Páginas

quinta-feira, 2 de julho de 2020

Quem avisa amigo é?

Por Almir M. Quites


Quem avisa amigo é? Sim, ou é seu amigo ou é "amigo da onça"!
Nota: O Amigo da Onça é um personagem de cartoons e histórias em quadrinhos criado por Péricles de Andrade Maranhão e publicado na revista O Cruzeiro a partir de 23 de outubro de 1943.

Acabo de receber um vídeo no qual um médico se apresenta dizendo seu nome  (João Vaz?) e o número do CRM. Então, avisa que não é bom usarmos máscaras contra a CoViD-19. Ele explica que a pessoa com a máscara, ao respirar, inala o próprio CO2 e este gás volta para o sangue tendo reagido com água e gerado ácido carbônico, o que provoca acidez do sangue. Agora comento.

Neste caso, quem avisa é amigo da onça

O que este cara diz sobre o CO2 não faz sentido. Se fosse assim, mesmo sem a máscara, isto aconteceria, porque, quando inspiramos, sempre há gás carbônico nas proximidades do nariz e também dentro das vias aéreas da pessoa. Este cara do vídeo está a serviço da desinformação. Como pode haver tanta irresponsabilidade?

Até mesmo atividade física se faz com máscara, sem problema algum. Os cirurgiões e tantos outros trabalhadores usam máscaras durante várias horas.

A quantidade de gás carbônico (CO2) na atmosfera é extremamente baixa (0,04%). No ar que inspiramos tem mais de 500 vezes O2 do que CO2 , enquanto que no ar que expiramos tem apenas 2 vez mais CO2.  Mesmo que o ar que inspiramos se misture com um pouco mais de CO2 da nossa própria respiração, ainda assim, não causa problema algum.

O suposto médico fala também em chuva ácida, como se a acidez fosse a mesma a ser produzida no pulmão. Não é verdade! Além de não ser a mesma acidez, a principal causa da acidificação da chuva é a presença, na atmosfera terrestre, de gases e partículas ricos em enxofre e azoto reativos, cuja hidrólise produz ácidos fortes.

O ácido carbônico (H2CO3) é um ácido muito fraco que existe no meio ambiente natural e é encontrado também na chuva, em refrigerantes e outras bebidas. 

Se fosse assim, como este cara do vídeo diz, não poderíamos beber água mineral nem refrigerantes gasosos. O gás dos refrigerantes é o CO2 (gás carbônico).  

Esta é uma noticia falsa, mas não é a única que tenta contra-indicar o uso da máscara protetora junto á população, por motivos inconfessáveis. 

Recebi outro vídeo, que diz que o uso de máscaras anti-CoViD é nocivo saúde porque nos força a respirar um ar que teria insuficiente oxigênio. Para comprovar isto, um cara se apresenta de máscara, tendo na mão um oxímetro (aparelho que mede o teor de oxigênio do ar) e se apresenta como sendo profissiomal da saúde. Então, faz a demostração.

Primeiro ele explica que quando o nível de oxigênio é muito baixo,  impróprio para a respiração, o aparelho apita. Depois ele informa que o aparelho está marcando 21%, o que este teor é normal. Então, ele coloca o extremo do tubo do aparelho (que aspira ar a ser testado) dentro da sua própria máscara, na frente do nariz, e o aparelho apita! Quando retira dali, o aparelho emudece. Coloca novamente dentro da máscara e o aparelho torna a apitar. Este teste é convincente? É?!

Então, vou explicar.

Este teste de oxigênio dentro da máscara é falso. Foi espalhado nas redes sociais norteamericanas e agora já tem brasileiros fazendo o mesmo teste falso aqui. 

O fato é que, na inspiração, o aparelho não apita porque há oxigênio suficiente, mas, na expiração, o nível de oxigênio cai abaixo de 16%. Logo, o cara que apresenta o teste controla o apito do aparelho com sua própria respiração. Quando ele expira, apita, mesmo sem máscara, basta que a ponta da mangueirinha esteja bem frente do nariz. Simples, não é? Pois o video "viralizou"! 

Este vídeo só traz desinformação, é safadeza. Hoje em dia, é preciso muito cuidado com as redes sociais.

Como esta, há muitas outras notícias falsas, que são muito nocivas, "fake news". Muita gente vai ser vítima destes marqueteiros de políticos negacionistas que irresponsavelmente tentam minimisar a gravidade da CoViD-19. 

Suponha que alguém, que vamos denominar José João da Silva, esteja contaminado e tenha acreditado nesta mensagem (fake). Suponhamos que ele contagie duas outras pessoas na primeira semana (taxa de contágio R = 2). Como cada uma destas duas pessoas passará o vírus para mais duas, na segunda semana e assim por diante, então, em apenas dois meses, já teremos 511 novos infectados confirmados a partir de José João da Silva, dos quais, cerca de  morrerão de CoViD-19. Os demais contagiados ficarão com sequelas de leves a graves, sendo que uns 20 deles terão suas expectativas de vida reduzidas. 

Note que estes números se referem a apenas dois meses, mas o contágio a partir do José João não para aí, continua por muitos mais meses. 

Quem retransmitiu a "fake-news" que o José João leu é assassino? Sim. O assassinato foi doloso? Provavelmente não, mas, para quem já leu o que escrevi aqui, o assassinato será mesmo doloso!  

Neste mundo de hoje, não se deve repassar nada que trate de assunto que não se conheça muito bem que não provenha de fonte confiável. O risco que se corre de se repassar notícias falsas, e assim prejudicar outras pessoas, é alto! 

Enquanto isso, temos atualmente cerca de 1300 mortos por dia, no Brasil. É como se 6 aviões da TAM, como o da tragédia no Aeroporto de Congonhas (em julho de 2007), caíssem todos os dias e cada um matasse 200 pessoas, como  aconteceu naquele dia; ou como se 5 barragens da Vale S.A., em Brumadinho (259 mortos e 11 desaparecidos em janeiro de 2019), estourassem a cada dia. Mesmo assim, o Brasil está se acostumando com a tragédia e fabricando desculpas para  acabar com a quarentena, que nem foi rigorosa, mas sim uma típica quarentena bem temperada com o famoso "jeitinho brasileiro".

Cuidem-se! A #CoViD é real e muito perigosa.

Nota final: 
Este tema não me é estranho. 
Lidei muito com O2 e CO2 na minha vida profissional na área da soldagem de metais. 
Em 2006, publiquei um livro de 365 páginas com o título de 
SEGURANÇA E SAÚDE EM SOLDAGEM. 
(código bibliográfico 6716715212)
Edição: 1500 exemplares


Nenhum comentário:

Postar um comentário