Depoimento de Almir M. Quites – 25/09/2024
Sinto agora aquela sensação inquietante, quando se precisa falar, mas não se quer. Preciso superá-la!
Li no sítio de internet do Departamento de Engenharia Mecânica da UFSC que "o Prof. Jair Dutra foi o fundador do LABSOLDA" (Laboratório de Soldagem do Departamento de Engenharia Mecânica). Não é verdade! Trata-se de um erro que precisa ser corrigido.
Lá, na página do Departamento, está escrito literalmente o seguinte: "JAIR CARLOS DUTRA: É o fundador do Instituto de Mecatrônica-LABSOLDA em 1974 e desde então seu supervisor". Confira aqui: (https://emc.ufsc.br/portal/staff/jair-carlos-dutra/?lang=en).
Esta mesma afirmação se encontra no Curriculum Lattes do Prof. Jair. Confira aqui:
(http://lattes.cnpq.br/1570789033995989; ID Lattes: 1570789033995989).
Pergunto: a UFSC possui um "Instituto" de Mecatrônica dentro do Departamento de Engenharia Mecânica?
Não pode ser! O Labsolda não pode ser Instituto! Os Institutos Federais de Educação possuem natureza jurídica de autarquia, detentora de autonomia administrativa, patrimonial, financeira, didático-pedagógica e disciplinar. Os Institutos são criados por Lei.
O Labsolda também não pode ser Instituto de Mecatrônica! A Mecatrônica trata dos sistemas de controles eletromecânicos automatizados. Portanto, é uma área multidisciplinar da Engenharia. Ela é usada na soldagem como em qualquer outro ramo do conhecimento. Ela pode ser muito útil no Labsolda, assim como são a Matemática, a Metalurgia, a Química, a Estatística e muitos outros ramos do conhecimento, mas não é o objeto, não é a temática de laboratórios de soldagem!
Pergunto ainda: este “Instituto de Mecatrônica-LABSOLDA” foi fundado pelo prof. Jair Dutra, em 1974? Não pode ser! Este foi o ano em que Jair Dutra foi contratado pela UFSC. Eu próprio era o Coordenador do Labsolda nessa época. O próprio "site" do Labsolda confirma que Jair Dutra foi contratado pela UFSC em 1974 (https://labsolda.ufsc.br/sobre-o-labsolda/historico).
Tudo isso precisa ser revisado e corrigido.
Recentemente, por acaso, eu soube que o Labsolda/UFSC comemorou, com um almoço, 50 anos de existência. Eu não fui convidado, apesar ter sido quem começou tudo!
Cinquenta (50) anos é o tempo transcorrido desde a contratação de Jair Dutra pela UFSC. Na verdade, o Labsolda tem mais de 50 anos! O que o prof. Jair fez, foi mudar o nome do Labsolda, conforme seus interesses pessoais e isto não aconteceu em 1974, mas no final da década de 80, quando ele retornou da Alemanha (onde fizemos nossa tese de doutorado) e eu continuei lá. Até então eu próprio era o Coordenador do Labsolda.
Isto é constrangedor para todos nós. Causou uma grande decepção em mim, porque não me parece ser um simples erro, mas sim uma adulteração da História, porque o texto é o mesmo que consta do Curriculum Lattes do Prof. Jair.
Como o Labsolda faz parte de minha história pessoal, propus-me a solicitar que o Departamento de Engenharia Mecânica faça as devidas correções. A história contada no "site" do departamento não apenas contém erros, mas também está incompleta, omite o contexto histórico e a parte anterior à chegada dos modernos (na época) equipamentos doados pela Alemanha Ocidental, como se o Labsolda não existisse antes disso. No entanto, este período existiu e também foi de muito trabalho e de muitas conquistas. É o que passo a esclarecer a seguir, conforme a minha visão dos fatos.
Passemos, então, aos fatos reais da nossa História!
As histórias do Labsolda, do Centro Tecnológico e da própria Universidade Federal de Santa Catarina estão sistemicamente ligadas. Foi uma transformação enorme na cidade de Florianópolis, com repercussão em todo Estado de Santa Catarina! Foram necessários muito empenho e sacrifícios de muita gente para que tudo isso que temos hoje se tornasse realidade.
Vamos começar contando abreviadamente a história do nascimento da Universidade de Santa Catarina e da Escola de Engenharia Industrial.
A criação da Universidade de Santa Catarina foi formalizada por ato do então presidente da República Juscelino Kubitschek ao sancionar a Lei nº 3.849, de 18 de dezembro de 1960. Em seguida, em outubro de 1961, João Davi Ferreira Lima, advogado e professor universitário, foi escolhido e nomeado o seu primeiro reitor.
Conta-se que, no ato de criação da Universidade de Santa Catarina, Ferreira Lima convenceu o Diretor de Ensino Superior do MEC, Jurandir Lodi, a acrescentar, ao lado da nominata das seis faculdades já existentes, que uma Escola de Engenharia Industrial deveria ser criada. Neste ato, Jurandir Lodi teria declarado: "Ferreira, quero que vocês façam uma grande escola e que sua fama corra de tal forma que, quando um pai no Amazonas disser que seu filho vai estudar engenharia, as circunstâncias aconselhem: mande-o para Florianópolis, porque lá está a melhor”. Não sei dizer se este episódio foi exatamente assim, mas, de fato, este era o ânimo que nos movia naquela época.
Para criar a melhor Escola de Engenharia em Florianópolis, Ferreira Lima logo firmou um convênio com a Universidade do Rio Grande do Sul (URGS).
A Escola de Engenharia Industrial (EEI) da Universidade de Santa Catarina (USC) foi formalmente criada em 1962, ainda no contexto desenvolvimentista dos chamados "Anos Dourados" e do Governo do Presidente Juscelino Kubitschek, que se caracterizou pelo Plano de Metas, o qual se concentrava no desenvolvimento de setores fundamentais como energia, estradas, transportes, indústria de base, substituição de importações, educação e interiorização do Brasil. O foco principal foi a construção de Brasília, a nova capital.
As metas eram audaciosas. O Plano de Metas tinha sido inteligentemente detalhado e muito bem executado. O Brasil se superava na indústria, nas artes, nos esportes, na educação etc. O endividamento externo era coerentemente transformado em desenvolvimento econômico e social com estabilidade política. Isto criou confiança no povo brasileiro. O subdesenvolvimento era superável e o Brasil comprovava isso!
Naquela época, a administração da nascente universidade catarinense estava fazendo algo até hoje surpreendente: selecionava os novos os professores da Escola de Engenharia Industrial (EEI) na cidade de Porto Alegre! Eles eram escolhidos entre os formandos da URGS (hoje UFRGS). Portanto, eram jovens sem qualquer experiência profissional! Eles deveriam ser capazes e bem orientados para criar uma Escola de Engenharia que superasse todos os paradigmas da universidade brasileira na área tecnológica. Jovens recém formados poderiam enfrentar e superar tal desafio?
A primeira turma do Curso de Engenharia Mecânica iniciou o curso no dia 2 de maio de 1962, com 28 alunos aprovados no concurso vestibular. Os alunos tinham aulas, no início, nas dependências de faculdade de Direito e, logo depois, numa pequena casa de madeira, apelidada pelos estudantes de “Casa do Tarzan”, construída no terreno dos fundos da Reitoria, na rua Bocaiúva, n°60. Não havia nada mais além dos inexperientes jovens professores, selecionados em Porto Alegre, e os professores gaúchos que deveriam orientá-los. Estes vinham de Porto Alegre de 15 em 15 dias, de avião, mediante convênio de cooperação assinado com a Universidade do Rio Grande do Sul (URGS). Eles ficavam três dias em Florianópolis, a cada 15 dias, hospedados no Oscar Palace Hotel.
Os dois primeiros diretores da Escola também foram selecionados na URGS, ambos já bem experientes. O primeiro foi o Prof. Ernesto Bruno Cossi, cuja gestão foi de 05/02/1962 a 28/02/1965. O Professor Cossi um era engenheiro civil marcadamente dedicado à matemática. Foi escolhido para administrar os dois anos básicos do curso da EEI. O segundo foi o Prof. Caspar Erich Stemmer, escolhido para administrar o curso na fase final de da implantação, com a difícil tarefa de gerir os anos mais especializados do curso de engenharia.
Em dezembro de 1964, quando a primeira turma estava no penúltimo ano do curso, eu era um jovem recém formado nos Cursos de Engenharia da Mecânica e Elétrica da URGS, no chamado regime de "curso duplo" (cursos simultâneos)! A existência da simultaneidade era uma antevisão da absoluta indissociação ente as engenharias Mecânica e Elétrica.
Tendo sido selecionado pela UFSC, recebi uma passagem de avião para vir conhecer a cidade de Florianópolis e sua jovem Universidade. Voltei a Porto Alegre e decidi aceitar um desafio, o qual, para mim, era realmente muito grande! No início de março de 1965, ainda solteiro, mudei-me para Florianópolis e assinei contrato com a USC.
Fui designado para ser o futuro titular da "Cadeira" de Tecnologia Metalúrgica, cujas atividades se iniciariam em março de 1965. Naquela época, "Cadeira" era o nome dado a cada unidade curricular, que hoje denominamos de disciplina ou matéria. Catedrático era o responsável pela "Cadeira". Minha responsabilidade era mesmo grande e assustadora, porque, no meu curso de graduação, a Metalurgia era apenas um apêndice, um pequeno acréscimo na formação do Engenheiro Mecânico. No entanto, a Tecnologia Metalúrgica do curso da Universidade de Santa Catarina (USC) consistia de um ano com cinco horas de aula por semana, abrangendo as técnicas de Fundição (no primeiro semestre) e de Soldagem (no segundo semestre). Tive que estudar muito para aprender e preparar cada aula, além de preparar material didático para os alunos, reproduzidos em mimeógrafo a álcool. Além disso, tive que assumir também a disciplina de Sistemas e Máquinas Hidráulicas, em substituição ao professor J. J. de Espíndola, assim colaborando com a política da Escola de Engenharia Industrial que era a de mandar todos os jovens docentes para se formarem em cursos de mestrado e depois em cursos de doutorado.
Uma das primeiras providências do novo diretor, Prof. Stemmer, foi criar condições para que os jovens professores trabalhassem na Escola de Engenharia Industrial (EEI) além da duração das aulas. Era preciso que cada professor pudesse estudar, preparar material didático, atender aos alunos e também organizar laboratórios, tanto para aulas práticas como para o futuro desenvolvimento de pesquisas. Então, foi introduzido o regime de dedicação exclusiva. Nesta época, também foi implantado um regime probatório para os novos professores, o qual exigia a aprovação em uma prova de recondução que incluía conhecimentos técnicos e didáticos.
Em dezembro de 1966, dos vinte e nove (29) candidatos aprovados no vestibular de 1962, doze (12) concluíram o curso de Engenharia Mecânica, na Escola de Engenharia Industrial. Foram estes: Adalberto José Ramos Campelli, Antônio Luiz Pereira, Cesar Seara Junior, Fanor Carlos Espíndola, Fausto Moreno de Mira, Gerson Wanderley Leal, Hyppolito do Valle Pereira Filho, Ivo Raul d'Aquino Silveira, Mário Vieira Filho, Otávio Ferrari Filho, Pedro Isaú Conti e Vera Lúcia Duarte do Valle Pereira.
Do quase nada havia sido criada uma Escola de Engenharia, mas era só o começo. A meta era ser a melhor Escola de Engenharia do Brasil!
O Prof. Stemmer sempre incentivou os jovens docentes da Engenharia a desenvolver seus conhecimentos através da busca de titulação acadêmica em cursos de mestrado e de doutorado. Logo que foram criados os programas de mestrado da COPPE e da PUC, em 1966, ambas no Rio de Janeiro, imediatamente dois jovens docentes da Engenharia Mecânica foram enviados para o curso de mestrado: Paulo Antônio Corsetti foi para COPPE e José João de Espíndola foi para a PUC-RJ. No ano seguinte, 1967, os jovens Arno Blass, Carlos Alfredo Clezar e Nelson Back foram para a COPPE, Raul Valentim da Silva foi para a PUC-RJ e Rodi Hickel para a Escola Nacional de Química. Em 1969, foi a minha vez (Almir M. Quites) e a do jovem Berend Snoeijer, ambos na COPPE (UFRJ). Berend, tinha se formado em 1967, na própria EEI de Florianópolis.
O objetivo seguinte de todos estes docentes era a titulação no nível de doutorado. O professores Espíndola e Berend foram os primeiros professores da EEI a serem enviados para fazer o doutorado no exterior. O primeiro foi para a Inglaterra e o segundo para a Alemanha.
Com a Reforma universitária de 1968, o nome da Universidade de Santa Catarina (USC) passou a incluir a designação "Federal" e a sigla ganhou um F (UFSC). A antiga Escola de Engenharia Industrial mudou de nome. Passou a ser chamada de Centro Tecnológico. Neste ano, o Centro Tecnológico, já tinha o curso de Engenharia Elétrica, criado em 1966.
Com a Reforma Universitária, cada curso foi transformado num departamento, aliás contrariando as diretrizes da Reforma Universitária Nacional, que preconizava que todos os departamentos fossem matério-cêntricos (centrados em uma matéria) e não carreiro-cêntricos (centrados em um curso). Todas as disciplinas foram semestralizadas (organizadas em semestres). A Tecnologia Metalúrgica, que eu ministrava, foi dividida em duas: uma disciplina de Tecnologia da Fundição e outra de Tecnologia da Soldagem. Eu ficava muito dividido entre estas duas tecnologias! Teria que organizar dois laboratórios! Aos poucos comecei a me dedicar cada vez mais à Soldagem, a qual envolvia tanto conhecimentos de mecânica, como de eletrotécnica e de metalurgia. Foi por isso que fiz meu mestrado na COPPE na área da Metalurgia. Meu trabalho de mestrado foi totalmente experimental e teve o seguinte título: "Deformação Plástica Termicamente Ativada de Titânio Policristalino” (Trabalho financiado pela National Aeronautics and Space Administration — NASA). Foram testadas e analisadas diferentes composições químicas de titânio brasileiro e norte-americano desde as temperaturas de 77°K (-196°C) até 1073°K (800°C).
Com o início do Mestrado em Engenharia Mecânica no próprio Centro Tecnológico da UFSC, em 1969, os demais jovens docentes deste Centro se matricularam no mestrado local. Poucos se afastaram para a pós-graduação em outras universidades brasileiras.
O Centro Tecnológico da UFSC foi o primeiro no Brasil a introduzir a Soldagem como uma disciplina autônoma no curso de Engenharia. Nosso curso, dedicava um semestre inteiro só ao estudo da Soldagem, com 4 horas de aula por semana.
O Prof. Stemmer, diretor do Centro Tecnológico, incentivava à criação de laboratórios. Estes permitiriam que aulas práticas pudessem ser ministradas regularmente nas dependências do Centro Tecnológico e proporcionariam a realização de trabalhos de pesquisa. Cada laboratório teria um nome, um coordenador e uma administração própria, empenhada em servir ao ensino, a pesquisa e a extensão (serviços à comunidade), além de buscar recursos para a evolução de seus trabalhos. Todos nós, jovens docentes, sabíamos da importância disso!
Em 1969, eu já tinha o meu mestrado. Agora precisaria começar a organizar um laboratório de soldagem. É óbvio que isto começou por meio de atividades informais. Não dá para precisar exatamente quando o Laboratório de Soldagem começou a existir, mas o primeiro evento importante foi quando recebemos a doação de equipamentos, da White Martins, em 1969. Foi quando passamos a ocupar um pequeno espaço onde hoje fica o Laboratório de Máquinas e Sistemas Hidráulicos e ali começamos a ministrar algumas aulas práticas.Nesta ocasião, o Prof. Stemmer se encontrava fora do país, mas eu já tinha conversado com ele sobre os possíveis locais para implantar o núcleo do futuro laboratório de soldagem e também sobre o necessário apoio na compra de mais equipamentos. Deste dia em diante, começamos a chamar o local de Laboratório e intensificamos as aulas práticas.
Cerca de dois anos depois, motivados com as notícias de sucesso nas negociações do prof. Stemmer (diretor do Centro Tecnológico), com a Sociedade da Alemanha Ocidental conhecida pela sigla GTZ ("Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit") e a possibilidade de contarmos com grandes recursos para o nosso laboratório, tratamos de ampliar o espaço do nosso laboratório. Também fizemos uma reorganização do mesmo, ainda contando com o técnico Faraco e já contando com outro, o Sr. Adilto Agenor Teixeira. Incorporamos mais área, mais ferramentas, inclusive mais equipamentos de proteção individual (EPI's), e reorganizamos o "layout", adicionando duas escrivaninhas. Lembro-me que era um final de tarde de sexta-feira, primeiro dia de setembro.
Neste dia, esperávamos mostrar o novo "layout" para o Diretor do Centro, mas, por algum motivo, não foi possível. Então, fizemos uma simples comemoração no “Bar da Nina”, que ficava ali ao lado, no mesmo pavilhão.
Pelo que me lembro, neste lento crescimento embrionário, já estávamos acostumados a chamar o nosso espaço de Labsolda. Tínhamos duas máquinas de soldagem elétrica (um transformador e um gerador de soldagem), um equipamento soldagem oxiacetilênica e um conjunto de oxicorte (ambos doados pela White Martins, já citada), além de arames de soldagem (material de adição), eletrodos, garrafas de oxigênio e de acetileno, chapas de aço, equipamentos de proteção individual e outras ferramentas. Ainda era muito pouco, mas já era útil. As aulas práticas de soldagem no próprio Centro Tecnológico já eram uma realidade.
A nucleação e crescimento do laboratório já era real desde antes de 1969, mas, por alguma razão, esta data, primeiro de setembro de 1972, foi tacitamente tomada como a data da fundação do novo Laboratório de Soldagem da UFSC. Talvez pelas auspiciosas notícias do apoio do GTZ (da Alemanha Ocidental) que o Prof. Stemmer conseguira. Estávamos ante uma importante perspectiva de crescimento.
Nesta época, o Laboratório de Metrologia, criado pelo Professor Dr. Jaroslav Kosel, já existia, mas há pouco tempo. O antigo embrião de laboratório de soldagem já estava bem conhecido como Labsolda, um nome simples que guardava simetria com o nome de outros laboratórios, como o Labmetro (Laboratório de Metrologia), mais desenvolvido e vizinho ao nosso.
Nesta oportunidade já existiam, além do Labmetro, o Labmat (Laboratório de Materiais) e o Labmaq (Laboratório de Máquinas operatrizes). Este último foi o primeiro laboratório criado no Centro Tecnológico.
Nesta ocasião, Jair Dutra, que muitos anos depois me substituiu na coordenação do Labsolda, ainda era aluno do curso de graduação de Engenharia Mecânica e nem imaginava que trabalharia comigo na área da soldagem. Como acreditar na versão que aponta este meu aluno de graduação como fundador do Labsolda?
Nos últimos meses de 1972, o Prof. Stemmer viajou novamente para a cidade de Aachen, Alemanha, onde se encontraria com seu antigo amigo, Prof. Paul Drews, da Universidade de Aachen, para tratar de um possível apoio do “Internationales Büro” (órgão do antigo "Kernforshungsanlage" - KFA, hoje denominado "Forschungszentrum Jülich") ao departamento de Engenharia Mecânica da UFSC. Uma década e um ano depois, o Prof. Paul Drews viria a ser meu orientador na minha tese de doutorado.
DE fato, os contatos do Prof. Stemmer na Alemanha foram muito bem sucedidos! Como resultado, importantes equipamentos bem modernos foram doados ao EMC pelo governo alemão:
- soldagem TIG e por Eletrodo Revestido, da Oerlikon (França);
- soldagem MIG/MAG, da Cloos (Alemanha);
- soldagem por pontos da empresa ARO (França); e
- brasagem à chama de hidrogênio, da Alexander Binzel (Alemanha).
O professor Jair Dutra foi meu aluno no seu curso de graduação e se formou como Engenheiro Mecânico em de dezembro de 1972. Cerca de um ano depois, num encontro casual, eu o incentivei a participar do concurso para a docência na UFSC, o qual tinha sido aberto para a área da soldagem. O concurso tinha sido aprovado por insistência minha, justamente porque eu precisava de mais alguém que trabalhasse na área da soldagem junto comigo e que ajudasse na expansão e amadurecimento do laboratório!
Na época, eu era membro do Conselho de Ensino e Pesquisa da UFSC e tive que fazer uma boa argumentação para convencer a os demais conselheiros a abrir mais uma contratação de professor, desta vez especificamente para a área da soldagem, porque o Centro Tecnológico não havia incluído esta necessidade em sua lista de novas contratações.
O prof. Jair Dutra foi contratado pela UFSC em março de 1974. Imediatamente, conforme a política do CTC, nós o encaminhamos para o curso de Mestrado do Departamento de Engenharia Mecânica (EMC). Simultaneamente o jovem professor Jair precisaria aprender o máximo possível com Eng. Egon Sigsmund, excelente técnico de soldagem do KFA ("Kernforshungsanlage" ), que com muita dedicação e paciência trabalhou no Labsolda no treinamento de pessoal para usar os equipamentos que tinham chegado da Alemanha.
Eu fui professor do prof. Jair Dutra no seu curso de Mestrado. Também fui seu orientador na elaboração da dissertação de mestrado, a qual foi aprovada em 1976. Toda a parte experimental desta dissertação foi feita no Labsolda. Esta foi a primeira dissertação de mestrado do Brasil focalizada na soldagem.
Para que os leitores de hoje entendam melhor o contexto da época, esclareço que a soldagem estava em acelerado desenvolvimento no mundo. A soldagem MAG (GMAW), surgiu na União Soviética em 1953. Foi só a partir de 1963 que as variações do processo MIG/MAG começaram a ser usadas na indústria, conferindo grande versatilidade a este processo de soldagem, principalmente para chapas finas. Estas versões (MIG e MAG) só chegaram ao Brasil em 1966 (ano em que a UFSC formou sua primeira turma de Engenharia Mecânica), apenas 10 anos antes da aprovação da dissertação de mestrado do prof. Jair Dutra.
Foi só na década de 1980 que surgiram as fontes de energia inversoras, extremamente compactas, com baixo consumo de energia e controle completo dos parâmetros de soldagem. Foi quando se passou a usar corrente pulsada no processo MIG-MAG ("pulsed spray-arc"). Foi a partir daí que o processo MIG/MAG passou a ser o mais popular, utilizado intensamente nas indústrias do mundo, inclusive no Brasil, tanto para grandes como para pequenas produções, especialmente devido à sua versatilidade.
A Soldagem a “laser” (LBW), só foi inventada em 1970 e chegou ao Brasil em 1976.
Foi somente no final da década de 70 que os primeiros robôs foram utilizados em operações de soldagem, exigindo a automação dos processos. Minha tese de doutorado foi na área da automação adaptativa da soldagem MIG-MAG.
A Associação Brasileira de Soldagem (ABS) foi criada em 1979; a Fundação Brasileira de Tecnologia da Soldagem (FBTS) foi criada em 1982.
Hoje sabemos que, naquela época, estava em curso uma revolução tecnológica, que desenvolvia novos processos, aprimorava os existentes, incluía novos controles eletrônicos e desenvolvia a automação adaptativa.
O Labsolda foi o primeiro laboratório de soldagem da universidade brasileira. Talvez seja o mais antigo do Brasil.
Nunca tratei o professor Jair Dutra como meu subalterno, mas como colega e amigo.
Em 1975, fomos juntos a um Congresso no Rio de Janeiro. Ao apresentar nosso trabalho aos participantes, referi-me ao LABSOLDA como "um laboratório bebê que será muito importante quando crescer". Esta afirmação despertou risos de simpatia e foi muito comentada pelos participantes.
O trabalho que apresentei neste conclave foi o seguinte: Influência das Variáveis do Processo de Soldagem MIG Sobre as Características da Solda. I Congresso Latino-Americano e II Encontro Nacional da Tecnologia da Soldagem, 1975, Rio de Janeiro - Evento da Associação Brasileira de Soldagem.
Em 1976, fomos juntos num outro Congresso, também no Rio de Janeiro. Apresentei lá nosso trabalho intitulado: Influência dos Gases de Proteção nas Características do Processo de Soldagem a Arco. II Encontro Nacional da Tecnologia da Soldagem, 1976, Rio de Janeiro-RJ - Evento da Associação Brasileira de Soldagem.
Neste evento, propus ao plenário que o II Congresso Latino Americano, previsto para ser feito no Brasil, fosse realizado em Santa Catarina, pela UFSC. Antes de fazer esta proposta telefonei para o professor Stemmer, Diretor do Centro Tecnológico, que me autorizou a fazê-la. Eu me propunha a ser o coordenador do evento. No congresso, como haviam mais propostas colocadas, a decisão foi por votação. A minha foi aprovada pela grande maioria do plenário.
No ano seguinte, com muito trabalho de nossa parte, eu e o professor Jair, quase sem ajuda, realizamos com grande sucesso o II Congresso Latino Americano de soldagem, o qual foi realizado no Município de Itapema, no Hotel Plaza de Santa Catarina! Houve inclusive uma grande exposição de equipamentos produzidos pelas empresas. Até colocamos ônibus à disposição dos congressistas para viajarem ao sul, à Florianópolis, para visitarem o Departamento de Mecânica e o Labsolda, e ao norte, para também conhecerem Camboriú.
Tudo isso foi feito com recursos da OEA, que consegui com a intermediação do Prof. Cabral, da Metalurgia da COPPE, da UFRJ.
Neste Congresso, eu e meu colega Jair Carlos Dutra apresentamos os seguintes trabalhos:
1) Distribuição do Calor pelo Material Base em Soldagem a Arco Voltaico com Proteção Gasosa em Função dos Parâmetros de Soldagem. II Congresso Latino-Americano e III Encontro Nacional da Tecnologia da Soldagem, 1977, Itapema-SC.
2) Contribuição ao Estudo do Comportamento do Arco Voltaico Aplicado à Soldagem TIG e MIG/MAG Pulsativo. II Congresso Latino-Americano e III Encontro Nacional da Tecnologia da Soldagem, 1977, Itapema-SC.
Em 1979, eu e meu colega Jair, publicamos o livro: Tecnologia da Soldagem a Arco Voltaico, 248 páginas, Florianópolis, Editora Edeme. A publicação deste livro foi financiada pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN).
Em 1980, viajamos juntos para a cidade de Aachen, Alemanha. Fomos conhecer a cidade e a universidade onde nós dois faríamos o nosso trabalho doutorado. Ficamos muito bem impressionados com a Alemanha e com a cidade de Aachen. Na volta desta viagem, começamos a estudar alemão. Além disso eu tinha que ministrar as aulas de soldagem, coordenar os trabalhos do Labsolda e fazer um determinado número de disciplinas do nosso próprio curso de doutorado na UFSC.
Nesta época, o Labsolda passou a oferecer um curso de Tecnologia da Soldagem no nível de especialização, financeiramente apoiado pela CNEN. Estes cursos, nos anos de 1980, 1981 e 1982, atraíram profissionais de grandes empresas de todo o Brasil, especialmente das áreas da exploração de petróleo e das centrais nucleares. As empresas mandavam seus engenheiros passarem 6 meses estudando conosco! Nesta época também tivemos apoio financeiro da CNEN para o desenvolvimento dos primeiros protótipos de fontes de energia de soldagem no Labsolda.
Eu administrava estes cursos. No primeiro ano contei com a prestimosa ajuda do Prof. Jair Dutra, até a sua viagem para a Alemanha, onde iniciaria a sua tese de doutorado. Eu permaneci na UFSC, assoberbado de trabalho. Além da atividade docente nos cursos regulares da universidade, eu coordenava o Curso de Especialização em Soldagem e o próprio Labsolda.
O colega Jair Dutra foi para a Alemanha em 1981 e eu fui dois anos depois, em 1983. Jair Dutra regressou ao Brasil em 1984.
Quando voltei da Alemanha, estava fugindo da radioatividade liberada pelo catastrófico acidente nuclear ocorrido em 26 de abril de 1986, no reator nuclear nº 4 da Usina Nuclear de Chernobyl, perto da cidade de Pripiate, no norte da Ucrânia Soviética. A radioatividade tinha chegado a Aachen, que estava a mais de 2000 Km do acidente. Voltei ao Brasil! Até os alimentos que comprávamos nos supermercados de Aachen estavam contaminados. Os jornais publicavam diariamente os níveis de radiação de os institutos especializados mediam.
O Instituto de Soldagem de Aachen, além de me permitir regressar antecipadamente ao Brasil, doou-me um computador novo e de última geração para que eu pudesse terminar meu trabalho de tese em Florianópolis, porque, naquela época, no Brasil, só havia computadores Itautec, de péssima qualidade. Estes computadores brasileiros não eram capazes de ler meus dados experimentais gravados em disquete pelos computadores que usei em Aachen.
Ao chegar ao Brasil, informal e tacitamente aceitei que o Prof. Jair Dutra continuasse na coordenação do Labsolda, que ele havia assumido quando regressou a Alemanha, antes de mim. Eu estava muito preocupado com o trabalho necessário para concluir minha tese em Florianópolis.
Tudo deu certo! Nossas teses, a minha e a do meu colega Jair, foram aprovadas ainda em 1986.
Em 1992, completei 30 anos de serviço. Então, decidi me aposentar.
Espero que os leitores possam ter entendido melhor tudo o que aconteceu desde a criação da UFSC até a criação do Labsolda e seu desenvolvimento.
O professor Jair Dutra foi uma grande personagem desta história, todos reconhecem, mas certamente não foi o único a tecer a história do nosso LABSOLDA e não foi ele o seu fundador. Espero ter comprovado este fato.
O Labsolda já existia antes do advento destes convênios de cooperação internacionais! Fui coordenador do Labsolda durante 12 anos, de 1971 até 1983! A partir daí, com um ano de interregno, o Professor Jair Carlos Dutra assumiu a efetiva coordenação.
É óbvio que ele ficou na referida coordenação muito mais tempo do que eu. Também é obvio que o laboratório cresceu muito mais neste período, que hoje tem muito mais pessoal trabalhando lá e que conta com muito mais recursos.
Depois da minha aposentadoria, aos poucos perdi todo o contato com o Labsolda, mas continuei trabalhando com soldagem.
Eu fui consultor de soldagem da Petrobrás e de muitas de suas empresas satélites por muitos anos, mesmo depois da minha aposentadoria, já que, quando me aposentei, criei a empresa de consultoria chamada de Soldasoft. A Soldasoft manteve um curso de soldagem "on line" (com 250 alunos simultaneamente) até ser formalmente encerrada, em 2015.
Publiquei muitos outros trabalhos de soldagem depois de minha aposentadoria, como estes:
- Em 1995: Farias J. P., Quites A. M., Surian E. S.: The Effect of Coating Mg Content on the Arc Stability of SMAW E7016-C2L/8016-C2 Manual Electrode. 76th AWS Annual Convention and The 1995 AWS International Welding and Fabricating Exposition. Cleveland, Ohio, USA. April, 1995. Este trabalho foi posterormente publicado no periódico internacional Welding Journal, 76(6): pg 245 - 250. June 1997
- Em 2002 publiquei o livro Introdução a Soldagem a Arco Voltaico. Em 2013, depois de 3500 exemplares vendidos, publiquei a segunda edição revisada, ampliada e com prefácio do Prof. Stephen Liu (Golden, Colorado, USA, 2013).
- Em 2008, publiquei o livro Metalurgia da Soldagem dos Aços (ISBN 8589445054, 9788589445054), editora Soldasoft.
Também ministrei cursos em diversas empresas do Brasil e em diferentes países da América do Sul.
Minhas atividades na UFSC não se restringiram ao ensino de disciplinas e ao Labsolda. Ao longo de minha carreira como docente da UFSC, tive muitas outras responsabilidades, como as seguintes:
- 1 - Idealizador e primeiro titular da Coordenadoria Técnica de Ensino da Pró-Reitoria de Ensino e Pesquisa.
- 2 - Coordenador Geral de Pós-Graduação da UFSC, em 1972.
- 3 - Assessor da CAPES, do CNPq e do MEC, de 1972 a 1980.
- 4 - Vice Chefe do EMC (Departamento de Engenharia Mecânica da UFSC).
- 5 - Membro do Conselho de Ensino e Pesquisa da UFSC por três mandatos.
- 6 - Membro do Conselho Universitário da UFSC, por dois mandatos, eleito como representante dos professores do Centro Tecnológico (CTC/UFSC).
- 7 - Membro do Colegiado de Curso de Engenharia Mecânica por dois mandatos.
- 8 - Membro do Conselho Departamental por seis mandatos (uma vez como representante dos professores titulares do CTC e as demais por representar o Centro Tecnológico no Conselho Universitário ou no Conselho de Ensino e Pesquisa).
Depois de estar aposentado pela UFSC, fui membro do Comitê de Pares da Área de Ciências Básicas e Engenharia do "Fondo para el Mejoramiento de la Calidad Universitaria do Ministerio de Cultura y Educación de Argentina" de 2000 a 2002.
Toda a minha vida profissional foi envolvida pelo trabalho na UFSC, especialmente no Centro Tecnológico.
A UFSC conta hoje (2024) com 5 campus universitários (em Florianópolis, Araranguá, Blumenau, Curitibanos e Joinville), com 82 cursos, mais de 35.000 estudantes, mais de 2.000 docentes e uma biblioteca com aproximadamente 600.000 publicações.
O Centro Tecnológico do Campus de Florianópolis é hoje formado por 10 departamentos, oferecendo 104 cursos de graduação presencial e 5 em EaD, 14 programas de mestrado e 12 programas de doutorado, cerca de 400 professores e 110 técnicos administrativos, cerca de 6500 alunos de graduação e 2300 alunos de pós-graduação.
A universidade Federal de Santa Catarina surgiu de um quase nada dotado de uma força de vontade monumental. De um quase nada denso de perseverança e dedicação, fez-se também o seu Centro Tecnológico, com jovens docentes inexperientes que estudaram e trabalharam incansavelmente!
Esta história foi bonita demais para ser irresponsavelmente adulterada.
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