segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Inteligência & linguagem

 Por Almir M. Quites     Para compartilhar, toque aqui

Brasil falando, visto de cima!
Todos querem ser ouvidos,
mas ninguém quer escutar os outros.
Um país esquizofrênico? 

Muitas pessoas se surpreendem e discordam quando digo que o Presidente Lula fala muito mal. Aliás, todos os presidentes que o povo "elegeu", neste século, expressam-se muito mal, até mesmo os comentaristas de política. Os Presidentes, devido à alta responsabilidade que deveriam ter, deveriam ser muito bons na língua-pátria.
Os vícios incorporados à linguagem no dia a dia das nossas comunicações, repetidos de forma banal, principalmente por comunicadores e formadores de opinião, são desastrosos. Não deveriam ser tolerados. É o que vou explicar agora.

Falar bem não é apenas usar corretamente a gramática, mas usá-la para não dar margem a duplas ou mesmo múltiplas interpretações. Deste cuidado nascem a melhor compreensão, os acordos e a cooperação. Sem isso, os interesses pessoais predominam e a falsidade impera.

Uma linguagem empobrecida acarreta pensamentos desprovidos de sutilezas, causa dificuldades de percepção de nuances, incapacidade sensorial e intolerância à diversidade, à alteridade, à solidariedade, à sinergia, as quais são constitutivas do mundo.

Comecemos por explicar melhor o que é linguagem.

Linguagem é qualquer meio sistemático de comunicar ideias ou sentimentos através de signos convencionais, sejam mecânicos (como os sonoros, gráficos, gestuais, etc.), magnéticos, elétricos, térmicos etc.

Todas as espécies do Reino Biológico possuem as mais variadas formas de comunicação, as mais inusitadas e se baseiam em diferentes tipos de signos. Se não entendemos nada das diferentes formas de linguagem delas, a ignorância é nossa! Isto não significa que só a nossa espécie tenha linguagem. Se você ainda não sabe disto, pesquise, mas atenha-se a fontes científicas. Aprenda a buscar informações mais confiáveis.

Como você sabe, os seres humanos pertencem ao Reino Biológico dos Animais. Alguns de nossos irmãos deste reino são os mamíferos, peixes, aves, répteis, anfíbios, insetos, moluscos e anelídeos, entre outros.
Mas, há outros quatro Reinos Biológicos, além do nosso. São os seguintes:
1) Reino Vegetal, um dos mais antigos; que se caracteriza por sua fixação à terra, onde estão seus órgãos mais importantes;
2) Reino Fungi, que abrange as leveduras, os bolores e todas as espécies de cogumelos, com suas redes de comunicação que servem também aos membros do Reino Vegetal;
3) Reino Protista, o mais primitivo dos eucariontes, do qual derivam todos os outros reinos, porque contêm o ancestral comum de todos os demais reinos e engloba os organismos eucariontes que não são considerados animais, nem plantas nem fungos, como os protozoários; e
4) Reino Monera, o reino dos seres vivos microscópicos e abarca os organismos procariontes (arqueas e bactérias). Esse grupo está presente em todos os habitats e é formado por seres unicelulares sem núcleo definido.

A classificação dos cinco reinos da natureza continua sendo a mais popular atualmente, embora os últimos progressos em pesquisa genética tenham propiciado novas revisões e abriram novos debates entre os especialistas.

Inteligência é uma qualidade amplamente reconhecida do Reino Animal. Está relacionada à capacidade do animal de conhecer, compreender e aprender, adaptando-se a novas situações do meio ambiente. No entanto, a Ciência reconhece que a inteligência também está presente no Reino Vegetal e Fungi. Deve estar presente também nos demais reinos, embora com características diversas daquelas com a quais nós, seres humanos, convivemos. Falta a nós, humanos, capacidade para reconhecer a inteligência nos reinos que conhecemos menos.

Eu sustento que todo o ser vivo tem inteligência, embora não exista uma escala absoluta para medi-la.
É a inteligência das espécies, em todas as suas formas, que garante a sua existência. A inteligência determina a evolução da espécie, entendida como a transformação dos aspectos biológicos e comportamentais ao longo de tempo, de acordo com o meio ambiente, os quais são passados cultural e hereditariamente para os futuros membros da espécie.

A inteligência nasce da necessidade de superar as dificuldades da sobrevivência e se desenvolve ao ser repassada aos seus semelhantes de um mesmo reino, o que permite um desenvolvimento colaborativo. A cada necessidade, novas habilidades se desenvolvem. Diante disso, o ser humano é similar aos demais organismos que buscam o seu próprio desenvolvimento e o desenvolvimento de suas inteligências na luta para conservar a existência de sua espécie.

Porém, como bem sabemos, não é só desenvolvimento, há também retrocessos, os quais podem, inclusive, levar a extinção de espécies.

Precisamos nos preocupar com a inteligência humana e cuidar dela diariamente, regando-a com os nutrientes necessários.

George Orwell, em seu famoso livro denominado “1984” e Ray Bradbury, em “Fahrenheit 451” mostraram como governos, especialmente os totalitários, podem acorrentar o pensamento do povo, reduzindo o número de palavras usadas e encolhendo o significado das palavras restantes.

É de fundamental importância sabermos escolher os nossos governantes em todos os níveis da nossa estrutura social. Estamos atualmente numa inusitada crise! Não, não estou me referindo a crise climática, masa crise de inteligência.

O QI médio da população mundial, que sempre aumentava desde o pós-guerra até ao final do século passado, diminuiu nos últimos vinte anos! É a inversão do Efeito Flynn. Além deste, há muitos outros sinais de retrocesso da humanidade.

Nota 1: James Robert Flynn nasceu em 1934 nos EUA e emigrou para a Nova Zelândia, onde lecionou na Universidade de Otago, em Dunedin, e tornou-se um prestigiado pesquisador que estudava a inteligência humana.

Nota 2: Quando os testes de quociente de inteligência (QI) são inicialmente padronizados, usando uma amostra de participantes, a média dos resultados dos testes (pontos de QI) é definida como 100 e seu desvio padrão é definido como 15. Quando os testes de QI são revisados, eles são novamente padronizados usando uma nova amostra de participantes, nascidos mais recentemente do que o primeiro. Novamente, o resultado médio é definido como 100. No entanto, quando os novos participantes do teste fazem os testes mais antigos, em quase todos os casos suas pontuações médias estão significativamente acima de 100. isto é chamado de Efeito Flynn.

Nota 3: O "efeito Flynn" é o aumento substancial e prolongado nas pontuações dos testes de inteligência medidos em muitas partes do mundo.

Nos últimos 30 anos, tem-se observado que o nível de inteligência, medido pelos testes de QI, diminui nos países mais desenvolvidos. Muitas causas para este fenômeno estão sendo estudadas. Uma delas é o empobrecimento da linguagem.

A linguagem não é apenas um modo de comunicação mais precisa, é também o meio como conversamos silenciosamente conosco. É também o meio pelo qual o pensamento se torna mais ou menos preciso, registrando sutilezas mais acuradas na memória.

Na verdade, vários estudos mostram a correlação entre a diminuição do conhecimento gramatical e o empobrecimento da linguagem. Não é apenas a redução do vocabulário utilizado, mas também das sutilezas linguísticas que permitem elaborar e formular pensamentos complexos. Por exemplo, o desaparecimento gradual dos tempos verbais (do subjuntivo, do condicional, do passado perfeito e imperfeito, das formas compostas do futuro e do particípio passado). Isto produz um pensamento aprisionado no presente, com grande dificuldade de se conectar a situações de outros tempos, não apenas passado e futuro, mas também a condições hipotéticas.

A própria linguagem das redes sociais vem causando uma visível dificuldade para expressar o pensamento. Também a simplificação dos manuais, dos tutoriais, o desaparecimento das letras maiúsculas e da pontuação, o uso de "emojis" etc. são exemplos corriqueiros de mutilações na precisão e na diversidade de formas de expressão. É fácil compreender isto! Por exemplo, a eliminação da palavra senhorita (“signorina/mademoiselle/miss") não significa apenas abrir mão da estética de uma palavra, mas também promover a ideia de que entre uma menina e uma mulher não existem fases intermédias.

Menos palavras e menos verbos conjugados significam maiores dificuldades de transmitir conhecimentos a outras pessoas, inclusive entre diferentes gerações. Também significam menos capacidade de expressar emoções e de processar um pensamento complexo. Há estudos que mostram que parte da violência nas esferas pública e privada decorre diretamente da incapacidade de se expressar adequadamente, especialmente quando há emoções envolvidas. Quanto mais pobre a linguagem, mais atravancado fica o pensamento e ocorrem mais desentendimentos.

Se não houver pensamentos, não haverá pensamentos críticos. E não há pensamento sem linguagem, sem palavras. Como construir um pensamento hipotético-dedutivo sem o condicional? Como pensar o futuro sem sem usar este tempo verbal? Como é possível captar uma temporalidade, uma sucessão de elementos no tempo, passado ou futuro, e a sua duração relativa, sem uma linguagem que distinga entre o que poderia ser, o que poderia ter sido, o que foi, o que é e o que será depois do que pode ter acontecido, ou que realmente tenha acontecido?

Caros pais e professores! Façamos com que os nossos filhos, os nossos alunos falem, leiam e escrevam. Ensinemos e pratiquemos o idioma nas suas mais diversas formas, ainda que pareça complicado e principalmente se for mesmo complicado. Porque nesse esforço existe discernimento, existe liberdade.

Minha filha, Aline, com 1,5 anos de idade sabia ler quase todas as palavras que ela já usava. Aprender a ler as palavras que ela aprendia a falar era uma gostosa brincadeira que nós tínhamos diariamente. O avô dela (o vovô Paulo) levou um susto quando Aline, ainda com menos de 2 anos, colocou o dedinho dela em cima de uma palavra no jornal do vovô e disse: "Tá esquito cavalo".

Aqueles que afirmam a necessidade de simplificar a grafia, descartar a linguagem dos seus “defeitos”, abolir gêneros, tempos, nuances, tudo que cria complexidade, são os verdadeiros aniquiladores do futuro, pelo empobrecimento da mente humana.

Junte a este apodrecimento da comunicação humana um explosivo aumento populacional, um aumento da desigualdade social e uma falta crônica de alimentos para os mais pobres, e teremos aí um caos tão perfeito quanto terrível.

Todo mundo está gritando suas convicções sem discutir nenhuma delas seriamente e ninguém as entende. Em meio a tanta gritaria o povo se enfraquece, e facilmente iludido e os mais poderosos estrangulam o povo em busca de mais poder. A ciência tem sido negada por quem mal sabe falar. Negam a ciência e criam mais deuses e mitos para serem adorados incondicionalmente, enquanto os mais espertos decidem e falam por eles. Violências de todos os tipos nos rodeiam: religiosa, sexista, homo fóbica, racista, política, esportista etc., todas fanaticamente justificadas.
Nosso planeta está seriamente doente por nossa causa e atualmente está mergulhando no inferno climático.


CURIOSIDADE

Em 1978, enquanto trabalhava em uma refutação do racismo clássico para um próximo livro sobre "ideais humanos", Flynn leu o artigo de 1969 do psicólogo educacional Arthur Jensen, da Universidade da Califórnia em Berkley, com o seguinte título: "Quanto podemos aumentar o QI e o desempenho escolar?" Neste artigo, o autor mostrava que os negros pontuavam menos do que os brancos em testes de QI e argumentava que devia ser por causa de diferenças genéticas entre as raças.

Flynn inicialmente planejou gastar apenas algumas páginas em seu livro refutando o trabalho de Jensen, mas depois de estudar os testes históricos de QI, Flynn notou que, embora os testes de QI fossem sempre calibrados para que uma pontuação de "100" fosse a média, as pontuações brutas reais mostravam que o desempenho das pessoas nos testes de QI melhorava com o tempo. Flynn calculou que o americano médio no ano de 1900 teria pontuado apenas 67 na versão dos testes de QI administrados no ano de 2000, uma pontuação que sugeria deficiência mental. Como esse aumento nos escores de QI, em apenas algumas gerações, não pode ter sido causado pela evolução genética, Flynn concluiu que os aumentos devem ter sido causados ​​por mudanças nos fatores ambientais, significando que o QI é influenciado mais pelo ambiente do que pela genética, o que desmontava o efeito da raça aventado por Arthur Jensen.

Em 1980, Flynn publicou sua pesquisa criticando o trabalho de Jensen e argumentando que os aumentos nas pontuações de QI ao longo do tempo e as diferenças nas pontuações entre grupos de pessoas, como negros e brancos, são causados ​​por fatores ambientais e não por fatores genéticos. Seus resultados foram depois confirmados por outros cientistas e pelo próprio Flynn, inclusive mostrando a importância do desempenho com a linguagem falada no desenvolvimento da inteligência. Assim a suposta influencia racial (influência genética) foi categoricamente afastada. Então, o psicólogo Arthur Jensen, que havia sugerido a hipótese da influência racial, passou a ser ofendido como racista. O próprio Flynn o defendeu agilmente. Tratava-se de uma hipótese correta que só poderia ser descartada experimentalmente!

Minhas últimas informações sobre os estudos de Flynn, são de uns 10-15 anos. Flynn, com seus colegas, estavam ainda aprofundando seus estudos. Eles estavam empenhados em comprovar que um ambiente cognitivamente desafiador aumenta o QI de um indivíduo, e que, por sua vez, ambientes mais desafiadores atraem os indivíduos de mais alto QI!

A Ciência não para, mas o cientista sim! Flynn faleceu em 2020.


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