por Almir M. Quites - 22/05/2015
A República Popular da China (RPC; em chinês simplificado: 中华人民共和国), também conhecida simplesmente como China, é o maior país da Ásia Oriental e o mais populoso do mundo. Ela tem altíssimo interesse na América Latina, porque é muito mais interessante para ela buscar matérias primas aqui e levá-las pelo Oceano Pacífico.
Atualmente o Negócio da China é o seguinte: emprestar dinheiro para que os países latino-americanos contratem empresas chinesas para fazer obras de infraestrutura de interesse da China.
Por isso, a China tem alto interesse em construir um novo canal interoceânico na Nicarágua que seja uma alternativa ao Canal do Panamá. O Comité de Infra-estrutura da Assembleia Nacional da Nicarágua já aprovou, por unanimidade, a construção do canal por uma empresa chinesa. O projeto está avaliado em 40 bilhões de dólares (cerca de R$ 123 bilhões). A empresa HK Nicaragua Canal Development Investment Co. Limited (HKND Group), com sede em Hong Kong e dirigida pelo magnata das comunicações chinês Wang Jing, terá uma concessão de 50 a 100 anos para construir e operar o canal. A obra durará dez anos.
Pelo mesmo motivo, a China emprestará dinheiro para que países latino-americanos construam a linha de trem rápido chamado de Trem Bi-oceânico, que ligará o Pacífico ao Atlântico, desde as costas do Peru até as do Brasil. Esta obra poderá ser uma versão seca de um "novo Canal do Panamá". A ferrovia bi-oceânica encurtará o tempo e custo de transporte de matérias-primas e mercadorias da América Latina para a China e vice-versa. O Brasil demonstrou satisfação com o interesse de empresas chinesas em financiar a ferrovia transcontinental, cujo custo estimado é de US$ 10 bilhões.
A China planeja a longo prazo e age rápido. Recentemente o primeiro-ministro da China, Li Keqiang (Lĭ Kèqiáng), partiu de Pequim (Beijing) e veio à América latina para assinar acordos de cooperação com vários países.
Quais as consequências desta viagem? Certamente que há implicações de longo prazo, inclusive geopolíticas. Neste texto, pretende-se fazer uma pequena abordagem sobre as vantagens e os riscos para a América Latina. A ideia é suscitar o necessário debate.
É evidente que atualmente o interesse chinês na América Latina é enorme. Isto começou a se evidenciar já no início deste século. Os números mostram isso. Em 2002, a relação comercial da China com a América Latina foi de 12 bilhões de dólares (37,4 bilhões de reais) e, em 2013, já alcançava 261 bilhões (cerca de 808 bilhões de reais), segundo as cifras do Ministério do Comércio chinês.
Quando a aproximação comercial entre o Brasil e a China começou a tornar-se importante, o nosso país ainda se recuperava de uma gravíssima desestruturação econômica, quando o Plano Real ainda estava em consolidação, no tempo do governo FHC (1995-2003). Depois, as relações comerciais tiveram considerável expansão no governo Lula (2003-2010).
No início do governo Lula, a China estava ampliando aceleradamente a importação de commodities. A Vale S/A, que já havia sido privatizada em 1997, apresentou recordes seguidos de exportação de minérios. Neste período, o Brasil conseguiu formar uma reserva de US$ 376 bilhões, o suficiente para o país liquidar a sua dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e dar poder ao Banco Central no controle do câmbio. O poder de compra do povo aumentou consideravelmente em toda a América Latina.
Claro que a China deve ter interesses declarados e também os não declarados. Também é óbvio que estes interesses podem mudar sem aviso prévio. Por isso, é preciso prudência e sagacidade ao negociar com ela.
Quais os interesses declarados da China?
O 11º Plano Quinquenal (FYP, 2006-10) da República Popular da China (RPC) oferece um bom ponto de partida para entender as prioridades oficiais de investimento no exterior. Um dos principais objetivos do FYP é manter o crescimento econômico ao mesmo tempo que preserva a energia e os recursos próprios da China (RPC).
Para isso, na última década, a RPC tem procurado fortalecer as relações comerciais e de investimento com os países da América Latina e do Caribe. Mesmo antes da primeira crise econômica mundial, que teve início em 2007, a demanda quase insaciável da China por commodities para alimentar a sua economia, em rápido crescimento, proporcionou um poderoso estímulo em toda a região. Agora, a China continua a derramar milhares de milhões de dólares na América Latina por meio de investimentos, empréstimos, aquisições e trocas cambiais. Isto é importante e terá consequências para a economia global.
O atual primeiro ministro Chinês, Lĭ Kèqiáng, tem visitado a América Latina desde que tomou posse como chefe de Estado, no ano passado. Na primeira viagem, os líderes da China, do Brasil, Rússia, Índia e África do Sul concordaram em criar um Banco de Desenvolvimento e um Fundo de Reserva, vistos como rivais a instituições financeiras ocidentais mais importantes.
Como Pequim (Beijing) continua à procura de recursos para alimentar o seu crescimento, Li (Lĭ Kèqiáng) vai também a Argentina, em busca de soja, gás e óleo de xisto, e à Venezuela, em busca de Petróleo. Também vai dar uma passadinha por Cuba, aliada de muitas décadas. Mas, enquanto a viagem de Li está voltada principalmente para fechar negócios para satisfazer a demanda da China por novos recursos, o apoio econômico e político de Pequim para com estes países pode ter um preço ainda não totalmente percebido. A curto prazo tudo pode ser maravilhoso, mas certamente há riscos a longo prazo. A China pensa a longo prazo!
Quais os objetivos não declarados da China? Entre eles estará a exportação de seu modelo político?
A China tem uma economia enorme. Ela não só tem a maior população do mundo, mas também é o maior comerciante de mercadorias. Porém, perde para os EUA em termos de poderio militar. Este fato, somado ao fato dos Estados Unidos terem fortes aliados asiáticos, faz com que o governo chinês tente se libertar do que ele percebe como uma operação de cerco por parte dos EUA. Logo, a aproximação da América Latina com a China pode trazer complicações de ordem geopolítica. As disputas territoriais da China com os países vizinhos podem desembocar num conflito militar cujas proporções são difíceis de se prever.
A ascensão da China está intimamente ligada com a diversificação de seus interesses globais. Tudo indica que Pequim entende que não poderá desempenhar o papel de uma grande potência militar enquanto sua tecnologia estiver muito aquém das potências ocidentais. A China está usando as ferramentas de que dispõe: excelente produtividade econômica, vastas reservas de moeda estrangeira e capacidade de cooperação política sem condicionantes políticas ou morais. Nada indica, até aqui, que Pequim esteja interessada em exportar seu modelo político. No momento, parece que toda a preocupação é apenas econômica, mas a atenção com esta questão não deve ser relaxada.
O que a China espera do Brasil?
Parece que o que mais ativa o apetite Chinês no Brasil são os minérios, especialmente o minério de ferro. A China consome 1,3 bilhão de toneladas de minério de ferro por ano, mas tem uma produção de apenas 350 milhões de toneladas. Ela quer adquirir mineradoras brasileiras e já fechou pelo menos três grandes compras de jazidas de ferro no Brasil. No momento ela depende dos preços fixados pelas três gigantes mundiais do ferro: a nossa Vale e as australianas BHP e Rio Tinto. Estas três detêm nada menos do que 80% da produção mundial de minério de ferro. Assim, a opção foi partir para a compra de mineradoras.
Recentemente, foi fechada com o grupo Votorantim operação que resultou no controle da Sul Americana de Metais (SAM), por US$ 390 milhões. A SAM é detentora de reservas minerais da ordem de 2,8 bilhões de toneladas.
A siderúrgica Wuhan Iron and Steel Company (Wisco) comprou 21,5% do capital da mineradora MMX, do empresário Eike Batista, por US$ 400 milhões. O negócio inclui a construção de uma usina de US$ 5 bilhões junto ao Porto do Açu, no Rio de Janeiro.
A maior operação no Brasil, entretanto, ocorreu em março de 2011, com a compra de 100% da Itaminas Comércio de Minérios, empresa com mais de meio século de atuação, dona de reservas estimadas em 1,3 bilhão de toneladas, em Sarzedo, perto de Belo Horizonte. O preço foi de US$ 1,2 bilhão. O comprador foi o Birô de Exploração e Desenvolvimento Mineral do leste da China (ECE).
O apetite por minério de ferro continua. Assim, entram na mira chinesa a Passagem Mineração S/A (Pamin), de Mariana, em Minas Gerais, dona dos ativos minerários da no Morro de Santana, com reservas de 750 milhões de toneladas de itabirito, com teor de 55% de minérios de ferro.
Obviamente a China também está de olho no petróleo brasileiro. Ela, que já é o maior importador de Petróleo do mundo, busca desesperadamente novas fontes de energia. Embora ela seja o maior produtor de carvão do mundo, já ocupa o segundo lugar no ranking mundial de importações carboníferas, perdendo apenas para o Japão.
O que a China espera de Cuba?
A China é o segundo maior parceiro econômico de Cuba, depois da Venezuela.
Havana foi isolada por Pequim devido às tensões sino-soviéticos durante a Guerra Fria. Após o colapso da URSS, um novo horizonte de oportunidades surgiu para ambos os Estados que cultivam o partido único. Mais recentemente, Raúl Castro declarou abertamente ser seguidor do modelo chinês, afirmando, assim, que
Deng Xiaoping (em chinês tradicional 鄧小平) foi o secretário-geral neoliberal do Partido Comunista Chinês (PCC) e o principal líder político da República Popular da China, entre 1978 e 1992. Foi o criador do chamado "socialismo de mercado", regime vigente na China moderna.
O governo do atual presidente chinês, Xi Jinping, observa com especial interesse a transição lenta e controlada de poder em Cuba, mas, ao mesmo tempo, deve estar atento à geopolítica e ao comércio. A proximidade geográfica de Cuba com os EUA é de fundamental importância, como o passado já o demonstrou. A expansão projetada do Canal do Panamá, também deve ter importância significativa para a China. Afinal, o canal desemboca no Mar do Caribe, que banha o sudoeste de Cuba.
O que a China espera da Venezuela?
O comércio entre a China e Venezuela ascendeu a mais de 19 mil milhões de dólares americanos. Ambos países assinaram vários acordos de desenvolvimento no passado recente. A Venezuela é atualmente o maior devedor chinês da América Latina, mas é também o principal fornecedor petróleo da região. Pequim e Caracas mantém laços bilaterais há quarenta anos. A ascensão econômica da China coincidiu com o interesse de Hugo Chávez em diversificar o comércio exterior e buscar alianças militares que pudessem afrontar os EUA. Caracas também é politicamente atraente para Pequim, porque a política externa da Venezuela tem sido fortemente antiamericana. Talvez, no entanto, o mais importante é que a Venezuela, assim como a Colômbia, também se debruça sobre o Mar do Caribe e fica mais próxima do Canal do Panamá do que Cuba.
E a Argentina, o que a China espera dela?
Os interesses chineses também alcançam a Argentina e há interesses recíprocos por razões geo-econômicas e geopolíticas. A Argentina foi convidada a estar mais perto dos BRICs e já integra o G-20. A relação historicamente tensa da Argentina com o sistema bancário multinacional também será uma oportunidade interessante para Beijing aumentar a sua influência na arquitetura financeira mundial. Politicamente, é muito provável que Xi, Presidente da RPC, irá sublinhar a posição oficial da China na disputa entre o Reino Unido e a Argentina sobre as Malvinas, firmando-se na posição anti-colonialista, provavelmente vinculando à questão Sino-Japonesa sobre as ilhas Senkaku/Diaoyu, no Mar da China Oriental.
Deve haver mais questões geopolíticas envolvidas na relação entre a China e a América Latina que não são tão claras no momento. No entanto, só o que já foi apresentado mostra, de modo suficientemente claro, que os chineses investem numa maior dependência dos países latinos americanos a eles. Tudo leva a crer que a República Popular Chinesa pretende ser o polo de todo o comércio latino-americano, direcionando todo o fluxo de commodities para si e de outras mercadorias de si. Portanto há aí uma ameaça aos países latino-americanos: o comércio interamericano poderá declinar.
Por que os países mais abordados pela China são aqueles cujos governos manifestam a tendência bolivariana?
A abordagem chinesa traz também riscos políticos. Os laços políticos e econômicos com a China também tem sido interpretados como uma parte do "Consenso de Pequim" (o modelo econômico chinês), uma receita para o autoritarismo sustentável. Em 2004, em época de plena recuperação econômica global e de crescimento dos países da América Latina, Joshua Cooper Ramo publicou um pequeno livro intitulado The Beijing Consensus, cuja repercussão foi imediata. A partir dessa obra, popularizou-se o termo "Consenso de Pequim" para referência ao estilo político e ao modelo de desenvolvimento que a RPC estaria implementando, a partir de uma série de reformas econômicas. Nas palavras do autor: "China is marking a path for other nations around the world who are trying to figure out not simply how to develop their countries, but also how to fit into the international order in a way that allows them to be truly independent, to protect their way of life and political choices in a world with a single massively powerful centre of gravity. I call this new centre and physics of power and development the Beijing Consensus". (RAMO, 2004). Tradução: "A China está marcando um caminho para outras nações ao redor do mundo, as quais estão tentando descobrir, não apenas como desenvolver seus países, mas também como se encaixar na ordem internacional de um modo que lhes permita ser verdadeiramente independente, para proteger o seu modo de vida e as escolhas políticas em um mundo com um único e poderoso centro de gravidade. Eu chamo este novo centro de poder e de desenvolvimento de Consenso de Pequim." (grifos do autor)
O apoio econômico da China não vem de graça. Podem ter um alto preço e podem gerar compromissos de longo prazo, com tendência a limitar a autonomia dos Estados latino-americanos, bem como influir em seus ordenamentos político e jurídico.
Também é importante ressaltar que a presença chinesa na América Latina é particularmente problemática para o Brasil em nível regional. Parte dos problemas enfrentados pelo governo brasileiro está ligado ao fato de que ele não foi capaz de estabelecer a hegemonia regional no continente. Enquanto Pequim e Brasília podem ser parceiros dentro dos BRICs, os dois países se vêem como rivais na América Latina. Esta relação ambígua com o poder regional deve ser levada em conta quando se tenta entender as relações entre China e América Latina.
A diplomacia chinesa deve estar traçando minuciosamente e pacientemente complexas estratégias de longo prazo para a política externa. O governo chinês deve estar pensando também em garantir a fidelidade Latino-americana. Assim, compreende-se que os investimentos chineses busquem estender seus alvos a projetos mais amplos de infraestrutura. Por exemplo, o consórcio chinês Sinohydro-Andes planeja investir mais de US $ 2 bilhões na construção da maior usina hidrelétrica do Equador, a Coca Codo Sinclair. Oportunidades de investimento similares existem em toda a região. De acordo com um relatório do Banco Mundial, em geral, os países latino-americanos gastam menos de 2% do produto interno bruto (PIB) em infra-estrutura, elevando os custos de logística por um valor estimado de 15-34% do valor dos produtos. Em contraste, os países industrializados gastam cerca de 10% do PIB em infra-estrutura.
As questões diplomáticas visando garantir a fidelidade latino-americana, devem condicionar também projetos nas área de transporte, recursos hídricos e sistemas de tratamento de resíduos urbanos. Todos estes programas de estímulo econômico criaram enormes oportunidades para a China reforçar as suas relações através do fornecimento de dólares para investimento vitais e de empresas chinesas para os serviços.
Por meio de fortes laços comerciais, a China também aumenta a sua influência na América Latina, especialmente na América Central e no Caribe. Para ganhar mais apoio nesta região, a China aumentou seus programas de ajuda internacional de forma significativa. A Costa Rica é um bom exemplo do sucesso diplomático da República Popular da China (RPC). A Costa Rica também se debruça no Mar do Caribe e é vizinha do Canal do Panamá.
Será que os membros do governo brasileiro estão discutindo e analisando a conjuntura internacional em termos geopolíticos ou a crise econômica atual é tão grave que cega o Brasil para isto? Atualmente o Brasil está em franco processo de desindustrialização. As relações com a China, se não forem suficientemente cuidadosas poderão agravar este gravíssimo problema. Além disso, o Brasil, que já está com a economia em frangalhos, perderá espaço na América Latina. O papel de centro irradiante de poder na América Latina, que já está muito reduzido por conta da incompetência dos nossos atuais governantes, será reduzido mais ainda por conta do avanço da influência chinesa.
Finalmente, de passagem, devo "levantar a lebre" sobre o Porto de Mariel, em Cuba. O Brasil emprestou US$ 682, a fundo perdido, por meio de contrato secreto e à revelia do Congresso Nacional, para a Odebrecht ampliar e modernizar o porto. Pergunto: embora o porto fique no lado oposto do Canal do Panamá, terá sido esta operação a contrapartida de um negócio da China?
Quais os riscos da China ao Brasil?
A República Popular da China (RPC; em chinês simplificado: 中华人民共和国), também conhecida simplesmente como China, é o maior país da Ásia Oriental e o mais populoso do mundo. Ela tem altíssimo interesse na América Latina, porque é muito mais interessante para ela buscar matérias primas aqui e levá-las pelo Oceano Pacífico.
Atualmente o Negócio da China é o seguinte: emprestar dinheiro para que os países latino-americanos contratem empresas chinesas para fazer obras de infraestrutura de interesse da China.
Por isso, a China tem alto interesse em construir um novo canal interoceânico na Nicarágua que seja uma alternativa ao Canal do Panamá. O Comité de Infra-estrutura da Assembleia Nacional da Nicarágua já aprovou, por unanimidade, a construção do canal por uma empresa chinesa. O projeto está avaliado em 40 bilhões de dólares (cerca de R$ 123 bilhões). A empresa HK Nicaragua Canal Development Investment Co. Limited (HKND Group), com sede em Hong Kong e dirigida pelo magnata das comunicações chinês Wang Jing, terá uma concessão de 50 a 100 anos para construir e operar o canal. A obra durará dez anos.
Pelo mesmo motivo, a China emprestará dinheiro para que países latino-americanos construam a linha de trem rápido chamado de Trem Bi-oceânico, que ligará o Pacífico ao Atlântico, desde as costas do Peru até as do Brasil. Esta obra poderá ser uma versão seca de um "novo Canal do Panamá". A ferrovia bi-oceânica encurtará o tempo e custo de transporte de matérias-primas e mercadorias da América Latina para a China e vice-versa. O Brasil demonstrou satisfação com o interesse de empresas chinesas em financiar a ferrovia transcontinental, cujo custo estimado é de US$ 10 bilhões.
A China planeja a longo prazo e age rápido. Recentemente o primeiro-ministro da China, Li Keqiang (Lĭ Kèqiáng), partiu de Pequim (Beijing) e veio à América latina para assinar acordos de cooperação com vários países.
Quais as consequências desta viagem? Certamente que há implicações de longo prazo, inclusive geopolíticas. Neste texto, pretende-se fazer uma pequena abordagem sobre as vantagens e os riscos para a América Latina. A ideia é suscitar o necessário debate.
É evidente que atualmente o interesse chinês na América Latina é enorme. Isto começou a se evidenciar já no início deste século. Os números mostram isso. Em 2002, a relação comercial da China com a América Latina foi de 12 bilhões de dólares (37,4 bilhões de reais) e, em 2013, já alcançava 261 bilhões (cerca de 808 bilhões de reais), segundo as cifras do Ministério do Comércio chinês.
Quando a aproximação comercial entre o Brasil e a China começou a tornar-se importante, o nosso país ainda se recuperava de uma gravíssima desestruturação econômica, quando o Plano Real ainda estava em consolidação, no tempo do governo FHC (1995-2003). Depois, as relações comerciais tiveram considerável expansão no governo Lula (2003-2010).
No início do governo Lula, a China estava ampliando aceleradamente a importação de commodities. A Vale S/A, que já havia sido privatizada em 1997, apresentou recordes seguidos de exportação de minérios. Neste período, o Brasil conseguiu formar uma reserva de US$ 376 bilhões, o suficiente para o país liquidar a sua dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e dar poder ao Banco Central no controle do câmbio. O poder de compra do povo aumentou consideravelmente em toda a América Latina.
Claro que a China deve ter interesses declarados e também os não declarados. Também é óbvio que estes interesses podem mudar sem aviso prévio. Por isso, é preciso prudência e sagacidade ao negociar com ela.
Quais os interesses declarados da China?
O 11º Plano Quinquenal (FYP, 2006-10) da República Popular da China (RPC) oferece um bom ponto de partida para entender as prioridades oficiais de investimento no exterior. Um dos principais objetivos do FYP é manter o crescimento econômico ao mesmo tempo que preserva a energia e os recursos próprios da China (RPC).
Para isso, na última década, a RPC tem procurado fortalecer as relações comerciais e de investimento com os países da América Latina e do Caribe. Mesmo antes da primeira crise econômica mundial, que teve início em 2007, a demanda quase insaciável da China por commodities para alimentar a sua economia, em rápido crescimento, proporcionou um poderoso estímulo em toda a região. Agora, a China continua a derramar milhares de milhões de dólares na América Latina por meio de investimentos, empréstimos, aquisições e trocas cambiais. Isto é importante e terá consequências para a economia global.
O atual primeiro ministro Chinês, Lĭ Kèqiáng, tem visitado a América Latina desde que tomou posse como chefe de Estado, no ano passado. Na primeira viagem, os líderes da China, do Brasil, Rússia, Índia e África do Sul concordaram em criar um Banco de Desenvolvimento e um Fundo de Reserva, vistos como rivais a instituições financeiras ocidentais mais importantes.
Como Pequim (Beijing) continua à procura de recursos para alimentar o seu crescimento, Li (Lĭ Kèqiáng) vai também a Argentina, em busca de soja, gás e óleo de xisto, e à Venezuela, em busca de Petróleo. Também vai dar uma passadinha por Cuba, aliada de muitas décadas. Mas, enquanto a viagem de Li está voltada principalmente para fechar negócios para satisfazer a demanda da China por novos recursos, o apoio econômico e político de Pequim para com estes países pode ter um preço ainda não totalmente percebido. A curto prazo tudo pode ser maravilhoso, mas certamente há riscos a longo prazo. A China pensa a longo prazo!
Quais os objetivos não declarados da China? Entre eles estará a exportação de seu modelo político?
A China tem uma economia enorme. Ela não só tem a maior população do mundo, mas também é o maior comerciante de mercadorias. Porém, perde para os EUA em termos de poderio militar. Este fato, somado ao fato dos Estados Unidos terem fortes aliados asiáticos, faz com que o governo chinês tente se libertar do que ele percebe como uma operação de cerco por parte dos EUA. Logo, a aproximação da América Latina com a China pode trazer complicações de ordem geopolítica. As disputas territoriais da China com os países vizinhos podem desembocar num conflito militar cujas proporções são difíceis de se prever.
A ascensão da China está intimamente ligada com a diversificação de seus interesses globais. Tudo indica que Pequim entende que não poderá desempenhar o papel de uma grande potência militar enquanto sua tecnologia estiver muito aquém das potências ocidentais. A China está usando as ferramentas de que dispõe: excelente produtividade econômica, vastas reservas de moeda estrangeira e capacidade de cooperação política sem condicionantes políticas ou morais. Nada indica, até aqui, que Pequim esteja interessada em exportar seu modelo político. No momento, parece que toda a preocupação é apenas econômica, mas a atenção com esta questão não deve ser relaxada.
O que a China espera do Brasil?
Parece que o que mais ativa o apetite Chinês no Brasil são os minérios, especialmente o minério de ferro. A China consome 1,3 bilhão de toneladas de minério de ferro por ano, mas tem uma produção de apenas 350 milhões de toneladas. Ela quer adquirir mineradoras brasileiras e já fechou pelo menos três grandes compras de jazidas de ferro no Brasil. No momento ela depende dos preços fixados pelas três gigantes mundiais do ferro: a nossa Vale e as australianas BHP e Rio Tinto. Estas três detêm nada menos do que 80% da produção mundial de minério de ferro. Assim, a opção foi partir para a compra de mineradoras.
Recentemente, foi fechada com o grupo Votorantim operação que resultou no controle da Sul Americana de Metais (SAM), por US$ 390 milhões. A SAM é detentora de reservas minerais da ordem de 2,8 bilhões de toneladas.
A siderúrgica Wuhan Iron and Steel Company (Wisco) comprou 21,5% do capital da mineradora MMX, do empresário Eike Batista, por US$ 400 milhões. O negócio inclui a construção de uma usina de US$ 5 bilhões junto ao Porto do Açu, no Rio de Janeiro.
A maior operação no Brasil, entretanto, ocorreu em março de 2011, com a compra de 100% da Itaminas Comércio de Minérios, empresa com mais de meio século de atuação, dona de reservas estimadas em 1,3 bilhão de toneladas, em Sarzedo, perto de Belo Horizonte. O preço foi de US$ 1,2 bilhão. O comprador foi o Birô de Exploração e Desenvolvimento Mineral do leste da China (ECE).
O apetite por minério de ferro continua. Assim, entram na mira chinesa a Passagem Mineração S/A (Pamin), de Mariana, em Minas Gerais, dona dos ativos minerários da no Morro de Santana, com reservas de 750 milhões de toneladas de itabirito, com teor de 55% de minérios de ferro.
Obviamente a China também está de olho no petróleo brasileiro. Ela, que já é o maior importador de Petróleo do mundo, busca desesperadamente novas fontes de energia. Embora ela seja o maior produtor de carvão do mundo, já ocupa o segundo lugar no ranking mundial de importações carboníferas, perdendo apenas para o Japão.
O que a China espera de Cuba?
A China é o segundo maior parceiro econômico de Cuba, depois da Venezuela.
Havana foi isolada por Pequim devido às tensões sino-soviéticos durante a Guerra Fria. Após o colapso da URSS, um novo horizonte de oportunidades surgiu para ambos os Estados que cultivam o partido único. Mais recentemente, Raúl Castro declarou abertamente ser seguidor do modelo chinês, afirmando, assim, que
- "Havana apoia a ascensão política da China", e
- "Cuba quer evoluir de um estado marxista-leninista ortodoxa para um estado de inspiração Xiaoping Deng, com uma partido único e forte no poder, mas também com a capacidade de introduzir e implementar reformas econômicas fundamentais".
Deng Xiaoping (em chinês tradicional 鄧小平) foi o secretário-geral neoliberal do Partido Comunista Chinês (PCC) e o principal líder político da República Popular da China, entre 1978 e 1992. Foi o criador do chamado "socialismo de mercado", regime vigente na China moderna.
O governo do atual presidente chinês, Xi Jinping, observa com especial interesse a transição lenta e controlada de poder em Cuba, mas, ao mesmo tempo, deve estar atento à geopolítica e ao comércio. A proximidade geográfica de Cuba com os EUA é de fundamental importância, como o passado já o demonstrou. A expansão projetada do Canal do Panamá, também deve ter importância significativa para a China. Afinal, o canal desemboca no Mar do Caribe, que banha o sudoeste de Cuba.
O que a China espera da Venezuela?
O comércio entre a China e Venezuela ascendeu a mais de 19 mil milhões de dólares americanos. Ambos países assinaram vários acordos de desenvolvimento no passado recente. A Venezuela é atualmente o maior devedor chinês da América Latina, mas é também o principal fornecedor petróleo da região. Pequim e Caracas mantém laços bilaterais há quarenta anos. A ascensão econômica da China coincidiu com o interesse de Hugo Chávez em diversificar o comércio exterior e buscar alianças militares que pudessem afrontar os EUA. Caracas também é politicamente atraente para Pequim, porque a política externa da Venezuela tem sido fortemente antiamericana. Talvez, no entanto, o mais importante é que a Venezuela, assim como a Colômbia, também se debruça sobre o Mar do Caribe e fica mais próxima do Canal do Panamá do que Cuba.
E a Argentina, o que a China espera dela?
Os interesses chineses também alcançam a Argentina e há interesses recíprocos por razões geo-econômicas e geopolíticas. A Argentina foi convidada a estar mais perto dos BRICs e já integra o G-20. A relação historicamente tensa da Argentina com o sistema bancário multinacional também será uma oportunidade interessante para Beijing aumentar a sua influência na arquitetura financeira mundial. Politicamente, é muito provável que Xi, Presidente da RPC, irá sublinhar a posição oficial da China na disputa entre o Reino Unido e a Argentina sobre as Malvinas, firmando-se na posição anti-colonialista, provavelmente vinculando à questão Sino-Japonesa sobre as ilhas Senkaku/Diaoyu, no Mar da China Oriental.
Deve haver mais questões geopolíticas envolvidas na relação entre a China e a América Latina que não são tão claras no momento. No entanto, só o que já foi apresentado mostra, de modo suficientemente claro, que os chineses investem numa maior dependência dos países latinos americanos a eles. Tudo leva a crer que a República Popular Chinesa pretende ser o polo de todo o comércio latino-americano, direcionando todo o fluxo de commodities para si e de outras mercadorias de si. Portanto há aí uma ameaça aos países latino-americanos: o comércio interamericano poderá declinar.
Por que os países mais abordados pela China são aqueles cujos governos manifestam a tendência bolivariana?
A abordagem chinesa traz também riscos políticos. Os laços políticos e econômicos com a China também tem sido interpretados como uma parte do "Consenso de Pequim" (o modelo econômico chinês), uma receita para o autoritarismo sustentável. Em 2004, em época de plena recuperação econômica global e de crescimento dos países da América Latina, Joshua Cooper Ramo publicou um pequeno livro intitulado The Beijing Consensus, cuja repercussão foi imediata. A partir dessa obra, popularizou-se o termo "Consenso de Pequim" para referência ao estilo político e ao modelo de desenvolvimento que a RPC estaria implementando, a partir de uma série de reformas econômicas. Nas palavras do autor: "China is marking a path for other nations around the world who are trying to figure out not simply how to develop their countries, but also how to fit into the international order in a way that allows them to be truly independent, to protect their way of life and political choices in a world with a single massively powerful centre of gravity. I call this new centre and physics of power and development the Beijing Consensus". (RAMO, 2004). Tradução: "A China está marcando um caminho para outras nações ao redor do mundo, as quais estão tentando descobrir, não apenas como desenvolver seus países, mas também como se encaixar na ordem internacional de um modo que lhes permita ser verdadeiramente independente, para proteger o seu modo de vida e as escolhas políticas em um mundo com um único e poderoso centro de gravidade. Eu chamo este novo centro de poder e de desenvolvimento de Consenso de Pequim." (grifos do autor)
O apoio econômico da China não vem de graça. Podem ter um alto preço e podem gerar compromissos de longo prazo, com tendência a limitar a autonomia dos Estados latino-americanos, bem como influir em seus ordenamentos político e jurídico.
Também é importante ressaltar que a presença chinesa na América Latina é particularmente problemática para o Brasil em nível regional. Parte dos problemas enfrentados pelo governo brasileiro está ligado ao fato de que ele não foi capaz de estabelecer a hegemonia regional no continente. Enquanto Pequim e Brasília podem ser parceiros dentro dos BRICs, os dois países se vêem como rivais na América Latina. Esta relação ambígua com o poder regional deve ser levada em conta quando se tenta entender as relações entre China e América Latina.
A diplomacia chinesa deve estar traçando minuciosamente e pacientemente complexas estratégias de longo prazo para a política externa. O governo chinês deve estar pensando também em garantir a fidelidade Latino-americana. Assim, compreende-se que os investimentos chineses busquem estender seus alvos a projetos mais amplos de infraestrutura. Por exemplo, o consórcio chinês Sinohydro-Andes planeja investir mais de US $ 2 bilhões na construção da maior usina hidrelétrica do Equador, a Coca Codo Sinclair. Oportunidades de investimento similares existem em toda a região. De acordo com um relatório do Banco Mundial, em geral, os países latino-americanos gastam menos de 2% do produto interno bruto (PIB) em infra-estrutura, elevando os custos de logística por um valor estimado de 15-34% do valor dos produtos. Em contraste, os países industrializados gastam cerca de 10% do PIB em infra-estrutura.
As questões diplomáticas visando garantir a fidelidade latino-americana, devem condicionar também projetos nas área de transporte, recursos hídricos e sistemas de tratamento de resíduos urbanos. Todos estes programas de estímulo econômico criaram enormes oportunidades para a China reforçar as suas relações através do fornecimento de dólares para investimento vitais e de empresas chinesas para os serviços.
Por meio de fortes laços comerciais, a China também aumenta a sua influência na América Latina, especialmente na América Central e no Caribe. Para ganhar mais apoio nesta região, a China aumentou seus programas de ajuda internacional de forma significativa. A Costa Rica é um bom exemplo do sucesso diplomático da República Popular da China (RPC). A Costa Rica também se debruça no Mar do Caribe e é vizinha do Canal do Panamá.
Será que os membros do governo brasileiro estão discutindo e analisando a conjuntura internacional em termos geopolíticos ou a crise econômica atual é tão grave que cega o Brasil para isto? Atualmente o Brasil está em franco processo de desindustrialização. As relações com a China, se não forem suficientemente cuidadosas poderão agravar este gravíssimo problema. Além disso, o Brasil, que já está com a economia em frangalhos, perderá espaço na América Latina. O papel de centro irradiante de poder na América Latina, que já está muito reduzido por conta da incompetência dos nossos atuais governantes, será reduzido mais ainda por conta do avanço da influência chinesa.
Finalmente, de passagem, devo "levantar a lebre" sobre o Porto de Mariel, em Cuba. O Brasil emprestou US$ 682, a fundo perdido, por meio de contrato secreto e à revelia do Congresso Nacional, para a Odebrecht ampliar e modernizar o porto. Pergunto: embora o porto fique no lado oposto do Canal do Panamá, terá sido esta operação a contrapartida de um negócio da China?
Quais os riscos da China ao Brasil?
Se o atual projeto Chinês der certo, a dependência brasileira de um modelo político e econômico centrado só nos interesses chineses pode ser perigoso a longo prazo. Se der errado, a China mudará seus objetivos estratégicos inesperada e unilateralmente. Em qualquer dos casos, o Brasil terá dificuldades.
A economia da China ainda não está madura, embora seja um grande importador de commodities há mais de duas décadas. Um desequilíbrio imprevisto pode ser um fator capaz de mudar as estratégias atuais. O Brasil não deve ficar a mercê do planejamento estratégico Chinês. Se governo chinês decidir mudar de comportamento e redirecionar a economia, por exemplo privilegiando o comércio asiático e a produção interna de commodities, o Brasil será duramente afetado em sua exportação de soja, minério de ferro e petróleo.
O risco atual do Brasil é o de tornar-se dependente da China. Para que isto não ocorra o Brasil precisa diversificar seus consumidores de commodities e tratar de exportar também produtos de maior valor agregado.
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A economia da China ainda não está madura, embora seja um grande importador de commodities há mais de duas décadas. Um desequilíbrio imprevisto pode ser um fator capaz de mudar as estratégias atuais. O Brasil não deve ficar a mercê do planejamento estratégico Chinês. Se governo chinês decidir mudar de comportamento e redirecionar a economia, por exemplo privilegiando o comércio asiático e a produção interna de commodities, o Brasil será duramente afetado em sua exportação de soja, minério de ferro e petróleo.
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