quarta-feira, 22 de julho de 2015

O USO CONSTANTE DA RAZÃO


Por José J. de Espíndola*


Em um vídeo, já antigo, de Rachel Sheherazade, que me chegou às mãos, a jornalista afirma enfaticamente: ‘Liberdade, honestidade, respeito e justiça são todos princípios do cristianismo... ’.

Discordo radicalmente desta afirmação.


Para começar, afirmação configura um total desrespeito aos que professam outras religiões, tais como o budismo, judaísmo e o hinduísmo, estas últimas bem mais antigas que o cristianismo.

A afirmação excludente da jornalista (mas que é ouvida frequentemente saindo da boca e da pena de cristãos) significa, na mais radical interpretação, que budistas, judeus e hinduístas não professam os princípios da liberdade, respeito, justiça e honestidade. É uma afirmação profundamente desonesta. Numa interpretação amena significa que os Indus, por exemplo, cuja origem situa-se há 1300 anos antes de cristo, não esposavam os princípios de liberdade, respeito, justiça e honestidade e só vieram a adotar esses princípios (se é que um dia os adotaram!) apos o advento do cristianismo, do qual os copiaram, 1300 anos depois do nascimento de sua fé. O que se falou aqui sobre hinduísmo pode-se comentar em relação ao Judaísmo, cujo início remonta a 1800 anos antes de cristo.

Em suma, esta afirmação da jornalista é no mínimo injusta, absurda e ofensiva, para não dizer uma palavra mais contundente.

No mais, não se sustenta, a afirmação, perante a História.

Evidentemente que Galileu e Jordano Bruno não teriam sido condenados pela Igreja fosse ela, desde os seus primórdios, regida pelo princípio da liberdade. Nem os “Autos da Fé”, tão frequentemente presididos por Bernardo Gui (que levou ao desaparecimento dos Cátaros, no sul da França, pela fogueira do Santo Ofício), e por Tomás de Torquemada na Espanha, certamente nunca foram exemplo de boa justiça, ou de justiça alguma, muito pelo contrário.

Se houvesse honestidade na venda das “Indulgências Plenárias” pela Igreja - que hoje ainda são vendidas (com outros nomes, claro) por Edir Macedo e outros ‘santos’ bispos neopentecostais, todos muito cristãos, vá dizer que não!-, provavelmente Martinho Lutero não teria se rebelado em 1517 e nascido daí o Protestantismo.

Se o respeito fosse parte indissociável do cristianismo, desde o seu nascedouro, não se teria tido a campanha sórdida contra os judeus (só encerrada por João XXIII, após o Concílio Vaticano II, em 1965) e contra os agnósticos e ateus, sempre apresentados como pessoas sem princípios e necessariamente ruins.

Discordo radicalmente desta frase da jornalista, em que pese considerá-la corajosa e correta em sua campanha contra a corrupção institucionalizada pelo lulopetismo.

Os princípios de liberdade, honestidade, respeito e justiça são obras primordialmente do Iluminismo, que nesta luta se insurgiu também contra o poder estatal da Igreja. Não fora a reforma introduzida pelo Iluminismo, provavelmente o poder de Estado ainda seria exercido pela Igreja (ou seja, o cristianismo), como ainda acontece com os países de base muçulmana (exceto a Turquia, mais ou menos).

O vídeo infeliz em que a jornalista faz aquela afirmação monstruosa só me faz lembrar que não se deve seguir acriticamente quem quer que seja, líder político ou religioso, como a História têm, tão dolorosamente, ensinado. Com isto quero relembrar que não sou sectário e não estou programado para aceitar ou rejeitar automaticamente o que vier, independendo da fonte.

Não abdico do uso constante da razão.

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* José J. de Espíndola, Ph.D., é doutor pelo ISVR da Universidade de Southampton, Inglaterra, Professor Titular da UFSC, Departamento de Engenharia Mecânica, aposentado, e Dr. Honoris Causa da Universidade Federal do Paraná.


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Veja o vídeo a que se refere o artigo de J. J. de Espíndola
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