baixo risco, a vedação ao tabelamento de preços por parte do Estado e as novas regras para pequenas e médias empresas abrirem seus capitais para investimento estrangeiros. Isto também precisa ser regulamentado.

A medida também prevê a liberação tácita de atividades empresariais caso a administração pública não dê resposta ao requerimento do empresário nos prazos fixados. Também extingue a necessidade de autorizações para desenvolvimento e teste de novos produtos ou serviços, o que afeta diretamente as "startups", que precisam de uma série de liberações formais para inovar e adotar novas tecnologias. Tudo isso precisa ser regulamentado.
Enfatizo, há conflitos, como com a Reforma Trabalhista de 2017, como com a legislações municipais e estaduais. Por exemplo, a dispensa de alvarás e permissões para abrir um negócio conflita com as legislações dos estados e municípios.

A reforma trabalhista, por exemplo, não funciona só por falta de adequada regulamentação. Ainda há tanta desinformação que poucos sabem como agir para estar na legalidade. Ainda não se sabe como o Tribunal Superior do Trabalho vai interpretá-la. 

Não basta o Congresso legislar, o Judiciário também tem que participar da formulação das Leis, para maior garantia de que não serão consideradas inconstitucionais, o que não acontece no Brasil. Assessorar o Congresso é uma função que cabe à Corte Constitucional, portanto deveria ser uma função desempenhada pelo STF.

Enfim, o tema é muito vasto. Concluo minha análise sem poder esgotar o tema, mas afirmando que se trata de um MP de boas intenções, cuja eficácia dependerá de sua regulamentação e do trabalho do Poder Executivo para colocá-la em prática na nossa sociedade. A função do Poder Executivo é exatamente este: por em prática o que a Legislação determina.


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