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quinta-feira, 7 de julho de 2016

Suspeitíssima urgência na legalização da jogatina

Por Almir Quites - 07/07/2016


Gosto de escrever contos, especialmente aqueles que contam o conto (o embuste) que os políticos contam para "dourar a pílula" que o povo "engole". É o que vou fazer, escrever!

Era uma vez um país que discutia a legalização da profissão de assaltante. A maioria dos congressistas defendia esta proposta. Os ladrões declarariam ao governo o produto do roubo e pagariam impostos. Os parlamentares afirmavam que a aprovação da proposta traria dezenas de bilhões de reais, por ano, para os cofres públicos, os quais seriam aplicados na área da saúde. Muitos cidadãos estavam de acordo. Diziam que "todo mundo" se beneficiaria do roubo, "não apenas meia dúzia"; que quem fosse contra seria babaca; que ser contra a proposta era uma postura retrógrada e condescendente; que o povo não precisava de babá, afinal eram todos marmanjos, vacinados e que pagavam seus impostos em dia; que quem fosse assaltado seria porque não soube se defender ou se deixou enganar; que cada um tem o direito de decidir livremente quando correr o risco de assaltar alguém; que o Estado faria uma grande economia com o fim da instituição policial, nem haveria mais gastos com operações de investigação, como a Lava-Jato; etc. Enfim, diziam tudo aquilo que por impulso escreviam nas redes sociais.

Subitamente sinto que devo interromper este texto. Paro por aqui, porque tenho medo que o STF me processe por incitação ao crime!

Vamos voltar a nossa realidade, a qual não é menos absurda. Aliás, é muito similar ao conto que não escrevi.

Soube hoje que a apreciação do projeto do senador Ciro Nogueira (PP-PI) pelo plenário do Senado da República sobre a legalização do funcionamento de cassinos, bingos e jogos do bicho no país, foi adiada por três dias. Fico espantado com as prioridades do Senado e com a rapidez com que certas coisas acontecem sem um debate público adequado.

Dizem que a maioria dos congressistas brasileiros defende a legalização dos jogos com o argumento de que traria R$ 15 bilhões ao ano para os cofres públicos.









Antes de discutir a legalização dos jogos de azar, vou demonstrar que o argumento da arrecadação é inválido,
  1. primeiro, porque o valor da arrecadação é falso; 
  2. segundo, porque o argumento não é lógico. 

Depois de descartá-lo voltarei a a discutir o assunto em foco. 

Agora, explico o item 1. 

Começo ressaltando que é extremamente difícil estimar a arrecadação que os jogos proporcionariam ao Estado. O número que foi citado é palpite a esmo. É um "chute"! Nem se sabe qual será a clientela deste mercado. Seria a mesma que costuma jogar em cassinos internacionais? Nossos cassinos terão credibilidade suficiente para atrair jogadores de alta renda do exterior? Claro que não! Acho que a clientela de alta renda será mesmo formada basicamente por brasileiros. Estes, se não gastarem seu dinheiro no cassino, gastarão no consumo. Logo, a arrecadação pelo Estado não deixará de ocorrer. Por outro lado, como estimar a sonegação dos donos do mercado de jogos?

Então, como estimar a arrecadação extra para os cofres públicos com razoável certeza? 

Para expandir a clientela pelas classes de média e de baixa renda, a modalidade terá que ser ampliada com bingos e caça-niqueis bem espalhados por aí. Assim, pessoas das classes C e D tentarão a sorte. Nesta vã esperança, separarão algum dinheirinho para jogar, mas, se não o fizerem, essa quantia não deixará de ser tributada pelo Estado, como hoje ocorre, porque será gasta no consumo. Estas classes sociais não poupam, não conseguem. Se não gastarem no jogo, gastarão no mercado, no futebol, no bar, no cinema, na compra de moto etc. Logo, o dinheiro será tributado de qualquer forma.

Passo agora ao item 2.

Há um detalhe fulminante para descartar arrecadação de mais impostos como argumento válido para justificar a legalidade dos jogos de azar. É o seguinte: o princípio válido é justamente o contrário a este, a saber, só é valido arrecadar impostos sobre as atividades econômicas que forem legais e só podem ser legais as atividades que não tragam prejuízos à sociedade. Muitas atividades, que movimentam grandes somas, são ilícitas justamente por serem nocivas. Elas devem ser proibidas! Logo,não são tributáveis, ainda que delas pudesse resultar uma elevação expressiva da arrecadação. 

Então, a suposta arrecadação de impostos não vale como argumento em favor da legalização dos jogos de azar. Fazê-lo seria repetir o mesmo erro que se comete quando se arrecada tributos na venda de tabaco em suas diversas formas, do cigarro ao fumo mascado. É o Estado imoral e burro, porque arrecada do fumante e depois arca desleixadamente com as despesas do doente no sistema público de saúde. A liberação do fumo e das drogas significa assegurar o direito do cidadão a se envenenar e passar a conta para a sociedade. 

O que constato é que os discursos dos defensores da legalização dos jogos de azar, limitam-se ao fomento das receitas nacionais, ao fortalecimento do turismo em determinadas regiões e à geração de empregos. Para sustentá-los, "chutam" números que podem impressionar, mas não vão além disso, porque não apresentam uma avaliação mais detida sobre os impactos sociais, em especial com respeito à segurança pública, à saúde e à qualidade dos empregos gerados pelo mercado da jogatina.

Agora que já mostrei que o argumento da arrecadação é inválido, principalmente por inverter a lógica e pôr "o carro na frente dos bois", passo a apresentar argumentos que considero válidos. 

Em minha opinião, o Brasil não tem maturidade para explorar o jogo de azar sem favorecer a bandidagem. Um país desorganizado, pobre e inculto, como o Brasil, não tem por que priorizar a abertura de cassinos, principalmente num momento como este! Desviar recursos humanos e financeiros para o controle de uma atividade de alto risco e que não produz nada, parece-me, no mínimo, imprudente. 

As casas de jogo precisariam ser muito bem fiscalizadas, o que duvido que aconteça. Elas sonegam, associam-se ao contrabando, lavam dinheiro e manipulam a sorte dos clientes, sem produzir nada de útil. 

Quem seriam os magnatas donos dos cassinos, senão a escória traficante e clandestina da nossa sociedade? A "bancada dos jogos" no Congresso não tardaria a se tornar bem visível e influente. Repito, trata-se de uma atividade com enorme tradição em corrupção. Eu não posso deixar de suspeitar de que há alguma grande falcatrua por trás desta iniciativa. Qual o interesse de Renan Calheiros neste caso? Por que grande número de parlamentares estão interessados nisto?

Em abril de 2010, o então presidente da Câmara dos Deputados, hoje presidente em exercício, Michel Temer, convocou uma comissão especial e diversos especialistas para debaterem a legalização do jogo. Alguns órgãos estatais convidados, como COAF e Receita Federal, manifestaram a opinião de que o Brasil não tinha estrutura adequada ou cultura institucional para mitigar os riscos da atividade e realizar seu efetivo controle. 

Por que insistem nisso agora?

Os cassinos sonegam impostos. Não foi por acaso que a ideia de legalizar o jogo de azar no Brasil, anseio de muitos dos mega contraventores, surgiu no Congresso, sem qualquer demanda popular, por iniciativa de parlamentares hoje envolvidos na Lava-Jato

As peculiaridades da indústria da jogatina proporcionam o manejo de recursos financeiros em grande escala pulverizados em valores muito pequenos e possibilitam a criação de empresas com pouco capital. A origem dos recursos arrecadados é muito diversificada e bastante diluída, em face do grande fluxo de indivíduos e da intensa movimentação de caixa, o que dificulta muito a prova de fraudes ou de lavagem. Estes são fatores que atraem o investimento de delinquentes de médio porte econômico ao mercado dos jogos e funcionam como multiplicadores de práticas ilegais mais blindadas do que as que se poderia ter em outros ramos do comércio. 

Vocês se lembram da chamada Operação Monte Carlo, desencadeada, no ano de 2012, pelo Ministério Público Federal? Em parceria com a Polícia Federal e Receita Federal, foi desvendada a exploração cartelizada de jogos de azar existente há mais de cinco anos no Estado de Goiás. Para que os "donos do mercado" pudessem operar em segurança, havia uma estrutura estável entranhada no seio da administração pública, mantida mediante propina.

Há ainda a considerar as questões éticas. Nenhum país evolui se não discutir as questões morais. Sim, as sempre importantes questões morais! 

Assim como álcool ou cocaína, o jogo pode causar dependência. O vício em jogatina consta oficialmente do rol das patologias, desde 1992, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) colocou o jogo compulsivo no Código Internacional de Doenças

Há ainda alguma dúvida de que a liberação do jogo estimula o vício? Não! Se o leitor tem dúvida, basta fazer a pergunta contrária: a liberação do comércio da jogatina diminui o vício? Não! Então, ela o aumenta, porque ficar exatamente igual é altamente improvável.

O jogo é como o álcool, tem um grande potencial de viciar seus adeptos. Logo, a legalização dos jogos pode deteriorar ainda mais nosso tecido social. Este vício pode destruir famílias, levar pessoas para agiotas, para o endividamento, à agressão e ao suicídio e, assim como ocorre com os viciados em outras drogas, é a sociedade inteira que paga essa conta.

Assim, as práticas desenvolvidas no mercado de jogos de azar não se limitam à simples ação contravencional. Há outros riscos sócio-jurídicos que decorrem da diversidade de práticas ilícitas, que, em conjunto, geram antros de crimes satélites. Nas discussões sobre este tema, todas essas questões precisam ser consideradas.

Olhe os exemplos de outros países similares ao Brasil! O comércio de jogos de azar é liberado na nossa vizinha Argentina. Lá os cassinos e bingos são fábricas de pobres. Eles prosperam enquanto a população, a sua volta, empobrece. Isto é visível!

Para entender a explosão do jogo Argentina, basta seguir as pegadas do kirchnerismo.

Como entender que o ex-presidente Néstor Kirchner tenha concedido ao empresário do jogo, o kirchneriano Christopher López, o direito de exploração do Hipódromo de Palermo até 2032? Por incrível que pareça foi uma ato de Estado, obviamente de Estado populista e autocrático. A relação entre o casal Kirchner e o empresário era notória. O grupo Indalo cresceu exponencialmente enquanto Néstor e Cristina Kirchner comandaram o país, de 2003 a 2015. No início do mandato de Néstor, o grupo tinha nove empresas. Hoje, são mais de 50.

Christopher López é proprietário da empresa petrolífera "Oil", uma empresa que possuía cassinos na Patagônia e que já os tem em todo país. Detém a gestão das máquinas caça-níqueis ("tragamonedas") do Hipódromo de Palermo e de alguns meios de comunicação no sul da Argentina. A mais recente aquisição foi o grupo de televisão e rádio cuja empresa líder é a C5N (canal 5). A fortuna acumulada em dez anos foi espetacular. Apenas a operação no hipódromo de Palermo e o casino flutuante representam um lucro diário de 1,5 milhões de dólares. 

Mauricio Macri, o atual presidente da Argentina, critica a 'herança Kirchner' e diz que os impostos dos argentinos foram usados na expansão do grupo de López.

Para os poderosos, possuir um bingo ou cassino é a oportunidade para "lavar" os dólares provenientes de crimes. Neles ocorrerem os cambalachos entre os lavadores de dinheiro, os políticos e os tráficantes de drogas e de armas. Eles contam com um complexo sistema de proteção para defendê-los, a partir da administração do Estado e da justiça. No entanto, o certo é que ninguém vai proteger os viciados na ilusão das luzes, das cores e da emoção do jogo dentro dos bingos e casinos.

No Brasil, já temos uma enorme indústria clandestina de jogos, operada por organizações criminosas. Em 1998, quando o bingo foi legalizado, essas organizações chegaram a matar operários que estavam construindo casas de jogos. O mercado dos jogos, portanto, será controlado por aqueles que já atuam nele. Outros empresários dificilmente conseguirão ingressar no ramo. É uma ilusão achar que a legalização dos jogos acabará com o mercado clandestino. A transparência não é interessante para esses operadores. Eles preferirão manter um pé na clandestinidade. A sonegação fiscal continuará e a regularização da atividade tornará o Estado muito mais impotente para coibi-la.

O jogo é conhecido por corromper agentes públicos. A legalização não ajudará a resolver esse problema! O que ocorre na Argentina é apenas um exemplo. Parece-me ser simples ingenuidade supor que aquele que explorou, durante décadas, o jogo clandestino — matou, corrompeu parlamentares e ministros, "lavou" dinheiro e fez "caixa dois" em campanhas eleitorais — teria algum receio em oferecer propina para os fiscais da agência reguladora. A legalização da exploração do jogo de azar, não tornará o Estado brasileiro mais eficaz na fiscalização. Vejam o que já acontece! A Lava-Jato tem nos mostrado como foi grande a roubalheira no ramo da construção civil, devido à proximidade com o poder político corrupto, mesmo sendo ela um setor lícito.  

Mesmo com toda a tecnologia que temos hoje, não há como fiscalizar os jogos e evitar fraudes. As máquinas são computadores, tal como a urna eletrônica tipo DRE (a brasileira, por exemplo), que também não pode ser fiscalizada. Enfatizo, não é possível fiscalizar o software que, num dado momento, opera nos circuitos eletrônicos internos. No caso das máquinas do cassino, o software atuante pode vir de qualquer lugar da nuvem mundial (cloud computing). 

Imagine a multiplicação de cassinos e casas de bingo pelo Brasil. Não haverá Estado capaz de fiscalizar isso. Imagine que alguém receba R$ 300 mil em uma licitação fraudulenta, por exemplo. Basta que vá a uma casa de bingo e ofereça R$ 100 mil para o dono registrar que ele ganhou R$ 200 mil. O fraudador "lava" o dinheiro facilmente. 

A legalização do jogo será uma festa comandada pelo crime organizado, que terá muito mais instrumentos para operar as negociatas e avançará mais sobre as estruturas estatais. 

As ocupações que serão geradas serão mais baratas. Aliás, não se criarão empregos, mas sim subempregos, a menos que o trabalhador passe, pouco a pouco, a se incluir na máfia como alguém de confiança.

Para finalizar, reitero que o Brasil não está maduro para lidar e resolver as consequências da legalização da jogatina, até mesmo porque não discutiu suficientemente esta suspeitosíssima proposta.


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