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quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

O TERRORISMO E A LIÇÃO DE VOLTAIRE

Almir M. Quites - 08/01/2015
Se Maomé voltasse...
"Eu sou o Profeta, idiota". 
"Cala a boca, infiel!"

Pelo menos 12 pessoas foram mortas e 14 feridas no ataque a tiros às instalações do jornal satírico francês Charlie Hebdo, nesta quarta-feira, ontem, em Paris. Os autores do ataque fugiram. A polícia busca detê-los. Um vídeo mostra dois atacantes com capuzes e um deles grita: "Matamos o Charlie Hebdo! Vingamos o profeta Maomé!

É hora de retomar as lições do mestre Voltaire. "Eu posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-lo", está entre as citações mais famosas do filósofo francês. As palavras de Voltaire tornaram-se rapidamente o grito de guerra das pessoas indignadas com o ataque terrorista hediondo na redação do semanário satírico.

O jornal Charlie Hebdo é famoso por alfinetar impiedosamente uma ampla gama de alvos nas esferas política, artística e religiosa. Ele atiçou a ira de muitos muçulmanos com suas repetidas zombarias dirigidas ao profeta Maomé, mesmo sabendo que caçoar do profeta é considerado blasfêmia no Islã. Mas apesar de ser retaliado e ameaçado no passado, Charlie Hebdo permaneceu firme na convicção de seu direito à este tipo de ofensa.

Os fundamentalistas já estão comemorando o massacre como se fosse uma vitória sobre os insultos publicados. Os contumazes detratores dirão que o próprio Charlie Hebdo provocou seu destino sangrento. No entanto, um ressentimento causado por uma descortesia não é justificativa válida para qualquer tipo de violência. Embora o direito à livre expressão não seja absoluto (o discurso do ódio, por exemplo, não deve ser tolerado), ainda assim, para que a liberdade de expressão signifique algo de valor, os limites devem ser definidos de modo muito amplo. A liberdade de expressão, em todas as suas formas e manifestações, é um direito fundamental e inalienável, inerente a todas as pessoas. Ela é um requisito indispensável para a própria existência das sociedades democráticas. A sátira, por sua própria natureza, desafia os limites entre o bom gosto e comentário justo, mas precisa ser tolerada. A tolerância à sátira é um dos mais importantes e acurados testes da liberdade de expressão. A sátira deve ser tolerada, mesmo a contragosto, exatamente como argumentava Voltaire.

Este ataque odioso, sem dúvida, testa valores que a França e outras sociedades como o Canadá, levam a sério. Estes valores não se restringem apenas ao direito à livre expressão, mas também à tolerância, a condescendência, a indulgência, a paciência, a transigência, a receptividade, a franqueza, a sinceridade etc.

Os extremistas visam justamente dividir as pessoas em diferentes grupos ou classes, corroer a liberdade, semear o medo e despertar o ódio. Este foi o objetivo comum do terrorista solitário ("lobo solitário"), que matou soldados no Canadá, em dezembro de 2014, e do desequilibrado tomador de reféns no Café da Austrália e também dos terroristas do Estado islâmico na Síria e no Iraque, que divulgam suas ações desprezíveis para incentivar seguidores a atacar de maneira semelhante. Isto acirra o clima de suspeitas infundadas com relação ao próximo, seja por ser considerado de "raça" diferente, ou classe, ou simplesmente por ter opiniões ou crenças diferentes. 

Na França, como em outros lugares, mesmo no Brasil, é importante que se resista à influência de forças reacionárias que possam tentar tirar proveito político dos ataques terroristas. A Europa já está perturbada pela política de polarização, por vezes xenófobas, fazendo com que a unidade e a inclusão sejam seus principais desafios, mormente depois deste massacre.

O antídoto para espasmos de violência, seja na França ou no Canadá, é a compreensão e o respeito. É a intensificação da solidariedade para aqueles que são diferentes de nós mesmos. É a busca de uma base comum, para que se possa defender os nossos valores mais preciosos. 

O extremismo de uns não deve ser vencido por meio do extremismo de outros, porque quem ganhará serão justamente extremistas.


Veja uma justíssima indignação:
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Belo texto de texto de 
Demetrio Magnoli.

Raqqa, aqui

Enquanto, na França, dezenas de milhares saíam às ruas para dizer "Eu sou Charlie", professores universitários brasileiros saíam de suas tocas para celebrar o terror. Não começou agora: é uma reedição das sentenças asquerosas pronunciadas na esteira do 11 de setembro de 2001. São sinais notáveis da contaminação tóxica de nossa vida intelectual e, especificamente, da célere conversão de departamentos universitários em latas de lixo do pensamento.

A mensagem dos franceses foi um tributo à vida e à civilização. "Eu sou Charlie" não significa que concordo com qualquer uma das sátiras do Charlie Hebdo. Significa que concordo com a premissa nuclear das sociedades abertas: a liberdade de expressão é, sempre, a liberdade daquele com quem não concordo. Isso, porém, nunca entrará na cabeça de nossos mensageiros da morte.

Seu discurso padrão começa com uma condenação ritual do ato terrorista: "É claro que não estou defendendo os ataques", esclareceu de antemão uma dessas tristes figuras, antes de entregar-se à defesa, na forma previsível da condenação das vítimas "justiçadas". "Não se deve fazer humor com o outro", sentenciou pateticamente Arlene Clemesha, que ostenta o título de professora de História Árabe na USP, para concluir com uma adesão irrestrita à lógica do terror jihadista. É preciso, disse, "tentar entender" o significado do ataque: "um atentado contra um jornal que publicou charges retratando o profeta Maomé, coisa que é considerada muito ofensiva para qualquer muçulmano".
Clemesha é só uma, numa pequena multidão acadêmica consagrada à delinquência intelectual. No mesmo dia trágico, Williams Gonçalves, professor de Relações Internacionais na Uerj, esqueceu-se do cínico aceno prévio para expor logo sua aguda visão sobre o "controle social da mídia" e, de passagem, candidatar-se a porta-voz oficial do Estado Islâmico: "Quem faz uma provocação dessas", explicou, referindo-se aos cartunistas assassinados, "não poderia esperar coisa muito diferente". O curioso, nas Clemeshas e nos Gonçalves, é que eles rezam pela mesma cartilha que Marine Le Pen, apenas com sinal invertido. O nome dessa cartilha é "choque de civilizações".

Na onda de islamofobia que varre a França, surfam dois lançamentos recentes. O livro "Le suicide français", do jornalista ultraconservador Éric Zemmour, alerta contra a destruição da cultura francesa por vagas sucessivas de imigração muçulmana. O romance "Soumission", de Michel Houellebecq, imagina a França governada por um partido islâmico no ano agourento de 2022. Segundo a gramática do "choque de civilizações", o Islã não cabe na França: um muçulmano só pode ser um francês se, antes, renunciar à sua fé. Os nossos Gonçalves e Clemeshas estão de acordo com isso –mas preferem que, para acolher os muçulmanos, a França renuncie a suas leis e a seus valores, entre os quais a laicidade do Estado. E, no entanto, apesar de Zemmour, Houellebecq, Clemesha, Gonçalves e Le Pen, milhares de muçulmanos franceses exibiram nas ruas os cartazes com a inscrição "Eu sou Charlie"...

Karl Marx escreveu cartas elogiosas a Abraham Lincoln. Leon Trostsky contou com a colaboração inestimável do filósofo liberal John Dewey para demolir as falsificações dos Processos de Moscou. Entre um evento e outro, o socialista August Bebel qualificou o antissemitismo como "o socialismo dos idiotas". Em outros lugares e outros tempos, o pensamento de esquerda confundiu-se com o cosmopolitismo e produziu as mais comoventes defesas das liberdades civis. No Brasil de hoje, com honoráveis exceções, reduziu-se a um pátio fétido habitado por "black blocs" iletrados, mas fanaticamente antiamericanos e antissemitas.

"Não se deve fazer humor com o outro", está escrito na lápide definitiva que cobre o túmulo do humor. Raqqa, a sede do califado, é aqui. "Eu sou Charlie". 

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FANÁTICOS E CONFUSOS
Na opinião dos esquerdistas fanáticos e confusos, "os homicidas se sentiam perseguidos e o semanário Charlie Hebdo representava seus perseguidores". O autor não diz, nem precisa, mas a conclusão é a de que esses desenhistas grisalhos, e a sociedade que permitiu as "blasfêmias ao profeta", tiveram o que mereceram. Colheram o que plantaram.

O indivíduo responsável por seus atos só existe de um lado da equação, o das vítimas. Os assassinos são autômatos sem vontade própria, zumbis aprisionados num maquinismo cego que é manipulado no final das contas, veja só, "pelas forças entrópicas do capitalismo ocidental".
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"Como muçulmano, matar pessoas inocentes em nome do Islã é para mim muito, muito mais ofensivo do que qualquer desenho animado possa ser".

Link permanente da imagem incorporada

Iyad El-Baghdadi é escritor e ativista de direitos humanos. Em 2011, com as revoltas da Primavera Árabe, Iyad começou "twittando" sobre a revolução egípcia, traduzindo declarações, cânticos e vídeos do árabe para o Inglês, o que permitiu que o público internacional pudesse entender o que estava acontecendo. Em fevereiro de 2011, ele traduziu em vídeo a hoje conhecida conclamação de Asmaa Mahfouz (ativista egípcia, fundadora do Movimento de Juventude 6 de Abril) para que os egípcios prostestassem nas ruas. A tradução de Iyad tornou-se o principal documento da literatura que documenta aquela revolução.
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Vejam também:
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