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terça-feira, 5 de abril de 2016

Ministro Marco Aurélio Mello se expôs

Por Almir Quites - 05/04/2016


Assisti, ontem (04/04/2016), ao programa Roda Viva, na TV Cultura. O entrevistado, Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), decepcionou-me, como sempre. Ele não me parece ser uma pessoa culta, até porque o manejo esnobe da língua portuguesa se me afigura um precário disfarce. 

"Minhas colocações são científicas", adverte o Ministro, logo de início. Isto expõe seu precário conhecimento sobre ciência, porque tenta atribuir a suas convicções o sentido estrito daquela palavra. Em minha opinião, o ministro não se expressa bem "no vernáculo" (em suas próprias palavras), numerosas vezes cai em contradições lógicas e, em outras tantas, simplesmente foge da pergunta dizendo que não estudou o caso ou usando algum outro subterfúgio. 

Respondendo a pergunta "o impeachment do presidente Collor transpareceu ser um golpe?", ele responde; "Houve uma decisão do Congresso e eu tenho que pressupor que foi uma decisão correta". Aí então passa falar da frase recorrente da presidente Dilma de que o Impeachment dela será "um golpe". Diz que "haverá procedência no que é asseverado pela presidente, se não se tiver um fato jurídico, ou seja, um crime de responsabilidade". Ora, crime de responsabilidade é só o fato jurídico que o STF entenda ser crime? Se for assim, Collor sofreu um Golpe de Estado, ao contrário do que ele mesmo afirmara. Collor foi posteriormente absolvido pelo STF! Em seguida, Marco Aurélio diz que não sabe se estamos diante de um golpe no caso da Dilma porque não examinou o processo em curso no Congresso. 

Perguntado, em seguida, sobre a afirmação de Lula de que os ministros do STF estão "acovardados" (palavra usada pelo ex-presidente), o Ministro simplesmente respondeu com uma pergunta ao seu entrevistador: "Por que a cadeira ocupada por um juiz no Supremo é uma cadeira vitalícia?" e ele mesmo respondeu: "É vitalícia para que possamos atuar com absoluta equidistância". Como se eles, sob a toga, fossem perfeitos! Em seguida, faz outra pergunta ao entrevistador: "você que acompanha a minha vida profissional há algum tempo, você acha que eu sou uma pessoa acovardada?". Que indelicadeza, incompatível com um magistrado! Ao invés de comentar a afirmação do ex-presidente Lula, como fora solicitado, o ministro preferiu nem se referir a Lula, tratou de constranger o entrevistador (Murilo Ramos, da revista Época). Este respondeu timidamente: "Acho que não, Ministro, mas seus colegas talvez...". 

Lá pelas tantas, o Ministro chega a dizer que Lula é a "Tábua de Salvação" do governo Dilma. Já teria dito isso antes e refirma agora: "eu continuo com essa visão, mesmo porque..."

O ministro vê "algo de errado no grande número de delações premiadas" que vêm sendo fechadas pela Justiça Federal na Operação Lava Jato. Nestes termos o Ministro deve estar afirmando que nunca viu um Judiciário competente em ação, mas ele põe em dúvida, sem provas, a lisura do Juiz Sérgio Moro quando afirma: "Nunca vimos um número tão grande de delações. Não é aceitável que se mantenha o cidadão preso temporariamente por tanto tempo para que ele faça uma delação. Alguma coisa errada está havendo". 

Assim, seguiu a entrevista no Roda Viva. O Ministro respondeu apenas o que quis e desviou o assunto quando não quis responder. Mostrou que vive num mundo distante da realidade brasileira, incapaz de atuar com a citada "equidistância". O voto deste ministro é perfeitamente previsível!

No entanto, há uma razão para ouvi-lo: ele reflete não apenas as suas convicções, mas também a de seus pares no STF. Ele também é fruto do seu meio.

Por exemplo, ontem, o Ministro Marco Aurélio Mello disse que o STF poderá julgar o processo de impeachment da Presidente Dilma. Vejam só: O STF pode se meter em uma atribuição típica do Congresso! Ele disse que o processo de impeachment exige uma justificativa jurídica, um crime de responsabilidade, apesar de o julgamento ser feito pelo Senado Federal e, portanto “o Supremo jamais examinará a conotação política do que vier a ser deliberado pelas duas casas do Congresso, mas o enquadramento jurídico em si, ele examinará.” Logo, o ministro entende que, "se provocado, o Supremo pode examinar se o alegado crime de responsabilidade que resultou no impeachment seria aceitável". Aposto que este é o entendimento dos demais ministros do STF! 

Isto significa que o STF entende que pode anular todo o processo! Isto não é intervir em outro poder da República? Como todo o assunto discutido no Congresso tem seu lado jurídico, qualquer um pode provocar o STF e paralisar o Congresso. Aí está um modo fácil e seguro de emperrar um país! Faltam freios ao STF!

"O STF não pode ter freios", bradaria o Ministro Marco Aurélio, se lesse esta minha última frase, "porque é a mais alta instância do poder judiciário brasileiro". Claro, sei disso, mas homens probos sabem perfeitamente quando devem se auto-frear. Não estranho este comportamento do STF, porque já foi cabalmente demonstrado, como se mostra, por exemplo, aqui (clique): 

Como os membros do STF entendem que suas interpretações se sobrepõem ao que está expresso na Constituição Federal, não é de se estranhar que o princípio da Separação dos Poderes da República (legislativo, executivo e judiciário) não seja respeitado. No entanto, a Separação de Poderes não é um fundamento que se possa moderar, aliviar ou ignorar sem graves consequências. Ele é tão importante, que, além da chamada “Separação Horizontal de Poderes” aqui tratada, cogita-se de diversas outras de suas dimensões. Mesmo adstrito só à dimensão horizontal, Martin Kriele, que (ao lado de Hermann Lübbe, Odo Marquard, Robert Spaemann e Ernst-Wolfgang Böckenförde), é considerado um dos mais importantes membros do grupo de filósofos do Collegium Philosophicum da Universidade de Münster, adverte que, apesar da decantada neutralidade, toda interpretação do Direito Constitucional padece de uma destas três seguintes orientações fundamentais: 

  • (1) ou a interpretação da Constituição, mostra-se amiga do Poder Executivo (verwaltungsfreundliche); 
  • (2) ou do Legislativo (parlamentsfreundliche); ou 
  • (3) do próprio Poder Judiciário (justizfreundliche). 

Este último é o caso do Brasil de hoje. O STF é o Poder Superior, em seguida, vem o Poder Executivo e, por último, o Poder Legislativo. 

No Brasil, é notório o poder de intervenção do Judiciário nas decisões dos demais Poderes. De fato, embora seja inconstitucional, o Poder Judiciário pode julgar e até anular atos dos demais Poderes. Esta constatação aponta para o absurdo de um processo de impeachment da Presidente da República ser decidido pelo STF, mesmo que constitucionalmente isto seja da competência exclusiva do Congresso Nacional.  

Embora estas observações decorram da observação do início do Programa Roda Viva, tudo fica muito mais claro na meia hora final, como o leitor poderá observar no vídeo do programa. 

Foi muito correta e incisiva a participação do Jornalista José Nêumanne Pinto, do Estadão.

Veja aqui:  


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