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sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

ADEUS, AMIGO HENRIQUE PRISCO PARAÍSO

 Por Almir M. Quites


A tristeza foi tanta que recordei meio século de lições. Não é possível descrevê-las aqui. Fiquei assim, triste, ao saber do falecimento de meu grande amigo Henrique Manoel Prisco Paraíso, aos 93 anos. 
Ele foi professor da UFSC, médico cirurgião, ex-secretário estadual da Saúde e ex-presidente da Associação Catarinense de Medicina. Foi pessoa destacada no Estado de Santa Catarina, inclusive Secretário de Estado da Saúde, no então Governo Colombo Machado Salles (1971-1975), e fundador das Faculdades de Medicina e de Enfermagem da UFSC.

Sim, ele deixa legados e grandes exemplos! Contudo, o mais importante, para mim, foi ter sido um grande amigo há mais de 50 anos!

Aos 23 anos, tornei-me professor do Curso de Engenharia Mecânica da UFSC, cujo Reitor era Dr. João Davi Ferreira Lima. Em 1969, se não me engano, eu conheci pessoalmente o Sr. Ferreira Lima, não como Reitor, mas como um divertido colega num curso de inglês. 

Terminado o curso, depois de alguns meses, fui surpreendido com um convite do Reitor para integrar a Comissão de Ensino e Pesquisa (CEP) da UFSC, órgão máximo do Sistema Acadêmico da Universidade. Isto foi de grande importância para mim, porque me ensejou conhecer dois membros do CEP que me impressionaram muito, pelo alto nível intelectual e pelo caráter. Estes foram: o Desembargador Osmundo Wanderley da Nóbrega e o Dr. Henrique Prisco Paraíso. Fomos colegas, no CEP da UFSC, até 1976.

Fizemos uma amizade muito sólida. Osmundo era 40 e poucos anos mais velho do que eu e Prisco apenas uns 15 anos mais idoso. Apesar da diferença de idade, conversávamos muito animadamente e, nos momentos de tensão, muito responsavelmente. 

Com Osmundo, com aquela pureza e bondade, que lembravam meu pai, aprendi muito sobre Direito e sobre a cultura antiga, grega e romana. Eu sempre gostei de História, porque meu pai e minha mãe eram professores desta matéria. 

Com Prisco aprendi muito sobre a natureza humana. Prisco tinha uma sagacidade impressionante. Ele percebia as sutilezas do comportamento das pessoas e sabia interpretá-las com sabedoria, elegância e humor, numa síntese que eu admirava. Certa vez, numa reunião, ele comentou comigo: “a polêmica é o pedestal das celebridades”! 

Por vezes, eu dava carona ao 
Prof. Osmundo. Levava-o de carro para sua casa, depois das sessões do CEP. Quando chegávamos lá, ficávamos uma hora ou mais conversando no carro! Osmundo era alegre, de temperamento jovial e perspicaz. 

Osmundo e Prisco foram amigos que fizeram diferença na minha vida. 
Prisco dizia: "A amizade é uma grata admiração recíproca".
 
Só deixei de visitar o Prof. Osmundo, quando ele deixou de me reconhecer.

Há alguns poucos anos, meu amigo Prisco me disse que eu estava fazendo com ele o mesmo que eu fizera com o Osmundo:  visitá-lo até o final de sua vida! Mas isto não aconteceu! Com a pandemia, Prisco e eu, ambos do grupo de alto risco, tivemos que nos resguardar. Até mesmo nossos frequentes contatos, antes por e-mail e depois pelo Whattsapp, foram escasseando. Até que percebi que ele não respondia minhas mensagens. Tentei telefonar algumas vezes, mas ninguém atendia ao telefone. Imaginei que ele tivesse viajado ou, talvez, tivesse problemas familiares... Até que, ontem, Noite de Natal, resolvi telefonar mais uma vez. O telefone chamou, mas ninguém atendeu. Preocupado, coloquei seu nome na tarja de busca do Google e... deparei-me com a notícia de seu falecimento!

Meus amigos mais admiráveis já não estão aqui! Eram sinceros, honestos e muito alegres. Era um prazer enorme conversar com eles e, com eles, aprender a viver! Eram pessoas de admirável cultura, capazes de entender as misérias humanas e analisá-las de um modo inteligente, altruísta e justo.

Adeus, Prisco!

Se existir o etéreo abrigo
para a vida eternizar,
Com certeza, caro amigo,
logo vou te visitar.

Tive a honra de prefaciar um dos seus livros de poesia, aquele com o título de Ontem e Amanhã, escrito pelos dois poetas: Henrique Prisco Paraíso e Rodrigo Meyer Prisco. Mais adiante transcrevo este prefácio aqui.

Agora, relembro o poeminha que fiz para o Prisco ha três anos, no dia de seu aniversário de 90 anos.

Rod. Jorn. Manoel de Menezes, 2377
Barra da Lagoa, Florianópolis - SC, 88061-701
Prisco, 90 Anos!
Pequeníssima homenagem do velho amigo Almir Quites
17/06/2017

Este junho é relevante
e este dia dezessete
é o mais exuberante
de dois mil e dezessete.

Eis aqui o debutante,
que apresento a sociedade.
Nele aflora radiante
a flor da excelsa idade!


Nosso papo, à distância, era principalmente sobre política e sobre questões transcendentais. Ele pensava muito sobre o significado da vida, da morte e do universo.

Prisco escreveu, em Poemas Outonais (Aflição), o seguinte: “A imaginação, qual voo incansável de ave migratória, conduz-me além dos limites do infinito, mas assalta-me a incerteza de quem sou e de qual minha missão. Desgasta-se o élan vital e percebo que, ainda maior que o mistério da morte, é a aflição de não entender o sentido da vida, a razão de viver.

Destaco este pitoresco e divertido esforço para conciliar fé e ciência: "Na tentativa de entender a origem do universo, apresento minha eclética posição, que a inexplicável explosão do inexistente deu origem a um ente sobrenatural, supremo e todo poderoso, que assumiu a tarefa de criar e dar ordem ao universo em expansão e determinar a evolução de todos os seus componentes". 

Em 2012, quando discutíamos sobre a “PARTÍCULA DE DEUS”, Prisco me enviou o seguinte e-mail:

24 de jul. de 2012 11:17

Sugiro leitura artigo Ferreira Gullar, Folha São Paulo de domingo, Dentro sem Fora. Abordagem leiga e curiosa como a minha. Abraços

"Particula de Deus"! Era assim que era chamado o Bóson de Higgs, partícula elementar cuja existência tinha sido prevista, pelo Físico Peter Higgs, em 1964, como requisito fundamental para confirmar a Teoria do Big Bang. A comprovação da existência desta partícula só ocorreu em 2013, em pesquisas feitas no Grande Colisor de Hádrons (LHC), e foi considerada uma das maiores descobertas da década.

Em resposta, enviei-lhe uma longa mensagem. A seguir:

Caro amigo Prisco

Tuas ponderações são sempre interessantes. Aliás, nosso diálogo, desde a década de 60, sempre foi instigante.

Gostei do artigo que me enviaste, do escritor Ferreira Gullar, intitulado O DENTRO SEM FORA. Retrata bem o desconforto de não entender.

Realmente é perturbador quando se é confrontado com algo novo. Nossas convicções anteriores são profundamente abaladas. O relato de Gullar mostra bem isso, especialmente no trecho em que nos conta como se sentiu ao tomar conhecimento, na sala de aula, de que a Terra girava em torno do Sol. Ele se perguntava: "A Terra é que gira e não o Sol? Mas eu via o Sol surgir por detrás da Camboa, passar por cima de nossa casa e ir descendo em direção ao rio Bacanga. Cansei de vê-lo -- uma bola de fogo -- desaparecer atrás do manguezal". No entanto, é justamente deste desequilíbrio, deste ameno desconforto, que nascem novas visões científicas e filosóficas.

No final do artigo, Ferreira Gullar demonstra que continua em conflito, embora não mais sobre o movimento do sol, mas sobre a criação do universo. Continua apegado à ideia de que tudo se resume a uma corrente cujos elos são alternadamente causa e efeito. Isto fica claro quando ele conclui: "Noutras palavras, não é que antes do Universo não existisse nada: existia apenas a energia que, por alguma razão, explodiu, gerando os prótons, elétrons etc." No entanto, Prisco, ele está errado. Não havia a energia! Desconcertante, não é? Nenhuma lei da física, nem a Lei da Conservação da Matéria, nenhuma lógica, é aplicável ao que havia antes do Big Bang. Nada havia, porque não existia o tempo. Logo não havia qualquer verbo, nem mesmo o “haver”. Pela Teoria da Relatividade Geral de Einstein, o espaço e o tempo juntos formam um contínuo de espaço-tempo, que contém energia e matéria”. O tempo do qual falamos, ao nos referir às priscas eras, antecedentes ao Big Bang, é imaginário, não tem existência física.

Assim acorrentados, presos nesta corrente de causa e efeito, tanto ateus como crentes têm o mesmo desconforto. Os ateus precisam explicar como o universo surgiu do nada. Os crentes precisam explicar como Deus surgiu do nada e como criou o universo assim, do nada absoluto. Dizer apenas “Deus criou” ou “foi milagre” não explica "nadica de nada".

Além da corrente de causa e efeito, como regra universal, os filósofos antigos também acreditavam na imutabilidade do nada. Os físicos tiveram que enfrentar estas questões de peito aberto, começando por defini-las melhor. Vários estudos excelentes têm sido produzidos há quase um século.

A física moderna entende que o nada absoluto é a própria imutabilidade, a constância absoluta; em outras palavras, a inexistência do tempo. Então, o nada absoluto não pode ter causa. Se não há o tempo, não há eventos, não há ação, não há criação. O vazio absoluto, eterno e imutável, não carece de explicação. É a hipótese nula. Só a existência de algo é que exige explicação. Então a corrente de causa e efeito tem um fim e isto não é tão estranho como pode parecer à primeira vista.

Para os cientistas modernos o nada físico não é absoluto, é apenas o insondável, porque dele surgem partículas e para ele elas voltam. O nada instável, caótico e insondável da mecânica quântica é muito melhor que o nada absoluto e infinito dos antigos filósofos.

A primeira vista pode parecer impossível que algo possa surgir do nada. Parece normal que tudo tenha uma causa que lhe anteceda. Mas a física moderna rejeita esta premissa, porque muitos acontecimentos não têm causa, especialmente no nível quântico, mas não apenas nele. Por exemplo, num jogo de dados, qual a causa de cair o três e não outro número? O acaso existe! Já foi matematicamente demonstrado que num fenômeno complexo, mesmo regido por leis supostamente determinísticas, um desvio fortuito e infinitesimal causa um efeito final completamente diferente, inesperado e imprevisível. Este fato ficou conhecido como "efeito borboleta" e deu origem a conhecida expressão alegórica: “o bater de asas de uma borboleta por aqui pode provocar um furacão no outro lado do mundo”, uma referência à dependência sensível às condições iniciais dentro da teoria do caos. Este efeito foi analisado pela primeira vez em 1963 por Edward Lorenz.

Não se trata de ignorar as causas, mas de entender que é normal que causas possam ser insondáveis ou mesmo indetermináveis. Por exemplo, não se pode saber, ao mesmo tempo, a velocidade e a posição exatas de um elétron porque ele não tem velocidade e posição simultaneamente. O resultado da medição de um destes atributos é uma variável aleatória e não o efeito de uma causa oculta. Isto decorre do princípio da incerteza, formulado em 1927 por Werner Heisenberg.

O tempo é o efeito da mutabilidade aleatória deste universo. Portanto, faz parte dele e não pode existir antes dele. “Antes do universo” é como “abaixo do centro da Terra” ou “ao sul do Polo Sul”. Não faz sentido.

Como a causa tem de ocorrer antes do efeito, isto implica que o universo não pode ter causa. É claro que os crentes podem alegar que a obra de Deus não precisa de tempo, mas, nesse caso, Deus passa a ser uma fantasia ou um tipo de causa ad hoc, jamais observada, mas pensada sob medida para o que não se sabe. Assim, Deus passa a ser uma criação tipicamente humana, o que fecha o ciclo: o Homem criou Deus, o qual criou o Universo, que criou o Homem, que criou...

O criacionismo medieval da teologia é um mar de premissas sem fundamento. A cosmologia moderna é composta por hipóteses extrapoladas das teorias mais bem fundamentadas que possuímos. Isto é ciência. Toda a ciência nasce de um desconforto. Este delicado desconforto não deve ser evitado. Ele é a essência do viver.

Em resumo, a cosmologia moderna indica que o nada absoluto, da hipótese nula, não existe ou não interessa. O que existe é o nada caótico e instável. Esta bolha de espaço-tempo que chamamos universo surgiu espontaneamente, sem ter nem poder ter qualquer causa.

Caro amigo, nunca vamos saber tudo e é melhor que seja assim. Este suave desconforto é delicioso. Vivamos com ele. Um estraga-prazeres diria: “foi Deus quem pôs o coelho na cartola do mágico!”

Um abraço, amigo!

Almir Quites
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 Ainda relembranças:

PREFÁCIO do livro 
ONTEM E AMANHÃ
Editora Insular; 1ª edição (1 junho 2012)


"Este livro foi escrito por dois poetas: um avô e seu neto.

Ontem e Amanhã desperta em mim o fascínio do tempo ao diferenciar sutis e delicados sentimentos íntimos de gerações distintas.

Conheci o poeta de Ontem, o professor Henrique Manoel Prisco Paraíso, em 1969, quando integrei a Comissão de Ensino e Pesquisa da UFSC. De imediato, impressionou-me seu nível cultural e sua grande habilidade de expressão. O professor Prisco demonstrava retidão de caráter e, por corolário, era fiel a princípios morais e não a pessoas ou facções. Construímos uma amizade que desafia o tempo.

Como médico e também como professor, contribuiu muito para a saúde pública, tendo sido, inclusive, um dos fundadores do curso de Medicina e também do de Enfermagem, ambos da UFSC. Na primeira metade da década de 70, como Secretário da Saúde do Estado de Santa Catarina, foi reconhecidamente inovador e bem sucedido. Impôs-se por sua conduta exemplar e inquestionável. Agora, aos 86 anos, conserva a sua perspicácia e sua generosidade.

Restrinjo-me porque sei que ele sempre se defende de elogios.

A habilidade narrativa de Prisco Paraíso desembocou na poesia. O Prisco poeta, em versos livres, trata frequentemente das angústias humanas ante o mistério universal, tão grandioso quanto impenetrável, que nos faz naturalmente parecer insignificantes, a despeito de nossa enorme sensibilidade. Isso reflete coragem e honestidade na criação dos poemas. Talvez seja um contraponto, um alerta a respeito da fugacidade do presente.

O Poeta de Ontem enfoca geralmente o todo temporal, enquanto que o Poeta de Amanhã se expressa amiúde sobre o presente, este momento de ardente contato com a realidade. Ambos são atuais, complementam-se e buscam aflorar a quase insondável intimidade do ser. Ambos falam de amor!

Assim, em Ontem e Amanhã, os tempos se fundem nas semelhanças e nos contrastes. Daí decorre aquele fascínio do tempo subjetivo, aquele que transcorre no nosso interior, que dilata, contrai ou mesmo muda de sentido, conforme as nossas emoções."

Almir Monteiro Quites

 Muito obrigado, amigo, por ter sido meu amigo.


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