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domingo, 15 de dezembro de 2013

MANDELA VIROU MITO


Mandela se transformou num mito. O mito é uma idealização, mas Mandela, ainda que tenha sido um político admirável, foi imperfeito, como são todos os seres humanos.

A história de Mandela tem todos os ingredientes indispensáveis para transformá-lo num mito poderoso, a começar por seu drama pessoal de condenado injustamente à pena de prisão perpétua e de trabalhos forçados. Inclui também o desfecho vitorioso, que transformou o seu país, e inclui ainda os interesses inconfessáveis de muitos poderosos. É de se esperar uma enxurrada interminável de afirmações oportunistas e mobilizações populares!

"Santo subito!", foi o slogan usado em italiano para exigir a canonização imediata do falecido Papa João Paulo II, em 2005. “Canonização já" é a tradução aproximada. O mesmo acontece inevitavelmente com Mandela, canonizado pela mídia.

Poderemos ter a certeza que todos os elogios feitos a Nelson Mandela são merecidos, pois o estadista sul-africano transformou a história do seu país optando pela institucionalização da democracia. Mandela resistiu bravamente às teses revolucionárias radicais que queriam vencer o regime racista e totalitário pela violência das armas. Estes lutavam por uma “África para os africanos” e queriam matar ou expulsar os brancos da União Sul Africana. Os radicais recrutavam jovens para formar o comando ativista chamado Umkhonto we Sizwe (MK), a Lança da Nação, o braço militar do Congresso Nacional Africano (ANC/CNA). Eles enviavam jovens militantes para Cuba, para a China Popular, à Coreia do Norte e à Alemanha Oriental para que se adestrassem. A aposta na violência foi repudiada por Mandela, que assim deu uma lição histórica, para todos os radicais do mundo. Só que seu comportamento não foi sempre assim!

Numa reflexão desapaixonada, saltam à vista contradições evidentes. Enquanto Mandela se dedicava a uma causa nobre e justa - acabar com a violência contra os negros da África do Sul - houve episódios em que ele próprio aceitou o uso da violência. Cuba enviou 50.000 soldados para combater, em Angola, as forças sul-africanas, até à sua retirada no fim dos anos 1980. Logo, ele não foi integralmente contra a utilização da violência como meio para a sua causa. Pior do que isso, ele admirava Fidel Castro e sua tirania nociva. Sempre cantou louvores a Fidel.

Mandela tornou-se grato à Fidel. O apoio aos africanos oprimidos fez Fidel ser admirado pelos oprimidos do mundo, pelos liberais e intelectuais que controlam os meios de comunicação ocidentais e pelos da vida acadêmica. Opor-se ao apartheid na África do Sul era uma causa nobre na década de 70 e 80, talvez a causa mais nobre de todas, no Ocidente. Lembro-me das numerosas manifestações que se faziam na Alemanha, onde eu estudava. A causa se tornou tão nobre que o mundo ocidental, como um todo, aplicou um embargo à África do Sul e forçou seus líderes a abandonar o "apartheid".

Aqueles que veneram Mandela ignoram o fato de que ele nunca criticou ou, ao menos, comentou os crimes de Fidel Castro. Pior ainda, ele sempre elogiou a ditadura castrista.

Certamente há ainda um longo caminho a ser percorrido até que a mídia venha a descobrir que há bravos cubanos - muitos deles de ascendência africana - que se esforçam corajosamente, tão pacificamente quanto Mandela desejaria, para acabar com o regime totalitário em Cuba, país conhecido como uma "enorme fazenda de escravos". O que Mandela pode significar para os cubanos oprimidos e amedrontados?

Nelson Mandela é um dos ícones do politicamente correto, mas ele se autocegou ao drama dos cubanos. Assim, torna-se também um ícone do padrão duplo que os intelectuais hipócritas empregam em sua abordagem sobre repressão e direitos humanos.

Mandela, que se opôs a um regime que foi tão tirano quanto ao da dinastia Castro, avalizou um "justo" boicote/embargo à África do Sul. Esse embargo derrubou o sistema ao qual ele se opôs. No entanto, as mesmas pessoas que canonizam Mandela e que apoiaram tal embargo, não apoiam o embargo econômico à Cuba da dinastia Castro. Pior do que isso, essas mesmas pessoas tendem a argumentar que o embargo contra Cuba é imoral.

Será mesmo preciso mais alguma prova de que há algo terrivelmente errado na raça humana e na cultura ocidental em particular?

Santo Agostinho dizia que a condição humana era "monstruosa". Ele se referia ao desvio do intelecto humano "causado pelo pecado original", um defeito que teria transformado todos nós em "monstros morais", posto que dotados de uma tendência à tirania e a autossatisfação, ainda que à custa dos demais. Claro que não concordo com esta generalização, mas reconheço que há muitas pessoas que se encaixam na descrição de Santo Agostinho. Fidel e Raul Castro, por exemplo, têm a fera dentro de si. No entanto, esses demônios encarnados eram bons amigos de Mandela, que os venerava como santos dentro de seu panteão íntimo.

São hipócritas os que apoiaram o embargo contra o regime de apartheid da África do Sul e, concomitantemente, exigem o fim do embargo contra a "fazenda de escravos".

Os atuais elogios à Mandela não apagarão a amizade de Mandela com a dinastia Castro, como uma flagrante falha no seu caráter.

O que isso elucida sobre o mundo em que vivemos? Vale lembrar aqui um texto do discurso de Obama no funeral de Mandela: "Há muitos líderes que afirmam solidariedade com a luta de Madiba pela liberdade, mas não toleram a dissidência de seu próprio povo. E há muitos de nós à margem, confortável na complacência ou cinismo, quando nossas vozes devem ser ouvidas."

Nota final: críticas a este texto são bem-vindas, desde que sejam respeitosas.

Almir Quites

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