sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

A tragédia Yanomami é bem maior

 Por Almir M. Quites     Para compartilhar, toque aqui

Os Yanomami estão desaparecendo
Foto DW
 

A nação Yanomâmi já existia muito antes de existirem o Brasil e a Venezuela. Quando o Brasil e a Venezuela foram delimitados, parte da nação ficou no Brasil e a outra parte na Venezuela. 


O território Yanomâmi começa no sul da Venezuela e se prolonga ao norte do Brasil. Para os indígenas não existem fronteiras!  No Brasil, o território tem 9,6 milhões de hectares; na Venezuela, tem 8,2 milhões de hectares. Juntas, essas regiões formam o maior território indígena coberto por floresta de todo o mundo. Os yanomamis estão sendo dizimados há décadas, tanto na Venezuela como no Brasil.

Reduzir o problema da nação Yanomâmi ao jogo Direita x Esquerda" é um erro monumental. Há omissão do Estado há décadas, tanto no Brasil como na Venezuela. Explorar esta tragédia humanitária para colher dividendos políticos é uma barbaridade!

Os Yanomami entraram em contato direto com invasores, pela primeira vez, na década de 1940, quando o governo brasileiro enviou equipes para delimitar a fronteira com a Venezuela. Logo depois, o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) (do governo) e grupos religiosos missionários se estabeleceram no território Yanomâmi. Este fluxo de pessoas levou aos indigenas as primeiras epidemias de sarampo e gripe, resultando na morte de muitos. No início dos anos 70, o governo militar brasileiro decidiu construir uma estrada cortando a Amazônia ao longo da fronteira norte do Brasil. Sem aviso prévio, tratores percorreram a comunidade Yanomâmi de Opiktheri. Duas aldeias inteiras desapareceram em decorrência das doenças trazidas pelos invasores. 

Os Yanomâmis continuam a sofrer com os impactos devastadores e duradouros da estrada que trouxe colonos, doenças e o consumo de álcool. Hoje, os fazendeiros de gado e os colonos usam a estrada como um ponto de acesso para invadir saquear, desmatar e poluir a terra Yanomâmi.

Depois da valorização do ouro no mercado internacional, em 2016, começou-se a observar a intensificação da extração ilegal de ouro e outros minerais nas terras Yanomâmi. Em 2020, o aumento desta atividade ultrapassou a marca de 3.400% em relação a 2016.

Além disso, garimpo é mineração de cunho artesanal. É uma atividade extrativista rudimentar de substâncias minerais como o ouro, diamantes ou outros tipos de minérios. O que acontece nos rios dos yanomâmi não é apenas garimpo, mas tem escala de mineração mecanizada. Soma-se a isso o tráfego de drogas, que aproveita a estrutura da mineração ilegal para estabelecer vias de trânsito de drogas. 

A mineração ilegal também tem um tecido criminoso que se estende ao Congresso Nacional. Isto precisaria ser investigado. Algo como a Operação Lava-Jato faz muita falta! 

No Brasil, a nação Yanomâmi fica na terra indígena ("terra-floresta") mais visada por requerimentos minerários registrados pela Agência Nacional da Mineração (ANM). A área requerida para mineração dentro da Terra Yanomâmi é de cerca de 40 mil km², o equivalente a 50% do total do território. Em segundo lugar, neste ranking de terras cobiçadas por mineradoras, fica a terra Raposa Serra do Sol, com 7,2 mil km². 

Atribuir ao simples garimpo a tragédia dos Yanomâmi é tentativa de minimizar um problema que tem abrangência nacional e até transnacional. A mineração, a qual não é apenas a feita por garimpo, continua impunemente causando tragédias, não apenas aos Yanomâmis, mas também às demais etnias indígenas do Brasil.

A tragédia ambiental da nação Yanomâmi é tão grande quanto a tragédia das barragens das mineradoras de Mariana (2015) e Brumadinho (2019), entre outras. 

Embora as imagens da destruição, do resgate e dos mortos causem comoção momentânea, são logo esquecidas, enquanto os impactos sobre a saúde das populações se estendam no tempo para todos os moradores e trabalhadores das regiões atingidas.  

Desastres como os causados pela mineradora Vale (em Brumadinho) e Samarco (em Mariana) geram gravíssimos riscos à saúde, relacionados tanto aos rejeitos e contaminação dos solos, dos rios e do ar, como também às alterações e rupturas nas relações ecológicas, sociais, culturais e econômicas. Todos estes danos se tornam invisíveis com o tempo e são esquecidos. Os responsáveis pagam quase nada pelos danos causados. 

No Brasil, há cerca de 800 barragens de mineração e as duas que romperam em Mariana e Brumadinho eram classificadas como de baixo risco. Seus planos de emergência existiam só no papel, para satisfazer a questão burocrática.

No entanto, o caso da vez é a tragédia da nação Yanomami. Os noticiários da TV, os quais são porta-vozes dos governos, sempre vão tratar de ocultar o tamanho do problema. Na verdade, todos povos originários do país estão fadados a serem dizimados, não apenas a nação Yanomâmi. A grave crise sanitária provocada pela pandemia da CoViD-19, não impediu que grileiros, garimpeiros, mineradores, madeireiros e outros invasores intensificassem ainda mais suas investidas sobre as terras indígenas.

O que acontece com os Yanomâmi é apenas uma amostra do problema, é a parte mais visível no momento. São 371 aldeias isoladas e de difícil acesso na floresta. Cerca de 40% da população Yanomâmi teve malária no ano passado (2022). Nos últimos 4 anos, 570 crianças menores de cinco anos morreram por doenças que poderiam ter sido evitadas. 

O acesso de profissionais da saúde às aldeias Yanomâmi foi bloqueado por garimpeiros/mineradores nos últimos anos, os quais tomaram os postos de saúde e as pistas de pouso. Os profissionais de saúde precisam se deslocar de avião para conseguir atender 95% da população yanomami. 

A emergência socio-ambiental e sanitária que vinha se desenrolando no território indígena não era desconhecida pelo governo brasileiro. Em 2019, um estudo da Fiocruz alertou que 56% dos indígenas apresentavam elevadas concentrações de mercúrio no sangue, substância venenosa usada para garimpar o ouro nos rios. No ano seguinte, outro relatório da Fiocruz apontou que oito em cada dez crianças menores de cinco anos tinham desnutrição crônica.

Segundo o Conselho Distrital Indígena Yanomâmi, em janeiro de 2021, foram denunciadas as mortes por CoVid-19 de nove crianças yanomami de um a cinco anos em menos de um mês, além de 25 outros casos infantis, mas nenhum profissional de saúde foi enviado ao local. O relatório também relatou casos de casamento forçado entre garimpeiros e indígenas em troca de comida e armas de fogo, estupro de menores, rapto de crianças, aliciamento e trabalho escravo.

O governo Bolsonaro, tem culpa em tudo isso. É certo que ele: 

1)  tentou rever limites de terras indígenas;

2)  desmontou órgãos de controle responsáveis pela fiscalização dos crimes ambientais, como Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio); e 

3) tentou aprovar leis que liberavam a exploração mineral dentro de terras indígenas, como o Projeto de Lei 191 e a Instrução Normativa 09, publicada pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

A tragédia Yanomâmi também acontece com outros povos originários. Fala-se em genocídio em decorrência de doenças ou violência física, relacionadas a iniciativas governamentais, mas não é só isso. Houve também etnocídio (morte cultural) e epistemicídio (morte da visão de mundo e filosofias próprias desses povos). Houve um ataque a suas organizações próprias, para que eles deixassem de ser quem são e passassem a viver como nós vivemos! 

É inadmissível que tudo isto tenha ocorrido sem que a imprensa e a mídia em geral tivessem feito o barulho necessário, colocando a "boca no trombone", exigindo providências ante tanta atrocidade! O jogo Direita x Esquerda era mais importante! 

O que fez o Ministério Público Federal (MPF) durante todo o governo de Bolsonaro? O que fez  MPF para coibir o garimpo/mineração ilegal e outros ilícitos em terras indígenas? Há anos os yanomami estão abandonados à própria sorte, mas tudo indica que o MPF estava "dormindo em berço esplêndido", no ar-condicionado de seus gabinetes.

O Brasil precisa ressarcir a nações originárias, como a Yanomâmi, e dar-lhes uma reparação condizente. 

Além de tudo, há a degradação ambiental, ante a qual o MPF também se omitiu! 

A mineração e o garimpo deixam grandes crateras com água parada e contaminada no leito dos rios, a qual leva à proliferação de doenças como a malária. Os danos não são apenas para os seres humanos, mas também para animais e plantas.

Há muita gente que precisa ser punida, não apenas no governo de Bolsonaro, mas também entre os garimpeiros, mineradores e aqueles que os financiam. Muito dinheiro ilegal deve rolar em apoio aos mineradores e garimpeiros Os equipamentos que eles possuem nos rios são de alto custo! Só o transporte e a montagem requer uma grande disponibilidade financeira.

A investigação da tragédia yanomâmi deve ser detalhada e abrangente, chegando até os lobistas e aos parlamentares do Congresso Nacional. 

No sábado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus ministros estiveram em Boa Vista para anunciar as ações federais de socorro ao povo yanomâmi. Em pronunciamento no local, Lula afirmou ter ficado chocado com as histórias dos indígenas e, então, aproveitou para fazer politicagem. Lula declarou: "𝘽𝙤𝙡𝙨𝙤𝙣𝙖𝙧𝙤 𝙙𝙚𝙧𝙧𝙖𝙢𝙤𝙪 𝙢𝙪𝙞𝙩𝙤 𝙨𝙖𝙣𝙜𝙪𝙚 𝙮𝙖𝙣𝙤𝙢𝙖𝙢𝙞"! Assim, Lula restringe o problema à punição do ex-Presidente Bolsonaro, mas o problema é muito maior que este. 

Vamos ver se Lula fará alguma coisa importante em favor deste povo ou se, logo que o noticiário passar, o novo Presidente também esquecerá do caso!

Será que, além de tudo, vamos deixar que a tragédia dos yanomâmi seja usada apenas para a obtenção de vantagens no jogo político-partidário e para o aprofundamento da estúpida polarização política? 


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