Almir Quites -20/09/2013
Tenho visto muitos comentários favoráveis ao voto do ministro Celso de Mello, que concedeu o recurso dos embargos infringentes a réus da Ação Criminal do Mensalão (AC 470), como se fora um voto “denso e demolidor”. Contudo, confesso que não entendo assim. Parece-me que teria sido fácil contestá-lo. Até me pergunto: por que não o fizeram?
Disseram-me que estou me intrometendo em área alheia, porque não sou advogado. Realmente, quem sou eu para criticar o voto do decano dos ministros do STF? Mesmo assim, vou apresentar aqui os meus argumentos e dúvidas. Se eu estiver errado, por favor, apontem os erros! Assim todos nós poderemos interpretar melhor o que aconteceu no STF na tarde do dia 18/09/2013.
Considero que antes da Lei está a LÓGICA. É armado com a lógica que entro nesta discussão jurídica e só serei abatido por um erro de lógica. Se a Lei viesse a estabelecer que 2 + 3 = 10, seria inócua, porque na matemática continuaria sendo 2 + 3 = 5. Se a Constituição Federal revogasse a lei da gravidade, estabelecida por Isaac Newton em 1687, as massas continuariam se atraindo segundo a lei revogada, ignorando a Constituição, assim como o mercado ignorou a Constituição de 1988, que no seu § 3º do art. 192, limitara a taxa de juros reais a 12% ao ano. Este artigo teve que ser revogado em 2003, porque a lógica do mercado era preponderante.
O recurso judicial é a forma de se provocar uma reanálise sobre uma decisão, dentro do mesmo processo, para modificá-la. Embargo infringente é o recurso cabível contra acórdãos não unânimes proferidos pelos tribunais. São portanto matérias do Direito Processual.
Em minha opinião, o decano errou desde quando, ainda no início do processo, antecipou seu voto ao declarar que a negação dos embargos infringentes aos réus do Mensalão representaria "uma ofensa à garantia de um segundo julgamento". Errou, não por confrontar o "clamor das ruas", mas por confrontar a lógica e o ordenamento jurídico. É o que pretendo mostrar a seguir, aceitando a possibilidade de errar e de ter que me retratar.
O ministro decano apoiou seu argumento no princípio do Duplo Grau de Jurisdição, pelo qual todos os cidadãos teriam direito à reanálise de seu processo. Este princípio não está claramente expresso na Constituição. Ainda que estivesse, tal princípio, não poderia ser aplicável para a última instância, no caso o STF, porque não há qualquer outro grau de jurisdição (instância) acima do STF. Quando se fala em grau de jurisdição ou instância, indica-se a hierarquia judiciária de um órgão. Não sendo, tal princípio, aplicável ao caso, tais embargos não passariam de uma súplica de reconsideração das penas aplicadas (à mesma instância). Portanto, não fazem sentido! Seria um simples jus sperniandi (direito do esperneio, de reclamar, quando não há nada mais a se fazer). No caso do Mensalão, tal súplica só pode ter eficácia devido à modificação da composição do plenário, na qual os próprios réus interferem, via governo.
Isto é um absurdo! Como o governo federal continuou apoiando os réus, mesmo após a condenação (grave degeneração de valores!), o réu, de fato, passou a ser o próprio governo federal. Isto debilita o Tribunal.
O decano dos ministros apresentou também outro argumento. Considerou que os Embargos Infringentes estão previstos no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (artigo 333, inciso I, do Regimento Interno do STF) e que este artigo permanece válido. Concluiu o ministro: “Tenho para mim que ainda subsistem no âmbito do STF nas ações penais originárias os embargos infringentes previstos no regimento que, a meu ver, não sofreu no ponto revogação tácita em decorrência da Lei 8.038/1990, que se limitou a dispor sobre normas meramente procedimentais concernentes às causas penais originárias, indicando‐lhes a ordem ritual e regendo‐as até o encerramento da instrução probatória, inclusive, para, a partir daí, submeter o julgamento ao domínio regimental, abstendo‐se, no entanto, em silêncio eloquente, típico de lacunas normativas conscientes, voluntárias ou intencionais, de regular o sistema de recursos internos já extensamente disciplinado em sede regimental...”.
Penso que os embargos infringentes não foram aceitos sequer pela Constituição de 1988. Trata-se de uma não recepção material. Recepção material é a persistência de normas constitucionais anteriores que conservam, em caráter secundário, a qualidade anterior de normas constitucionais. Essas normas são recebidas (aceitas) por prazo determinado, em decorrência de seu caráter precário. Explico melhor, a seguir.
A antiga Constituição, a de 1967 e a Emenda Constitucional n°1 de 1969 concediam “poder normativo” ao Supremo Tribunal Federal para criar normas de processo que regulamentassem as ações por ele julgadas e os trabalhos da corte. Como é possível sustentar que, no regime jurídico configurado pela Constituição de 1988, uma norma de processo (criada pelo STF no exercício de competência normativa) lhe seja compatível? Como sustentar esta compatibilidade quando o artigo 22, inciso I da atual Constituição Federal diz expressamente que compete à União, portanto ao Congresso Nacional, legislar sobre direito processual? Nesse caso, não estamos diante de uma simples questão de forma porque a distribuição das competências federativas é elemento essencial.
Esse argumento já se insinuara no voto da ministra Cármen Lúcia quando defendeu a unidade do direito processual no sistema jurídico pátrio. Está óbvio que os Constituintes decidiram por um sistema processual único, para todo o país. Como admitir exceções para o STF? Claro que procedimentos podem ser implementados de modo próprio, mas não recursos. Como é possível um simples regimento interno valer mais do que a Constituição?
O ministro Celso garante que a Lei 8038 de 1990, quando tratou da ação penal originária no âmbito do STF e do STJ, não revogou os embargos infringentes. Embora não tenha examinado Lei 8038, mas tão somente o texto do parecer do ministro decano, não fiquei convencido de sua tese. Explico por quê.
Como observo, o próprio ministro decano afirma que a Lei não foi explícita. Em outras palavras, a Lei não revogou explicitamente o artigo 333 do Regimento Interno do STF. Então o ministro decano tratou de interpretar o tal “silêncio eloquente”. Para mim, isto não tem cabimento, porque SILÊNCIO, neste caso, implica revogação. A menos que aceitemos o absurdo de um recurso existir no STF e não no STJ, quebrando a unidade do direito processual, que é determinação constitucional. Portanto, é forçoso concluir-se que não havia necessidade alguma de uma revogação expressa do artigo 333, inciso I, já que quem deve adequar-se à Lei é o Regimento interno e não ao contrário! Afinal, o STF não tem poderes para legislar. Deve ater-se a interpretação correta e à aplicação da Lei.
Quando os deputados federais decidiram não aprovar uma rejeição explícita dos embargos infringentes pode ter sido exatamente por ser uma medida desnecessária, por ser óbvia. (Nota: os senadores só aprovaram na íntegra o projeto que receberam da Câmara Federal).
Porém o decano dos ministrou optou por outro caminho: tratou de interpretar a intenção dos legisladores.
“Cada cabeça, uma sentença”. Então, como adivinhar o que cada legislador pensou ao votar? Pois o ministro abandonou a objetividade do Direito para tentar advinhar a intenção dos congressistas.
O ministro Celso de Mello, em seu voto, optou por interpretar a intenção do Legislador (o Congresso Nacional) e para isso invocou uma decisão da Câmara, de 1998, no tempo do Governo FHC, que rejeitara proposta de extinção dos embargos infringentes (contra as decisão de plenário do STF). Mas o ministro baseou-se na declaração de voto em separado de um único deputado, o Deputado Federal Jarbas Lima, da antiga ARENA! Daí a imaginar que este voto declarado possa representar a vontade da maioria da Câmara Federal há um longo, sombrio e duvidoso caminho. Celso de Mello também se apoiou nas leis do regime de exceção da ditadura militar. Ora, isto foi há 50 anos! O que importa é interpretar a lei 8038, a que está em vigência. Celso de Mello também se baseou nas leis do tempo do Império. Ora, isto está há um século longe de nosso tempo. O que importa é interpretar a lei 8038, repito, a que está em vigência. Garanto que os atuais legisladores, no caso, os deputados federais não pensaram nas leis do Império para decidir seu voto.
A
questão deveria ter sido tratada objetivamente e sem depender de uma
interpretação de insondáveis intenções dos legisladores, os quais
decidiram por voto da maioria.
Quando o STF faz uma interpretação equivocada, fazendo vigorar um tipo de recurso logicamente incabível, isto acarreta severíssimas consequências para o futuro. O pior, é que, de fato, o STF está legislando, invadindo outro poder e, assim, afrontando a Constituição, que zela pela total independência dos poderes.
Eu acho que, juridicamente, não caberiam os embargos infringentes. A Constituição diz que é competência privativa do STF elaborar seu regimento, mas que este deve obedecer as normais processuais. O Art. 96 da Constituição diz que “compete privativamente aos tribunais eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes”.
Nem mesmo Medida Provisória pode ser proposta sobre matéria processual. Por exemplo: Art. 62 – “Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. § 1º - É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria de direito penal, processual e processual civil”.
O Código de Processo Penal diz que os embargos são cabíveis em segunda instância, para os tribunais estaduais, mas não para os tribunais superiores, de última instância.
A meu ver, o regimento interno do Supremo Tribunal Federal não tem o direito de prever uma instância de recurso que não seja explicitamente prevista na Lei. Acontece que, para o ministro Celso de Mello, o regimento interno do STF teria sido “reconhecido como Lei”, portanto absurdamente equiparado à lei 8038/1990. É o que se depreende do seguinte texto de seu voto: “Cabe registrar, no ponto, que a norma inscrita no art. 333, n. I, do RISTF, embora formalmente regimental, qualifica‐se como prescrição de caráter materialmente legislativo, eis que editada pelo Supremo Tribunal Federal com base em poder normativo primário que lhe foi expressamente conferido pela Carta Política de 1969 (art. 119, § 3º, “c”)”. Ora, ora!!! Trata-se de CARTA POLÍTICA do regime de exceção, ou seja, da ditadura militar!
Em outro trecho, o ministro decano diz: “Tais observações, contudo, não descaracterizam a legitimidade constitucional da norma inscrita no art. 333, I, do RISTF, pois, como anteriormente enfatizado, essa prescrição normativa foi recepcionada pela vigente ordem constitucional (RTJ 147/1010 – RTJ 151/278 ‐ 279 – RTJ 190/1084, v.g.), que lhe atribuiu força e autoridade de lei, viabilizando‐lhe, desse modo, a integral aplicabilidade por esta Suprema Corte”.
Estas RTJs citadas são os tais preceitos regimentais com força e eficácia de lei (sobre normas de direito processual) que, sob a égide da carta federal de 1969, da ditadura militar, teriam sido acolhidos pela Constituição de 1988 como tendo eficácia de lei. A que ponto se chegou! Chegou-se a algo que, ao que me parece, deveria ser excretado e substituído por mecanismos jurídicos normais.
Então, artigos do regimento interno do STF tem eficácia de Lei? Assim sendo, só podem ser revogados por expressa, ululante, manifestação da Lei? Então o STF já não pode decidir sobre seu próprio regimento interno?
Tudo muito confuso! Quase nada me parece lógico no voto do ministro Celso de Mello.
Estou convencido que há mesmo muito a corrigir na Constituição de 1988, desde o fato de parlamentares terem foro privilegiado e legislarem sobre o processo judicial, ou seja, com a possibilidade de legislarem em causa própria, até o fato de o governo apoiar condenados e indicar os ministros do STF para o referendo de um Congresso comprado com os próprios recursos originários do crime de peculato cometidos por aqueles mesmos condenados.
Se o princípio do Duplo Grau de Jurisdição não é aplicável ao caso, então os embargos infringentes foram concedidos porque o artigo 333 do Regimento Interno de STF teria eficácia de Lei, ainda que afrontando a Constituição e exigindo uma revogação expressa por Lei.
Esta última afirmação me deixa perplexo. Artigos de um regimento interno com força de Lei? Fico com a impressão de que as pressões políticas destroem a coesão da lógica.
O STF sai desta extremamente debilitado!
Vi a jornalista da TV Globo, Cristiana Lobo, dizer que "a Presidente Dilma está sendo muito elogiada pela escolhas que fez dos novos integrantes do STF". Esta aberração ética e moral está sendo passada para a população como algo normal. Parabéns à Presidente que soube escolher os ministros que absolveriam o seu Governo! Governo que, de fato, é o grande réu deste processo. A venda da JUSTIÇA impede que o STF perceba isso.
Por favor, apontem os meus erros, neste texto. Poderei melhorá-lo ou até mesmo mudar de opinião, desde que os argumentos sejam convincentes.
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