sexta-feira, 28 de junho de 2019

A mancada brasileira e o acordo Mercosul & UE

Por Almir M. Quites


Desde o dia 21/06 estavam reunidos em Bruxelas os chefes negociadores dos países da UE e do Mercosul (Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai). Conforme o noticiário, persistiam alguns entraves relativos a questões ambientais, principalmente relativos à agricultura, à produção de carne bovina e de açúcar.

Ontem, nesta mesma hora de hoje, publiquei no meu Facebook, o seguinte texto: 

Bolsonaro espalha cizânia por onde passa. Agora mesmo, em viagem ao Japão para participar do G20, não soube encarar como construtivas as sinceras críticas de Ângela Merkel. Bolsonaro foi muito grosseiro com ela.

Ontem, a chanceler alemã, Ângela Merkel, disse que "é lamentável o que está acontecendo com o Brasil". Ela se referia ao desmatamento e ao uso de agrotóxicos na agricultura. Disse também que deseja conversar com o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, sobre o seu posicionamento sobre o meio ambiente. Ela disse assim: "Se for o caso, aproveitarei a oportunidade no G20 para ter uma discussão clara com ele". 

A respeitável líder alemã está preocupada com a expansão das atividades agrícolas no Brasil à custa do desmatamento e do uso inadequado de agrotóxicos. Isto afeta a União Européia, que faz duras exigências aos seus próprios agricultores.

Trezentas e quarenta ONGs européias e sul-americanas, incluindo o Greenpeace e a Amigos da Terra, tem questionado a agenda ambiental do governo Bolsonaro e o acordo comercial entre União Européia (UE) e Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai). As ONGs demandam "medidas mais rigorosas" contra o desmatamento e ao uso de agrotóxicos, mas Ângela Merkel acha prudente que se conclua o acordo com o Mercosul. "Não concluir o acordo com o Mercosul não contribuiria para reduzir o desmatamento no Brasil, ao contrário", disse ela e enfatizou: "Esta não é a resposta adequada para o que está acontecendo no Brasil".

O que está acontecendo no Brasil não começou no governo Bolsonaro, mas ele colocou abertamente sua intenção de aumentar a produção a qualquer custo, inclusive intensificou uso de agrotóxicos, o desmatamento e os conflitos no campo. 

Em outubro de 2016, eu já denunciava, em meu blogue, o descaso com o uso abusivo de agrotóxicos. O artigo foi este: 


Um dia depois...

Agora, há pouco, foi noticiada pela mídia brasileira a assinatura do acordo entre Mercosul e União Européia (UE)As negociações se iniciaram em 1999, mas ficaram praticamente paralisadas entre 2004 e 2010. O Brasil de Lula e a Argentina dos Kirchner paralizaram as negociações. Só no governo de Maurício  Macri, na Argentina, e de  Michel Temer, no Brasil, houve um empenho conjunto suficiente para uma negociação mais efetiva (a partir do final de 2016).

Após vinte anos do início da negociação, o Mercosul e a União Européia finalmente selaram pacto histórico de livre comércio entre os dois blocos. Juntos eles representam 25% do PIB mundial e um mercado de 780 milhões de pessoas. 

Após a sua aprovação pelo Parlamento Europeu, o acordo poderá representar um incremento do PIB brasileiro de 100 bilhões de dólares em 15 anos, mas isto dependerá do desempenho brasileiro no sentido de aumentar a sua produtividade. Segundo o comunicado do Governo brasileiro, o aumento dos investimentos previstos para o Brasil no mesmo período é de 113 bilhões de dólares. E as exportações para a UE podem crescer quase 100 bilhões de dólares até 2035. São previsões.

O presidente Jair Bolsonaro, que participa da cúpula do G20 em Osaka (Japão), classificou o pacto comercial entre o Mercosul e a União Européia como um dos mais importantes "de todos os tempos". "Histórico!", escreveu ele no Twitter.

Neste momento, como se observa na mídia brasileira, o acordo está sendo tratado mais como propaganda do governo do que como fato econômico internacional. 

O governo de Jair Bolsonaro pouco participou da negociação, já que foi empossado há cerca de meio ano. No final do governo Temer já se sabia que o acordo estava maduro. Dependia apenas que um dos lados cedesse um pouquinho mais. Tudo indica que Temer, já prestes a deixar o governo e em precaríssima situação política, não se atreveu a assumir esta perigosa decisão em seu governo. Ainda não sabemos quem cedeu nestas últimas semanas.

Além disso, o que foi aprovado agora foi apenas o protocolo referente ao acordo técnico entre os países, o qual é ainda uma proposta a ser apresentada ao Conselho Europeu, o órgão que reúne os líderes dos 28 países-membros da UE. Se for aprovado no Conselho, a proposta vai ser encaminhada para análise e aprovação do Parlamento Europeu. Então, este o distribuirá para análise aos Parlamentos nacionais de todos os países da UE e por mais alguns parlamentos regionais.

Este processo é politicamente muito complicado. O acordo UE-Canadá, cuja negociação tinha durado sete anos, quase foi rejeitado na Bélgica. 

No caso do Mercosul, há questões ambientais complicadas. Os partidos verdes participam de alguns governos na UE, como na Dinamarca e na Suécia. Além disso, têm bancadas expressivas em muitos Parlamentos nacionais e no Parlamento Europeu. Além dos verdes, o tema ambiental é importante para outros grupos políticos na Europa, inclusive para o movimento do presidente francês, Emmanuel Macron, o guardião do Acordo de Paris sobre o clima.

As ponderações sobre o desmatamento e o uso de agrotóxicos no Brasil, feitas pela chanceler alemã Ângela Merkel, aconteceram no Parlamento alemão quando ela respondia perguntas sobre as negociações com o Mercosul. Ela defendeu o acordo, mas ficou claro que, para os políticos europeus, o acordo comercial e as questões ambientais estão monoliticamente entrelaçados. Os europeus exigirão garantias e contrapartidas ambientais do Brasil, para facilitar a aprovação do acordo EU-Mercosul. Ângela Merkel foi cobrada por isso no Parlamento alemão. Deve ser sobre isto que ela queria conversar com o Presidente Bolsonaro.

Pena que o Presidente Bolsonaro, impulsivo e belicista, precipitou-se a atacá-la sem saber bem do contexto de suas afirmações. Mandar a premiê alemã "procurar sua turma", como fez o General Augusto Heleno Ribeiro Pereira, pôs em desnecessário risco o acordo comercial mais importante já negociado pelo Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.
Ficou a impressão que o Presidente e o General nem sabiam que o acordo estava na iminência de ser fechado.

Em toda esta história, quem deve estar bem contrariado é o Presidente Donald Trump, dos EUA, porque o acordo Mercosul & União Européia afeta o comércio do Tratado de Livre Comércio Trans-Pacífico. Além disso, convém lembrar que em março deste ano, 11 países, inclusive Canadá, Austrália e Japão (aliados do EUA) firmaram um acordo comercial de vulto, contrariando os interesses de Trump, que se isola e tenta manter uma guerra comercial com a China.
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