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sexta-feira, 17 de junho de 2016

Brasil, um passinho para frente, dois para trás.

Por Almir Quites - 05/06/2016

Meu pai e minha mãe, professores de História, muito me ensinaram sobre política, especialmente meu pai. Ele costumava classificar os políticos inicialmente do modo mais simples: aqueles que trabalham para organizar o Estado e a sociedade — mais direcionados ao bem comum — e aqueles que trabalham para aumentar o poder pessoal — mais direcionados a si mesmos. Estes últimos são hoje conhecidos como populistas, enganadores do povo, que usam o Estado em proveito próprio. Embora os populistas sempre tenham existido, o termo começou a ser empregado na política brasileira para caracterizar o presidente Getúlio Vargas

Num governo populista, tal como numa ditadura, tudo de bom que ocorra no país é apropriado como obra do governo e tudo o que ocorra de errado é culpa da oposição ou de forças externas ou ocultas. 

Claro que há casos de políticos cujo enquadramento por este critério é difícil, principalmente quando não há o necessário distanciamento histórico. Hoje, rememorando o passado, posso dizer que meu pai não cometeu erros de avaliação em sua época. Aquele critério simplista mostra-se muito útil até hoje.

Nota: ao contrário do que parece ao senso comum, o antônimo de "populista" não é "autoritário", mas sim "democrático". Numa democracia o governo reconhece e se submete à soberania do povo. Um governo que engana o povo não é democrático, tanto que os regimes populistas são justamente aqueles que com maior facilidade descambam para o absolutismo. Os populistas, quando chegam ao poder, fazem de tudo para se adonar do Estado e para isso fazem uso de uma intensa propaganda, que ilude e idiotiza o povo. 

O Estado não produz nada. Ele apenas arrecada o dinheiro do povo. É por isso que seus integrantes devem ser muito bem escolhidos. Governos populistas aumentam o tamanho e as despesas do Estado, portanto aumentam os impostos e prejudicam a economia. Quanto mais o governo gasta, menos sobra para o povo!

Olhando para o passado, ao longo de décadas, até transpondo séculos, parece-me que o Brasil anda em círculos e assim, olha para todos os lados, mas não sai do mesmo lugar. Desde o início da república, temos períodos de desenvolvimento, em que o governo se direciona ao bem comum, alternando-se com períodos de retrocesso, com governos populistas. Os governos populistas adotam o discurso da igualdade social e do "Estado pai dos pobres". Eles bagunçam o país, a tal ponto que a crise acaba por conduzir a um governo menos egoísta e mais competente. É o que pretendo mostrar a seguir, num brevíssimo resumo da História do Brasil.

Até a Independência do Brasil, tínhamos uma monarquia absolutista. Este período não entra nesta minha análise.

Durante o período imperial, a discussão política caracterizava dois grupos ideológicos no Brasil: os liberais e os conservadores. Os primeiros defendiam um sistema de educação livre do estado e das religiões, contra o monopólio da terra e a favor da completa autonomia das províncias e municípios. Os conservadores opunham-se a essas ideias. Todo o período imperial foi marcado por tensões e conciliações entre os dois grupos. Então, o embate político evoluiu pelo surgimento dos movimentos abolicionista e republicano, que aliados, foram responsáveis pelo fim da servidão e pela Proclamação da República. No fim do século XIX, a imigração europeia trouxe a ideologia do anarquismo (sociedade sem Estado e sem governantes) e o comunismo (Marxismo-leninismo, uma adaptação feita por Lenin das teses do filósofo alemão Karl Marx). O comunismo foi a base ideológica para a criação da União Soviética, a partir do bloco centrado na URSS, o qual, no período pré-industrial, enaltecia a igualdade social, a ser alcançada por meio da ação de um Estado poderoso e intervencionista, controlador da economia e da sociedade, focado apenas a questão distributivista. Assim, com a diferenciação destas novas ideologias, o espectro político brasileiro ficou bem mais complexo. Geralmente anarquistas e comunistas se uniam contra os liberais e os republicanos

O fato é que o Brasil teve um período de bonança e desenvolvimento no Reinado de D. Pedro II, até 1870, quando a monarquia passou a ser contestada por organizações religiosas, notadamente pela Igreja Católica, por civis, notadamente a aristocracia rural — que perdera a mão de obra escrava — e por militares. Foi um passo para frente!

Depois da proclamação da república, tivemos um período conflagrado, difícil, desde o Governo Provisório de Deodoro da Fonseca (1889) e passando por Floriano Peixoto, até 1894, quando Prudente de Morais foi eleito (primeiro presidente do Brasil fruto de eleição direta). Foi um passo para trás!

Então, voltou-se a ter uma visão de futuro e desenvolvimento até 1919, quando Epitácio Pessoa foi eleito presidente. Foi mais um passinho para frente!

No último ano do governo de Epitácio Pessoa, iniciou-se um novo período de retrocesso, aliás um longo período de retrocesso institucional e político. Iniciou com a Revolta do Forte de Copacabana, episódio que ficou conhecido como "Dezoito do Forte". Artur Bernardes, eleito presidente em 1922, governou praticamente em permanente estado de sítio. 

No início de 1924, o general Isidoro Lopes insurgiu-se em São Paulo, marchou com tropas para o estado de Mato Grosso e lá se encastelou em oposição ao governo. Em outubro, o tenente Luiz Carlos Prestes, o mais famoso militante comunista e secretário-geral do partido por 37 anos, iniciou, no Rio Grande do Sul, a chamada "Coluna Prestes" e marchou, em ação de guerrilha, em direção ao Mato Grosso, para juntar-se ao general Isidoro. Combatido, refugiou-se na Bolívia. 

A confusão no Brasil era enorme. Foi aí que o Estado brasileiro começou a crescer e a gastar mais e mais. Em 1924, o governo gastava 12% do PIB. No fim da Era Getúlio Vargas, em 1954, o estado brasileiro já gastava cerca de 20% do PIB brasileiro. Este número continuou crescendo, até 1970!

Depois de uma profunda reforma constitucional, em setembro de 1926, o Brasil ainda vivia um ambiente de descontentamento e de conflitos. Após o período conhecido como "República do Café com Leite", Washington Luís assumiu a presidência num período de intensa turbulência e não conseguiu concluir seu mandato. Foi deposto pela Revolução de 1930. 

Fervia, naquela época, a ideologia que priorizava o trabalho e abominava o capital, pregava o Estado poderoso e a forte intervenção na economia e na sociedade. Pouco antes, na Alemanha, a Constituição de Weimar havia trocado a democracia liberal pela "democracia social", na qual surgiu o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei), abreviadamente chamado de NAZI ou nazista, comandado por Adolf Hitler.  

Em 24 de outubro de 1930, Washington Luís foi deposto e o governo provisório empossado. Este passou o poder para Getúlio Dornelles Vargas, o chefe revolucionário. Getúlio Vargas era admirador do líder populista alemão ("der Führer" = o Chefe). A Constituição de 1934 implantou no Brasil uma "democracia social" similar à democracia Weimariana alemã. A meu ver um atentado contra o Brasil, porque a Constituição, como também o Estado, não deve, em hipótese alguma, ser instrumento de uma ideologia. Isto acorrenta sociedade! 

Neste período, a confusão era tanta, que já em 1937, com o Golpe de Estado promovido por Getúlio Vargas, uma nova Constituição foi outorgada, introduzindo o fascismo no Brasil, período conhecido como "Estado Novo". Os poderes do ditador eram tão grandes que ele não cumpria a própria Constituição, que ele mesmo havia imposto ao país. 

Getúlio era endeusado pelos mais propensos ao fanatismo. A propaganda, feita com recursos públicos, era intensíssima! Muitas famílias tinham seu retrato na parede da casa, como se fosse alguém da família. Muitas famílias rezavam diante do retrato do Getúlio! 

Veja agora o seguinte vídeo. Depois, siga com a leitura.


Retrato do Velho - Jingle de Getúlio Vargas

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Este estado autoritário perdurou até 1945, quando Getúlio foi destituído pelos militares. Em 1946, uma Assembleia Constituinte promulgou a quinta Constituição brasileira, a qual restabelecia a tal "democracia social" de 1934. A desorganização e os distúrbios continuavam.

Getúlio Vargas voltou à presidência do Brasil em 1951, tendo sido eleito por voto direto, e governou o Brasil, por três anos e meio: de 31 de janeiro de 1951 até 24 de agosto de 1954, quando veio à tona o "mar de lama" no qual estava envolvido. A situação do "bom velhinho", como era chamado, ficou insustentável, principalmente após o "atentado da Rua Tonelero", como ficou conhecida a tentativa de assassinato cometida contra o jornalista e político Carlos Lacerda, ocorrida na madrugada do dia 5 de agosto de 1954, em frente à sua residência, no número 180 da Rua Tonelero, em Copacabana, Rio de Janeiro. Então, Getúlio se suicidou! Assim, acabou a "era Vargas"!

O vice-presidente Café Filho, assumiu a presidência, exercendo o cargo até novembro de 1955, quando foi afastado por motivos de saúde, assumindo em seu lugar o presidente da Câmara, Carlos Luz, este deposto por tentar impedir a posse do presidente eleito Juscelino Kubitschek.

Juscelino foi eleito presidente em 1955, tendo João Belchior Marques Goulart (Jango) como vice. Aí começou um novo período de estabilidade política e desenvolvimento sob a promessa de campanha de desenvolver "50 anos em 5". Juscelino foi responsável pela construção de uma nova capital federal, Brasília, numa região na qual não havia nada, executando assim um antigo projeto para promover o desenvolvimento do interior e a integração do país. Durante todo o seu mandato, a indústria brasileira teve um notável desenvolvimento. Em janeiro de 1961, Juscelino foi sucedido por Jânio Quadros, seu opositor apoiado pela UDN. Juscelino não foi candidato, porque nesta época a reeleição era proibida pela Constituição.

Jânio Quadros foi eleito presidente em 3 de outubro de 1960, para o mandato de 1961 a 1965, com 5,6 milhões de votos — a maior votação até então obtida no Brasil. O vice-presidente eleito foi João Goulart, o mesmo vice de Juscelino (naquela época votava-se separadamente para presidente e vice). Jânio foi outro populista que mergulhou o Brasil em mais uma severa crise. Fez um governo curtíssimo - que só durou sete meses — recheado de factoides e polêmicas pueris, como a proibição do biquíni na transmissão televisada dos concursos de miss, a proibição das rinhas de galo, do lança-perfume em bailes de carnaval etc. Alinhou o Brasil aos países comunistas, como China, União Soviética, Cuba. Condecorou, com a Ordem do Cruzeiro do Sul,  o assassino Che Guevara (uma das principais figuras revolucionárias comunistas do período). Com baixa popularidade, enfrentando uma crise econômica, sem apoio de grande parte do legislativo e com o descontentamento dos militares, o governo Jânio Quadros entrou em colapso. Ele renunciou no dia 21 de agosto de 1961, alegando não suportar as "forças ocultas". "Forças terríveis se levantaram contra mim…", escreveu em sua carta de renuncia. 

Com a renúncia do presidente, deveria assumir o vice-presidente, João Goulart, outro populista, considerado o herdeiro político de Getúlio Vargas, do qual seu pai era amigo íntimo, desde que juntos participaram de revolução de 1930. No entanto, os militares se sublevaram. O país entrou em crise institucional. A reação veio do sul, com a Campanha da Legalidade, uma mobilização civil e militar que durou duas semanas após a renúncia de Jânio Quadros, liderada por Leonel Brizola (governador do Rio Grande do Sul e cunhado de João Goulart) em favor da manutenção da ordem jurídica, a qual previa a posse de João Goulart. Chegou a haver grande mobilização de tropas e pequenos confrontos armados entre militares. No entanto, no Congresso Nacional, foi negociada uma solução política para evitar uma crise maior e "derramamento de sangue". Destacou-se a figura de Tancredo Neves, que havia sido ministro de Getúlio Vargas. Então, em 2 de setembro, foi aprovada uma emenda constitucional (número 4), alterando o regime de governo para um pseudo-parlamentarismo, que limitava os poderes de João Goulart como presidente por colocá-lo como chefe de Estado e não de governo. Assim, os militares afinal aceitaram que ele tomasse posse. João Goulart encontrava-se na China e, ao retornar ao Brasil, tomou posse, em 7 de setembro de 1961. 

Seguiu-se um período conflagrado no Brasil, de intensa desordem, muitíssimas greves, comícios e conclamações à subversão. Leonel Brizola discursava diariamente na rádio Mayrink Veiga, conclamando o povo à subversão. Atacava o Congresso Nacional e os oficiais das Forças Armadas, os eram chamados de "gorilas". Conclamava o povo a aderir à luta armada e organizava os grupos guerrilheiros chamados "Grupos dos Onze". 

Então, eclodiu a Revolução de 1964! Instalou-se um governo militar e o Brasil experimentou outro período de ordem e progresso.

Como é longa a história. Fica claro, até aqui, que a cada período de avanço segue-se outro de retrocesso, no qual se volta a discutir a mesmas coisas do período anterior. Por isso, não vamos para frente e o Brasil continua sendo um país pobre e atrasado, apesar de seu enorme tamanho e de suas riquezas naturais.

Até aqui abordei 142 anos de história do Brasil (após a independência). Cheguei apenas a 1964! Até a data de hoje, ainda faltam 52 anos! 

A propósito, em 1964 a despesa primária do Estado já alcançava 23% do PIB brasileiro!

Desde o tempo do império, os brasileiros discutem essa coisa de direita e esquerda, mesmo sem saber o que isso realmente significa. Quando vamos superar esta paranoia e nos concentrar nos valores universais, para vivermos em sociedade de forma harmoniosa e pacífica?


Quando comecei a escrever, não me parecia que este texto seria tão longo.

Paro por aqui e deixo a promessa de continuá-lo num próximo artigo.

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