Almir Quites - 11/12/2014
Era uma vez um país de maravilhas, mas com um governo autocrático e populista, há mais de uma década atolado em corrupção, tanto com capital privado como público! Este governo se autodenominava "de esquerda" e rotulava quem ousasse criticá-lo como "de direita".
Dois professores universitários, que já haviam conquistado todos os graus acadêmicos, inclusive o de PhD, conversavam tensamente, como sempre. O assunto era a política.
Bem, antes de prosseguir, permitam-me apresentá-los. Um deles era o Dr. Left que se autodefinia como "de esquerda". O outro é o Dr. Right, que se dizia livre e desvinculado de qualquer ideologia, embora o Dr. Left o rotulasse publicamente como "de direita".
O Dr. Right comentou uma notícia que lera na revista VEJA BEM.
- Que coisa! Num município com 12 milhões de habitantes, o dito Revolta dos Trabalhadores Sem Teto, coloca uns quatro mil numa manifestação e dá ultimato aos poderes públicos. O chefão da turma é um sujeito chamado Roulus. Segundo disse, "os poderes públicos têm 30 dias para regularizar todas as invasões de sem-teto da cidade", ou ele promete transformar a capital num inferno, com a sua minoria de extremistas. Roulus disse que “os governos federal, estadual e a prefeitura que se entendam para resolver a situação e desapropriar os terrenos”, dando de ombros para a democracia. Ele se julga o dono da verdade, o dono da causa. Esquece que a democracia é o regime da maioria e que tem, como um de seus pilares, a tolerância com as minorias. Em nenhuma democracia essas minorias têm o direito de tiranizar e dar ultimatos às maiorias.
Aí o Dr. Left ficou indignado:
- Você "esquece" do Art. 6º da Constituição Federal: "São direitos sociais do cidadão a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição". O Roulus pode não ser o dono da verdade, mas conhece a constituição.
O Dr. Right não se aguentou:
Não sei como ainda me espanto contigo!
Dr. Left:
Pois é, Right. Lembra que discutíamos outro dia sobre a diferença entre "cercear" e "não admitir"? Veja que é possível interpretar estas suas palavras como uma tentativa de cerceamento à minha opinião. Você nada comenta sobre o direito constitucional à moradia. Você nada comenta sobre o Roulus. Apenas se "espanta" comigo ou não mais se espanta... o que dá no mesmo. E, isto sim, é cerceamento!
Dr. Right:
Pois é, Left! Tenho que te explicar... O que me espanta e já não deveria me espantar é que não compreendas frases tão simples. Quando não te interessa, é claro. Aí, então, fazes uma interpretação totalmente e obviamente descabida. Se nada comentei sobre o direito constitucional à moradia e sobre o Roulus, foi por considerar a inutilidade disto. Sei perfeitamente que tu sabes que os fins não justificam os meios e vice-versa. Não é desrespeitando a Constituição que vamos fazê-la ser respeitada.Tanto tu como o Roulos sabem disso! Para que repetir? Não ias mudar de opinião! Não te cerceio não! Não quero te cercear! Tens todo o direito de te manifestar.
Dr. Left:
Batalhar para defender o direito constitucional à moradia, à saúde, à educação, ao trabalho..., de cada cidadão, por mais humilde que seja, é uma inutilidade?... Cara, você está sendo aqui mais ridículo do que costuma ser.
Como era de costume, o desânimo se abateu sobre o Dr. Right:
Confesso que me sinto sem ânimo para prosseguir esta conversa. De fato, não dá para discutir nada mais além disso, porque parece-me que entramos "na toca do coelho", de "Alice in Wonderland" (Alice no País das Maravilhas), a célebre obra do nonsense, só que aqui os enigmas são totalmente desprovidos de humor e o surrealismo é vulgar, mudo e cego.
O Dr. Right pensava em como se constrói um país de nonsense, ou seja, um país sem sentido, sem nexo. Não é difícil, pensou, bastam apenas dois ingredientes: ignorância e fanatismo. Num país em que 75% da população já é analfabeta ou analfabeta funcional, faltaria apenas o fanatismo de alguns intelectuais.
O Dr. Right fez uma pausa e, buscando as últimas forças nas suas próprias desesperanças, retrucou:
No nosso maravilhoso país, a rainha (a Presidenta) burlou a Lei da Responsabilidade Fiscal, a maior conquista para a boa gestão deste país. Para não ser punida, mandou o Congresso mudar a lei que define o superavit do governo. Como o Congresso titubiava, ela usou o dinheiro do povo e comprou os votos dos parlamentares. A lei foi mudada e a mudança foi retroativa, para salvar a Rainha, transformando o seu crime de responsabilidade em algo normal. A aprovação coroou uma série de barbaridades em cadeia que nos apavoram. Todas as certezas, esperanças, ideais éticos foram queimados como lixo e o povo continuou calado, impotente, submisso.
Fez mais uma pausa e revigorado continuou:
Com um Congresso comprável não há como punir a Rainha do País das Maravilhas. Não há como fazer cumprir a Constituição. A Corte que julga as incosntitucionalidades é nomeada pela própria Rainha. Seria o caso, Dr. Left, de se recorrer à uma manifestação popular e se dar um últimato à Rainha? Quem sabe recorrer a uma intervenção militar inconstitucional, contra a autoridade suprema da Presidência da República? (ver a nota abaixo)
O Dr. Left prontamente respondeu com um obeso e categórico "NÃO!"
Então, disse o Dr. Right, para você, neste país das maravilhas, Roulus, deve ter poderes maiores que a própria Constituição! Adorem o Roulos e a Rainha! Eu vou embora para a minha Passárgada, não aquela da antiga Pérsia! Para a minha, que vocês nem sabem onde fica.
Dr. Right nunca mais foi visto.
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Nota: Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
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